Descrição de chapéu inflação

Black Friday da comida faz varejo crescer em novembro e reforça retomada frágil

Comércio tem alta de 0,6%, mas cinco das oito atividades do setor recuam no mês, diz IBGE

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Rio de Janeiro

A alta de 0,6% no volume de vendas do varejo brasileiro, em novembro de 2021, frente a outubro, veio acima das projeções do mercado financeiro, mas ficou longe de causar empolgação.

Na visão de analistas, o resultado aponta para uma recuperação ainda frágil e bastante concentrada em parte das atividades.

Sinal disso é que, dos oito segmentos analisados no comércio varejista, apenas três conseguiram avançar em novembro, indicam dados divulgados nesta sexta-feira (14) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

O crescimento de 0,6% foi puxado pelo ramo de hipermercados, supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo, que subiu 0,9%.

De acordo com analistas, o avanço dessa atividade pode ser associado, em parte, a promoções de produtos básicos, incluindo comida, no período da Black Friday, celebrada em novembro.

O IBGE ponderou que, em 2021, a data gerou um "efeito menor" sobre as vendas do comércio como um todo. Mas, em um cenário de inflação alta, descontos em itens de primeira necessidade, como os alimentos, podem ter beneficiado o segmento de hipermercados e supermercados.

"Há uma diversificação dos setores em relação a promoções da Black Friday. Se em algum momento ela já foi mais concentrada, hoje tem uma distribuição mais abrangente, atingindo outras atividades. Certa fatia acaba sendo incorporada por hipermercados e supermercados", afirmou Cristiano Santos, gerente da pesquisa do IBGE.

Em novembro, reportagem da Folha mostrou que a Black Friday do ano passado patinou nas vendas de bens de maior valor, como eletrodomésticos, enquanto pedidos de alimentos tiveram demanda aquecida.

"O ritmo da retomada é lento. Aquela expectativa de recuperação em V não é bem assim", analisa o economista Fabio Bentes, da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo).

"Em um primeiro momento, as vendas até reagiram, mas, no caso do comércio, a inflação mais alta costuma levar o consumo das famílias para itens essenciais", completa.

Além de hipermercados e supermercados, só os ramos de artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos, de perfumaria e cosméticos (1,2%) e outros artigos de uso pessoal e doméstico (2,2%) conseguiram crescer em novembro, frente a outubro.

"A Black Friday é historicamente mais concentrada em bens duráveis e semiduráveis, mas, em 2021, ficou mais voltada para itens como alimentos e produtos farmacêuticos", diz o economista João Leal, da gestora de investimentos Rio Bravo.

"A inflação intensa corroeu a renda da população, que direcionou o consumo para itens básicos", completa.

A alta de 0,6% no varejo superou as expectativas de analistas consultados pela agência Bloomberg, que esperavam estagnação nas vendas (0%).

O avanço, contudo, veio acompanhado por recuos em cinco das oito atividades comerciais. Os dados, segundo Santos, mostram um cenário de retomada ainda "desigual" dentro do setor.

Os segmentos que tiveram baixas no volume de vendas foram os seguintes: móveis e eletrodomésticos (-2,3%), tecidos, vestuário e calçados (-1,9%), combustíveis e lubrificantes (-1,4%), livros, jornais, revistas e papelaria (-1,4%) e equipamentos e material para escritório, informática e comunicação (-0,1%).

"Uma das características mostradas pelos dados é a concentração das vendas em produtos essenciais. Setores que dependem mais de crédito tiveram quedas na passagem de outubro para novembro", aponta Bentes.

Frente a novembro de 2020, o varejo apresentou contração de 4,2%, indicou o IBGE. Nesse recorte, a projeção de analistas era de uma baixa maior, de 5,7%, segundo a Bloomberg.

No acumulado de 2021, o comércio registrou avanço de 1,9% até novembro. Em período maior, de 12 meses, também houve crescimento de 1,9%. As duas taxas já foram mais elevadas ao longo de 2021, o que sinaliza uma perda de fôlego do setor.

