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O papel da China nas sanções à Rússia

China e Rússia são aliados contra EUA e UE em matérias geopolíticas, mas há freios

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Rodrigo Zeidan

Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

A China vai amortecer as sanções impostas pelos Estados Unidos e Europa, mas isso não vai impedir uma brutal crise econômica russa. As sanções limitam o acesso dos russos à compensação em dólares e euros. Empresas e o governo russo teriam dificuldades para comprar e vender moedas americanas e europeias, o que causa inúmeros problemas, como explosão da taxa de câmbio, limitação de importação, inflação, e possível crise financeira.

A Rússia conta com a ajuda dos chineses para limitar os danos à sua economia, mas o apoio chinês não é incondicional. China e Rússia são aliados contra EUA e a União Europeia em matérias geopolíticas, mas há dois freios ao apoio chinês: um histórico de confrontos entre os países, e a diferente visão dos dois países sobre o Ocidente: a Rússia os vê como inimigos, mas a China enxerga EUA e União Europeia mais como adversários.

Bandeira da China exibida em Beijing - Tingshu Wang - 3.mar.2022/Reuters

China e Rússia não eram aliados incondicionais nem mesmo quando ambos eram os principais países comunistas do mundo. Mao se afastou da União Soviética depois da morte de Stalin. Os problemas entre a China de Mao e a Rússia de Khrushchev e Brezhnev chegaram a uma guerra não declarada em 1969. Durante sete meses, foram várias as escaramuças, incluindo-se a Batalha da Ilha Zhenbao, na qual tropas chinesas atacaram militares soviéticos, matando dezenas de soldados e um coronel. Durante parte dos anos 70 e 80, a China considerava a Rússia seu maior inimigo, enquanto abria relações diplomáticas com os EUA. A Rússia apoiou a invasão do Camboja pelo Vietnã, seu aliado, que acabou na derrubada do Khmer Vermelho, apoiado pelos chineses. Em retaliação, a China invadiu parte do Vietnã em 1979.

Desde então, as relações entre as duas potências evoluíram de diversas formas, com normalização e fortalecimento das relações diplomáticas, cooperação tecnológica, e estreitamento de laços econômicos. Mas isso não significa ausência de tensões. Por exemplo, a Índia é um dos poucos países que não denunciou vigorosamente o ataque russo à Ucrânia, pelo apoio russo aos seus conflitos geopolíticos contra a China. Outro país no meio dessas pressões é a Mongólia.

Hoje, as relações entre China e Rússia estão formalizadas no Tratado de Boa-Vizinhança e Cooperação Amigável, assinado em julho de 2001. Curiosamente, o tratado terminaria mês passado, mas em junho de 2021 foi assinada uma extensão de cinco anos. O tratado estabelece vários mecanismos de cooperação militar, econômica e financeira; em 2001, o maior interesse chinês era o acesso à tecnologia militar russa.

A China não vai abandonar a Rússia e chegou a pedir a Putin que não invadisse a Ucrânia durante os Jogos Olímpicos de Inverno, que acabaram no dia 20 de fevereiro. Mas há limites para o que a China pode fazer. Hoje, mais de 85% do comércio entre os dois países é compensado em dólar e euros. Bancos chineses que emprestam moeda estrangeira a empresas russas estariam sujeitos a sanções. O yuan não é conversível mundialmente; para os russos, não adianta vender algo e receber em um moeda que só pode ser usada na China.

O governo chinês está mudando seu discurso de apoio aos russos e até deixando críticas às ações na Ucrânia reverberarem na mídia local. Com o crescimento econômico chinês e o declínio russo, a balança de poder entre os dois países mudou. A Rússia continua a oferecer algo aos chineses, que é o apoio geopolítico. Mas a utilidade dos russos para a China é muito menor do que no passado. O mundo não é um jogo de soma zero, no qual Rússia e China só podem ganhar algo às custas do resto do mundo. As ações russas são fundamentalmente irracionais, o que contraria o pragmatismo chinês .Infelizmente, a China não deve agir fortemente para acabar com a guerra, mas pelo menos não vai auxiliar os russos com armas; em uma guerra por procuração, a China vai lavar as mãos. Mas é pouco.

Autoridades chinesas gostam de declarar que seu objetivo é que o mundo respeite a China como potência mundial. Está aí uma excelente oportunidade para a China ser protagonista. Será que os chineses vão trabalhar fortemente pela paz? Para o bem de todos, esperamos que sim.

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