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No mundo das bitcoins, investidores aplicam milhões sem perguntar nem o nome do desenvolvedor

Verbas vão parar até nas mãos de ex-presidiários condenados por fraude

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David Yaffe-Bellany
San Francisco | The New York Times

Durante meses, entusiastas de criptomoedas investiram centenas de milhões de dólares em um projeto chamado Wonderland, que afirmava fornecer um sistema de troca para o mundo obscuro das finanças descentralizadas.

Para participar do projeto, os investidores —que se autodenominavam Frog Nation [Nação Sapo]— confiaram seu dinheiro ao gerente de tesouraria do Wonderland, um desenvolvedor de criptomoedas que eles conheciam apenas pelo nome de perfil 0xSifu.

No final de janeiro, foi revelado que 0xSifu era um pseudônimo de Michael Patryn, que havia cumprido 18 meses em uma prisão federal dos Estados Unidos por fraude. O preço do token Wonderland, $TIME, caiu da noite para o dia quando os habitantes em pânico da Frog Nation discutiram o encerramento do projeto.
"Eu pensei, 'Cara, isso vai ficar feio'", disse Brad Nickel, um investidor do Wonderland na Flórida que administra o podcast de criptomoedas "Mission: DeFi". "Imediatamente, foi uma perda total de confiança."

Investidores dão dinheiro a desenvolvedores que usam pseudônimos - Ariel Davis/The New York Times

Desde o início, a indústria de criptomoedas foi construída com base no anonimato. O Bitcoin foi concebido há mais de uma década por uma figura misteriosa que atendia pelo pseudônimo de Satoshi Nakamoto. Durante anos, ladrões e traficantes de drogas usaram criptomoedas para fazer negócios nas sombras.

A capacidade de operar anonimamente é um princípio central da tecnologia criptográfica. Todas as transações de criptomoedas são registradas em sistemas de contabilidade descentralizados chamados blockchains, que permitem que os usuários realizem transações sem nome, sem registrar uma conta bancária ou interagir com os reguladores financeiros tradicionais.

Hoje a criptomoeda se transforma em uma indústria cada vez mais popular, e até mesmo os atores ostensivamente legítimos —fundadores de startups, engenheiros e investidores— insistem no anonimato. Um número crescente de empreendedores de criptomoedas, muitos dos quais controlam centenas de milhões de dólares em fundos de investidores, realizam negócios por meio de misteriosos avatares da internet sem informações de identificação. Algumas empresas de capital de risco estão apoiando fundadores sem saber seus nomes verdadeiros.

Mas o quase colapso do Wonderland [País das Maravilhas] está forçando um acerto de contas sobre se essa cultura do anonimato abala a responsabilidade e permite fraudes. No mês passado, o BuzzFeed News iniciou uma nova rodada de debate ao identificar dois dos fundadores pseudônimos do Bored Ape Yacht Club, uma coleção de US$ 2,5 bilhões em tokens não fungíveis, os colecionáveis digitais conhecidos como NFTs.

"Esse negócio de pseudônimo é muito perigoso", disse Brian Nguyen, empresário de criptomoedas que usou um pseudônimo no ano passado antes de divulgar sua identidade. "Eles podem ser bons atores hoje, mas podem se tornar ruins em dois ou três anos."

Nguyen já perdeu mais de US$ 400 mil em um golpe de cripto comum chamado puxão de tapete, no qual um desenvolvedor anônimo lança um projeto, solicita fundos de investidores e depois desaparece com o dinheiro. Vítimas de puxões de tapete muitas vezes são deixadas com pouco recurso contra ladrões anônimos.

Ainda assim, algumas das empresas mais poderosas do setor admitiram que engenheiros de criptografia e fundadores de startups geralmente preferem operar anonimamente. Os "criptoevangelistas" argumentam que isso cria um mercado mais igualitário, no qual os empreendedores são julgados por seus conhecimentos técnicos, e não por suas origens acadêmicas ou familiares. A blockchain fornece um registro público de transações, permitindo que observadores experientes avaliem as qualificações de um empresário anônimo sem consultar um currículo.

Amy Wu, que lidera o braço de risco da exchange de criptomoedas FTX, disse que algumas vezes colaborou com investidores anônimos que conheceu online. Um deles ganhou fama com uma conta no Twitter de paródia de Elon Musk, que hoje tem quase 2 milhões de seguidores.

"Eu não sei quem ele é. Não sei em que empresa trabalhava", disse Wu. "E não preciso. Sei que ele é um especialista na indústria."

Amy Wu, que lidera o braço de capital de risco da bolsa de criptomoedas FTX e muitas vezes colabora com investidores anônimos, em Denver - James Stukenberg - 18.fev.2022/The New York Times

No ano passado, a FTX recrutou um influenciador com o pseudônimo SolanaLegend no Twitter para aconselhar clientes corporativos interessados em NFTs. Um funcionário da FTX apresentou The New York Times a SolanaLegend, que em uma entrevista se recusou a fornecer seu nome verdadeiro, dizendo que permanece anônimo para proteger sua segurança e privacidade. Embora ele tenha divulgado sua verdadeira identidade durante uma ligação inicial com seus supervisores da FTX, disse ele, o endereço de email de sua empresa apresenta seu pseudônimo, que ele escolheu como uma brincadeira.

