Equipe de Ciro quer Selic baseada em núcleo da inflação, não no IPCA

Política de preços da Petrobras também deve mudar, diz coordenador econômico de pré-candidato

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São Paulo

Principal coordenador do plano econômico do presidenciável Ciro Gomes (PDT), o economista e deputado federal Mauro Benevides (PDT-CE) afirma que a variação da taxa básica de juro no Brasil, a Selic, deve se basear no comportamento do núcleo da inflação, e não no índice oficial (IPCA).

"Não posso estar criando taxa de juros, elevando para o nível dos preços, onde ela não vai ter efeito nenhum", diz, em referência ao aumento dos preços da energia provocados pelo alta do dólar e do petróleo e do baixo nível dos reservatórios.

Segundo ele, um eventual governo Ciro deve introduzir a mudança e também alterar a política de preços da Petrobras.

"Preciso subir o preço para além daquilo que dá lucro e permite fazer os investimentos só porque o sistema financeiro e fundos de pensão, majoritários no recebimento de dividendos, querem?"

Benevides, 61, diz que a consolidação fiscal será a maior prioridade de um eventual governo Ciro. Ele defende a introdução de alíquota de 15% sobre lucros e dividendos e corte de até 15%, em média, nos subsídios tributários a empresas e setores.

Sua equipe também estuda a reintrodução de um imposto sobre transações financeiras, mas que deixaria de fora movimentações até R$ 5.000, ou 85% dos brasileiros, segundo seus cálculos.

O economista gesticula enquanto fala
O economista e deutado federal Mauro Benevides (PDT-CE), principal assessor econômico do pré-candidato à Presidência Ciro Gomes - Eduardo Anizelli - 16.jul.18/Folhapress

O período em que o Brasil mais cresceu desde o Plano Real foi quando produziu superávits primários [economia que o governo faz ao controlar a dívida pública], entre 1998 e 2013. A partir de 2014, entramos no atual atoleiro de crises e baixo crescimento. Para uma nova consolidação fiscal será necessário mexer em áreas sensíveis. Qual o plano? ​Primeiro, uma questão conceitual: ajuste fiscal não é um fim em si mesmo. É dotar o Estado de condições financeiras de atender às demandas da população fazendo investimentos. Ele não deve ser "vendido" como corte. Também não existe investimento social sem dinheiro.

Outro ponto é que o teto de gastos [instituído em 2016 para limitar o aumento do gasto à inflação] da União comete um erro grave, pois ele não se aplica na prática. Cerca de 85% da despesa obrigatória da União são Previdência e funcionalismo. Entre 2017 e 2019 ela cresceu acima da inflação, e foi necessário cortar ainda mais os investimentos para que o teto geral não estourasse.

Por isso é que saímos de R$ 100 bilhões [ao ano] em investimentos em 2010 para R$ 20 bilhões em 2021. O ajuste brasileiro está sendo feito na diminuição da capacidade de investimento.

O investimento tem de ser atrelado à variação da receita, como fazemos no Ceará. Muitos dizem que o investimento público é mal feito no Brasil. Mas, em vez de resolver esse problema de foco, é permitido que haja aumento de pessoal e Previdência.

Em qualquer ajuste, é preciso aumentar a receita e controlar a despesa.

Primeiro: deveríamos criar um imposto de renda sobre lucros e dividendos. Com uma alíquota de 15%. Isso equivale a R$ 48 bilhões de reais ao ano.

Segundo: temos R$ 308 bilhões em desoneração tributária. Não sou contra isso, mas o montante no Brasil é demasiado. A União pode cortar 15% disso, o que dá mais R$ 45 bilhões ao ano.

Terceiro: reavaliar produtos da cesta básica que não pagam PIS/Cofins, e que foram incluídos por meio de lobby. Queijo suíço, salmão e filé mignon têm alíquota zero. São 37 produtos nas mesmas condições. Isso se desfaz com uma lei ordinária e equivale a mais R$ 6 bilhões anuais.

E o teto de gastos, fica mantido? Sim, mas os investimentos devem ficar de fora do teto e passam a ser vinculados ao crescimento real da receita. Ele tem de considerar também o crescimento real do PIB. Se o PIB crescer 2% e a receita cresceu 5%, pode ser feito um ajuste de mais 2% [no investimento].

Na campanha de 2018, o sr. disse ser favorável à reintrodução de uma taxação nos moldes da CPMF. A ideia prossegue? Quais são as críticas à CPMF? O povo não aguenta mais um imposto. Segundo, sobretudo na indústria, com várias etapas numa cadeia produtiva [nas quais a CPMF incidiria], isso acaba gerando impacto inflacionário.

Hoje isso não é consenso na nossa equipe de discussão, mas na época propúnhamos isentar movimentações até R$ 5.000, o que deixaria de fora 85% da população brasileira. Mesmo assim, teríamos uma arrecadação de R$ 100 bilhões.

Nesse caso, teríamos de tratar conjuntamente a diminuição da alíquota patronal da folha de salários. A alíquota patronal de 20% teria de ser igual à do trabalhador, de 8,5% a 11%. Isso retiraria [da arrecadação] uns R$ 30 bilhões.

