De depressão aguda a criança que ajuda a pagar as contas: a vida real dos influencers

Influenciadores ouvidos pela Folha relatam as agruras e os sonhos da profissão

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São Paulo

Depressão aguda, brigas em família, abuso de pais, aperto financeiro, ansiedade, inveja, bullying. A vida dos influenciadores poderia ser –e no final das contas é– muito parecida com a de qualquer um, inclusive a dos seguidores.

Em entrevista à Folha, cinco deles, que moram em diferentes regiões do país e atuam com públicos distintos, relatam como iniciaram suas carreiras e o diferencial do seu trabalho, bem como o prazer de estar diante de uma câmera.

Jovem de traços indígenas e cabelos pretos segura um celular, sentado em uma rede
José Neto, dono do perfil do Instagram zenarede, é paraense que descende do povo kaeté/tupinambá. - Bruno Santos/ Folhapress

Ativista

Nome: José Edilson Oliveira Neto; Idade: 28; Origem: Capanema (PA); Perfil: @zenarede; Público: 12,6 mil seguidores

No final de 2016, quando terminei de cursar Engenharia de Produção, queria continuar no Pará. Criei um canal no YouTube para falar da autoestima de ser paraense, do nosso povo, compartilhar nossa cultura.

Não tinha patrocínio. Se um amigo abria uma padaria, um negócio, me dava uma ajuda, eu colocava um anúncio. Eu fazia tudo: roteiro, gravação, edição. Para pagar as contas, comecei a trabalhar em uma cooperativa de catadores, e ficou inviável manter o canal. Na época, tinha 2 mil seguidores.

Até que em 2017 fui chamado pela Natura para trabalhar na articulação da empresa com comunidades extrativistas e ribeirinhas. No Instagram, comecei a compartilhar meu trabalho, com posts [fotos], stories [vídeos ou fotos que podem ser visualizados durante 24 horas], reels [vídeos]. As pessoas passaram a pedir minha opinião sobre viagens ou contatos com artistas indígenas. O número de seguidores pulou para 10 mil.

Mas o primeiro post patrocinado só apareceu no Natal de 2020, para a Natura, na semana da Amazônia.

Eu jamais faria um vídeo sobre fast-food, não está na minha essência, não é minha proposta.

A Vale já veio que convidar para fazer uma websérie e um evento, ia ganhar cinco vezes mais do que o meu salário na época. Mas eu me neguei a fazer. Não falo de mineradora.

Ainda hoje me incomoda perceber que a Amazônia é muito estereotipada. É um mundo, engloba diversos países, povos e culturas. Mas se alguém viaja a Santarém diz que passou uma temporada na Amazônia. Mas ninguém que vem a São Paulo diz que conheceu o Sudeste.

Fiquei decepcionado com a primeira temporada da série Cidade Invisível, da Netflix, que retratou o folclore da região de forma desrespeitosa. Soube que não havia participação indígena na série e fiz uma live no Instagram. O pessoal da série começou a me seguir e se redimiu, hoje tem artistas indígenas na segunda temporada.

Este ano me mudei para São Paulo e contratei uma agência. Estou em um momento de entender melhor o meu papel e os caminhos que eu quero seguir, defendendo a Amazônia e os povos da floresta. A agência vai ajudar a precificar o meu trabalho.

No começo, ficava muito ansioso com o relatório de visualização. Pensava que não iria ter contrato sem uma boa entrega. Hoje sei que existem coisas que não estão sob o meu controle.

Mas ainda hoje fico mal em alguns momentos, quando vejo muita gente bonita e feliz na internet.

Menina vestida de preto e cinza está em cima de uma cama de casal, com bicho de pelúcia, filmada por uma mulher de cabelos pretos.
Gabriela Marques, de 7 anos, grava vídeos para o Instagram com a mãe, Karolline Marques, em sua casa em Brasília (DF). - Pedro Ladeira/Folhapress

Mirim

Nome: Gabriela Marques; Idade: 7; Origem: Brasília (DF); Perfil: @bonecagabimarx; Público: 157 mil seguidores; Mãe e empresária: Karoline Marques da Silva, 42

Desde que a Gabi nasceu ela chamava a atenção: tinha os olhos azuis, a pele bem branquinha, os cabelos pretos. Todo mundo dizia que eu devia fazer um Instagram para ela. Mas eu não dava muita atenção, não tinha tempo, trabalhava no GDF (Governo do Distrito Federal), ocupando um cargo de confiança.