No trabalho, ele faz uma exceção ao sigilo. Em ligações com clientes, geralmente usa seu primeiro nome real para se apresentar, preocupado que os executivos de negócios tradicionais possam se sentir desconfortáveis trabalhando com alguém conhecido simplesmente como "Legend" [Lenda].

No último ano, a empresa de capital de risco Paradigm também contratou engenheiros e pesquisadores que operam anonimamente; eles aparecem na página de funcionários da empresa sob pseudônimos. A contratação mais recente foi um engenheiro de criptografia que atende por Transmissions11 e frequenta o ensino médio "nas horas vagas", de acordo com a bio da empresa. (Jim Prosser, porta-voz da Paradigm, disse que os chefes dos funcionários conheciam suas identidades.)

Em entrevistas, empresários e engenheiros de criptomoedas anônimos ofereceram várias razões para ocultar seus nomes. Alguns temiam que uma repressão regulatória pudesse colocá-los na mira da justiça. Outros disseram não gostar da atenção ou temer que sua crescente riqueza pudesse torná-los alvos de ladrões e hackers.

Os empreendedores anônimos geralmente tomam medidas extremas para manter suas identidades privadas, usando software de alteração de voz em ligações ou exigindo que parceiros de negócios assinem acordos de confidencialidade.

Algumas empresas de risco estão dispostas a investir neles de qualquer maneira. No ano passado, 0xMaki, um desenvolvedor que ajudou a administrar o proeminente projeto de criptomoeda SushiSwap, levantou US$ 60 milhões de um grupo de investidores de risco, incluindo Wu, sem revelar seu nome verdadeiro a eles. (O acordo fracassou depois que membros do SushiSwap —a chamada organização autônoma descentralizada, ou DAO, na qual investidores individuais têm influência ​significativa— levantaram preocupações sobre o financiamento.)

No verão passado, o fundador anônimo da Alchemix, outro grande projeto de criptomoeda, levantou US$ 4,9 milhões de um grupo de empresas de risco lideradas pela CMS Holdings. Dan Matuszewski, fundador do CMS, disse que nunca pediu ao líder do projeto, que usa o pseudônimo Scoopy Trooples, para revelar sua identidade.

"Muitos desses caras têm reputações de vários anos", disse Matuszewski. "Não parece fazer muito sentido para eles fugir e roubar os fundos."

Para muitas pessoas, porém, pode ser difícil avaliar as credenciais de um desenvolvedor desconhecido operando sob pseudônimo. Os fundadores anônimos de um coletivo de criptomoedas chamado AnubisDAO arrecadaram quase US$ 60 milhões em poucas horas no ano passado; menos de um dia depois, os fundos desapareceram na segunda maior puxada de tapete de 2021, de acordo com a empresa de rastreamento de blockchain Chainalysis.

"Ninguém está auditando", disse Jordi Alexander, diretor de investimentos da empresa de negociação de criptomoedas Selini Capital. "Você tem pessoas anônimas na internet agora. Às vezes, elas acabam sendo golpistas."

Atualmente, os empresários de criptomoedas que usam seus nomes reais às vezes anunciam suas startups como "totalmente doxxed", o que significa que seus antecedentes são públicos. E os fundadores estão achando mais difícil manter suas identidades em segredo. O BuzzFeed analisou registros comerciais disponíveis publicamente para estabelecer as identidades dos fundadores do Bored Apes, Greg Solano e Wylie Aronow. (Nenhum respondeu aos pedidos de comentário.)

O Wonderland foi estabelecido em setembro por Daniele Sestagalli, um empreendedor de criptomoedas que gerenciou o projeto com Patryn, usando imagens de "Alice no País das Maravilhas" para atrair investidores. Em uma postagem no blog em janeiro, Sestagalli disse que sabia desde dezembro que Patryn era um ex-fraudador, mas decidiu não agir porque acreditava em "segundas chances". (Sestagalli não respondeu a pedidos de comentários.)

Seus investidores não foram tão indulgentes. Assim como o SushiSwap, Wonderland é executado como um DAO. Após uma votação em janeiro, Patryn foi forçado a renunciar ao projeto. (Ele não respondeu aos emails.) Um segundo referendo pedindo o fechamento do "País das Maravilhas" foi derrotado por pouco.

A identidade de Patryn poderia ter permanecido em segredo se não fosse pelo trabalho de um influente detetive de criptomoedas, que tuitou capturas de tela de uma conversa de texto que teve com Sestagalli. Nessas mensagens, o fundador do Wonderland parecia reconhecer o nome real de 0xSifu.

No mês passado, o detetive estava de novo tuitando evidências de que um líder anônimo de outro projeto de criptomoeda já havia sido multado pela Comissão de Valores Mobiliários.
O nome do detetive? Desconhecido. Ele usa um pseudônimo.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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