"Sem tantas medidas de auxílio e inflação alta, as pessoas estão consumindo itens mais básicos", relata a economista Marina Garrido, pesquisadora do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).

Movimentação em loja de São Paulo durante a Black Friday - Danilo Verpa - 26.nov.2021/Folhapress

Comércio fica 1,2% acima do pré-pandemia

Ao crescer 0,6% em novembro, o varejo teve a segunda elevação consecutiva. Em outubro, o desempenho foi revisado pelo IBGE de recuo de 0,1% para avanço de 0,2%.

Com a nova alta, o setor ficou 1,2% acima do patamar pré-pandemia. O IBGE considera fevereiro de 2020 como período pré-crise.

Essa diferença também já foi maior. Em novembro de 2020, por exemplo, o comércio estava em nível 6,5% acima do pré-pandemia.

Após os impactos iniciais da crise, o setor passou a apostar na redução de restrições a atividades e na reabertura de lojas para se recuperar.

A retomada, contudo, vem sendo ameaçada pelo cenário de escalada da inflação, juros mais altos e renda fragilizada. Os fatores, em conjunto, afetam o poder de compra da população.

Nesse contexto, a Black Friday não teve registro de multidões em lojas de grandes cidades, cenas que viraram comuns em anos anteriores. A procura online por produtos em promoção tampouco causou euforia em 2021.

"O que vimos foi uma Black Friday muito menos intensa, em termos de volume de vendas, do que a de 2020, quando esse período de promoções foi melhor, sobretudo para as maiores cadeias do varejo", analisou Cristiano Santos, do IBGE.

"Isso se deve, em parte, à inflação, mas também a uma mudança no perfil de consumo, já que algumas compras foram realizadas em outubro ou até mesmo no primeiro semestre, quando houve maior disponibilidade de crédito e o fenômeno dos descontos", acrescentou.

Indústria patina, serviços sobem

Antes de divulgar o desempenho do varejo, o IBGE apresentou outros dois indicadores setoriais referentes ao penúltimo mês de 2021: produção industrial e volume de serviços.

A produção das fábricas recuou 0,2%. Foi a sexta baixa consecutiva.

Escassez de insumos, custos elevados e mercado consumidor fragilizado são fatores apontados como responsáveis pela perda de fôlego.

Com o resultado de novembro, a produção industrial ficou 4,3% abaixo do patamar pré-pandemia.

Já o setor de serviços teve alta de 2,4% em novembro, após duas quedas em sequência. Assim, alcançou nível 4,5% superior ao pré-crise.

De acordo com o IBGE, a reação do setor na pandemia vem sendo puxada por atividades ligadas à digitalização de empresas, como os serviços na área de tecnologia da informação.

Negócios presenciais também colecionam avanços ao longo de 2021, mas ainda estão abaixo de fevereiro de 2020.

Os serviços prestados às famílias, por exemplo, operavam em novembro em nível 11,8% inferior ao pré-crise. Esse grupo envolve uma grande variedade de negócios —de bares e restaurantes a salões de beleza e academias de ginástica.

A economista Marina Garrido, pesquisadora do FGV Ibre, avalia que os serviços prestados às famílias têm espaço para crescimento, mas considera que o cenário econômico ainda é de "cautela" no país.

"Há muita incerteza. Isso deve continuar ao longo de 2022."

Após a divulgação dos dados de serviços e comércio, o economista João Leal, da Rio Bravo, passou a projetar leve avanço de 0,1% a 0,2% no PIB (Produto Interno Bruto) do quarto trimestre de 2021. Antes, a estimativa era de estagnação (0%).

Apesar da leve melhora, a perspectiva é de baixo desempenho econômico em 2022, o que causa preocupação, diz Leal.

"O cenário qualitativo ainda é ruim."

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