Mas eu e meu marido, que também ocupava um cargo comissionado, fomos demitidos. Temos outro filho, mais velho. Em casa com duas crianças, desempregados, precisamos nos mexer. Eu comecei a fazer salgados, ele trabalhava de motorista.

Inscrevi a Gabi aos 3 anos em uma plataforma para formar influencers mirins, a Mini Fashionista. Pagava uma mensalidade de R$ 50, eles inventavam eventos, a gente tinha que vender o ingresso, conseguir patrocinador, doação de roupa e sapato, não só para a Gabi, mas para todas as meninas. Era uma exploração. Saímos depois de um ano.

Mas de certa forma os eventos ajudaram a aumentar a visibilidade da Gabi, que já tinha 30 mil seguidores na época, e foi quando eu firmei as primeiras parcerias comerciais, com lojas de roupas e sapatos. Elas davam seis looks, por exemplo, para postar no Instagram, e a Gabi ficava com três. Ainda não entrava nada de dinheiro.

Nem acreditei quando uma confecção de Santa Catarina, a Alakazoo, entrou em contato há dois anos e perguntou quanto eu cobrava por uma campanha com posts e Reels da Gabi no Instagram. Foi a primeira vez que ela ganhou dinheiro, mais de R$ 1 mil. Eu nem sabia como cobrar.

Depois eles nos convidaram para o lançamento da campanha da nova coleção no ano passado, viajamos para Jaraguá do Sul (SC). Foi a primeira vez que eu senti, realmente, que ela pode seguir este caminho e ser profissional.

Não sabia fazer nada na internet e tive que aprender tudo. Fazia curso online de graça, de madrugada, porque de dia estava trabalhando, cuidando da casa e das crianças.

Eu não paro de abastecer o Instagram, sempre posto para não perder a audiência. Mas faço tudo no tempo dela, para que ela se divirta enquanto é clicada. Ela adora, principalmente fazer as dancinhas do TikTok. Até hoje tenho medo de estar forçando alguma coisa e pergunto se ela quer parar. Os olhinhos dela enchem de lágrima e ela me diz: 'Não mamãe, pelo amor de Deus! Eu quero ser atriz!'

Hoje o que ela ganha vai para o curso de teatro, uma poupança e ainda ajuda a completar as contas de casa no fim do mês. Mas o melhor de tudo é a bolsa integral em um colégio particular, a Blue School, onde ela é garota propaganda.

Um dia ela vai saber o quanto ajudou a família inteira.

mulher sentada em frente a um computador segura uma câmera e sorri
A carioca Nathaly Dias, moradora do Morro do Banco, zona oeste do Rio, se apresenta como empresária, favelada e criadora de conteúdo. - Lucas Seixas/Folhapress

Baixa renda

Nome: Nathaly Dias; Idade: 29; Origem: Rio de Janeiro (RJ); Perfil: @blogueiradebaixarenda; Público: 249 mil seguidores ​

Eu comecei a fazer posts no Instagram em 2018, porque estava de saco cheio de ver só gente rica e feliz postando. Eu era estagiária na época e ganhava R$ 700 por ser responsável pelo departamento financeiro de uma empresa.

Comecei a postar fotos da minha faxia, do quanto eu tinha sobrevivido depois de enfrentar uma pia cheia de louça. Eu sabia que ia ter gente querendo ver a vida como ela é.

Mas meu celular era ruim, não gravava nada. Em casa, a gente não tinha cartão de crédito. Minha mãe teve que pegar um cartão emprestado para comprar um celular de R$ 1.500 em dez vezes, que nem de longe era um aparelho de ponta.

Na época, eu morava com a minha mãe e o meu irmão. Meu pai, felizmente, já tinha morrido –minha mãe viveu uma vida de abusos ao lado dele, que também sobrou para mim. Ainda hoje tomo remédios controlados, para ansiedade e TDAH. Quando ela finalmente conseguiu sair de casa comigo e com o meu irmão, teve que sair com a roupa do corpo, não tinha nem RG, porque meu pai não a deixava tirar.

Por meio das minhas postagens, as pessoas descobriram que na favela tinha lugar descente para morar: não era só parede com reboco e fio desencapado. Eu dizia para o pessoal: vocês vivem em que mundo?