Essa proposta não é consenso entre nós e precisa ser negociada para obter o aval do Ciro.

Qual o desenho e tamanho de Estado que vocês defendem? Haveria grandes privatizações? Privatização para nós não é um dogma. Mas tem de começar pelo que é deficitário. Não adianta vender a Petrobras, que dá lucro, e ficar com as deficitárias. Tem que colocar o foco no que está drenando recursos da União.

Mas o Estado também precisa investir, para atrair o setor privado. No Ceará, investimos R$ 1 bilhão no porto de Pecém para atrair investimentos de R$ 25 bilhões.

Também não há nada contra parcerias público-privadas. Ao contrário, devem ser estimuladas.

O governo Bolsonaro fracassou nas reformas tributária e administrativa, mas entregou alterações importantes em áreas como gás, saneamento e a autonomia do Banco Central. Como avalia e o que mais dá para fazer além das mudanças constitucionais? Não adianta termos marco legal se o empresário não tiver confiança em colocar seu dinheiro. O empresário só aloca recursos se tiver segurança de que contratos serão honrados, e o Brasil acaba de quebrar essa imagem dando um calote nos precatórios.

Pior, pois, além do calote, vai agravar o fiscal, retendo R$ 800 bilhões em dívidas até 2026. Isso, mais o impacto nocivo nas expectativas que levou ao aumento da Selic, com um impacto [nos próximos meses] de R$ 450 bilhões na dívida pública.

Não adianta ter marco legal num ambiente em que as empresas não se sentem seguras, nem com contratos nem com a expansão da atividade e diminuição da taxa de juros.

Mas o que dá para fazer é termos um novo programa social mais focalizado, com critério de pobreza que vá ao encontro dos parâmetros do Banco Mundial. O programa que estamos elaborando terá também exigências de contrapartidas, mas não tenho como detalhar isso ainda.

O sr. citou o aumento da Selic por conta da PEC dos Precatórios, mas o juro está subindo por causa da inflação, não? Isso é outro erro grave, que virou consenso entre vocês [jornalistas]. Em 12 países do mundo, a Selic é determinada pelo "core inflation" [núcleo da inflação]. Se ele é 6,22% e a inflação é 10,74%… Você acha que o aumento da energia é em função da demanda?

Vocês querem mudar isso para determinar a Selic? Claro. Por que não? Eu não vou deixar de ter um instrumento de política monetária, que é a taxa de juros. Mas eu não posso estar criando taxa de juros, elevando para o nível dos preços, onde ela não vai ter efeito nenhum.

O aumento dos preços da energia é por crescimento da demanda ou porque não tem água para suprir [os reservatórios e as hidrelétricas]? O aumento dos preços dos combustíveis, que repercutiu em toda a cadeia, não tem a ver com a demanda.

Mudaria o índice de inflação atual do IBGE, o IPCA?
 Não vamos mudar o índice de inflação. Mas vamos tomar medidas baseadas em práticas internacionais. Muitos países do mundo já definem política monetária baseados na inflação permanente, o "core inflation".

Hoje temos dois exemplos claros. Combustíveis, que a Petrobras atrelou ao preço do [barril] do Brent e à taxa de câmbio; e a energia [elétrica]. Isso está repercutindo em todos os segmentos produtivos no Brasil. E vamos aumentar a taxa de juros porque o preço dos combustíveis está subindo?

Qual seria a política de preços da Petrobras? Como toda empresa, que define preços levando em conta custos, amortização do capital, tributos e lucro. Sobrando o dinheiro para os investimentos de que a empresa precisa.

Preciso subir o preço para além daquilo que dá lucro e permite fazer os investimentos só porque o sistema financeiro e fundos de pensão, majoritários no recebimento de dividendos, querem? Para atendê-los, vou ter de aumentar o preço além da minha rentabilidade, que assegura o meu investimento e o meu lucro? Por quê isso?

Vão dizer que a Petrobras tem capital aberto e que precisa pagar dividendos. Tudo bem. Quero que ela tenha lucro mesmo, mas não na magnitude desse momento.

A fragmentação política no Congresso tem sido o grande obstáculo para o Executivo. Vimos no que deu o discurso do Bolsonaro, agora refém do centrão. Como estabelecer a relação com os parlamentares para aprovar reformas? Muito simples, pois as pessoas escondem na campanha eleitoral o que vão fazer. Porque os candidatos a presidente não têm coragem de dizer o que vão fazer. Dizem que são a favor da distribuição de renda, mas como é que faz?

O primeiro passo é traduzir todas essas coisas e dar conhecimento público nacional do que será feito. Pois se você ganha a eleição com todo mundo sabendo o que vai ser feito, esse convencimento no Congresso é muito mais simples.

Num eventual segundo turno, há inclusive o aprimoramento de propostas com base nos acordos políticos. O importante é chegar logo com as propostas prontas.


Raio-x

Mauro Benevides, 61
Professor e economista pela Universidade de Brasília, com doutorado pela Universidade Vanderbilt (EUA), é deputado federal pelo PDT e foi secretario da Fazenda do Ceará durante 12 anos.

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