Cheguei a 3 mil seguidores. E o pessoal da consultoria Youpix me convidou para ir a São Paulo, para participar de um evento deles. Me senti um bicho do mato, no meio daquele monte de prédio enorme, futurista. Lá o pessoal de um banco disse que eu era a cara do público que eles queriam atingir e me convidou para fazer uma campanha. Iam me pagar R$ 10 mil para uma sequência de posts e stories por três meses. Quase morri! Imagina, para alguém que não ganhava isso em um ano!

Depois as marcas me descobriram e começaram a me chamar. Faço posts de coisas que gosto e funcionam para mim, para pessoas que moram onde eu moro, não saí da favela. Uma experiência bem legal foi com a Zaxy, que fabrica sandálias de plástico. Eu disse que na favela não pode ter sapato que escorrega, aqui é morro. Eles fazem sapato com solado antiderrapante, é para a gente.

A falta de dinheiro atinge 70% da população, as classes C e D para baixo. É surreal que no Instagram tenha mais gente postando uma vida parecida com a da [influencer] Gabriela Pugliesi do que com a minha.

Hoje eu digo que sou uma 'pobre prime'. Comprei minha quitinete, meu carro, que foi pago à vista, faço faculdade de produção audiovisual. Não posso parar de trabalhar, não tenho quem me sustente. Gostaria que todos deixassem de ser baixa renda, mas não é algo simples.

Mulher de preto e pantufas está sentada em um sofá rosa e segura um celular
A goiana Isabela Borges, dona do perfil Isaborgesh no Instagram, se mudou para São Paulo e posta cenas da sua vida cotidiana. - Bruno Santos/ Folhapress

Estilo de vida

Nome: Isabela Borges; Idade: 25; Origem: Goiânia (GO); Perfil: @isaborgesh; Público: 249 mil seguidores ​

Desde criança sempre me senti excluída, sofria bullying na escola. Era quieta, tímida, nunca fui magra. Me chamavam de 'baleia assassina', reviravam minha mochila.

Como sempre gostei muito de ler, decidi na adolescência criar um blog sobre livros e viagens. Mas também gostava de outras coisas –futebol, artesanato, decoração, maquiagem. E fui para o YouTube postar alguns vídeos. Era tímida, mas na internet achava que nenhum conhecido iria me ver.

Ninguém na minha família sabia que eu estava fazendo vídeos, que estavam tendo alguma visualização, mas nada demais. Até que um dia eu postei: "Notícia bombástica: vou mudar meu cabelo!". Tive 500 mil visualizações. E não fiz nada demais, apenas saí do loiro químico e voltei para o preto (risos).

Até que eu fiz um intercâmbio para trabalhar na Disney, no final de 2016. Passei três meses no Magic Kingdom, em Orlando (EUA), e comecei a postar tudo no canal. Fazia a limpeza do parque, chegava a ficar 16 horas de pé, mostrava os perrengues.

Voltei para o Brasil, terminei a faculdade de Desing Gráfico e me casei com o Gabriel, que também é influencer (@verdadeirodg) e eu conheço desde os 12 anos. Voltamos para Orlando, para trabalhar na Disney, agora com orientação aos turistas. Moramos por três anos nos Estados Unidos, mostrando a realidade nua e crua.

Fui colocando tudo no YouTube, ganhava com a monetização, quando a plataforma paga centavos por views. No final de 2019, tinha recebido US$ 10 mil só com o YouTube. Hoje eu tenho mais de 900 mil inscritos no canal. Alguns dos vídeos de maior audiência na época foram sobre o dumpster diving: descobri lojas que descartavam produtos novos, com pequenos defeitos, no lixo nos EUA, e registrei tudo, fui revirar o lixo.

Todo mundo sempre diz que na internet a gente tem que ter um nicho, escolher um assunto. Mas eu gosto de muita coisa e decidi que seria life style [estilo de vida, em inglês]. Gosto de mostrar minha vida como ela é, não é o padrão perfeito da Globo, ninguém quer ver isso.

Hoje não converso com meus pais. Fui vítima de um relacionamento abusivo, hoje sei que coisas que eles me falavam, a maneira como me tratavam, me fazia muito mal psicologicamente. Mas adoro conversar com os seguidores, me sentir querida, amada. E se eu posso fazer publicidade de coisas boas, que realmente funcionam para eles, melhor ainda.

mulher de pele morena e de cabelos louros cacheados, com blusa verde clara
A influenciadora cearense Mathira Menezes, que foi "descoberta" pela internet quando deixou os cachos crescerem. - no instagram @mathiramenezes

Beleza

Nome: Mathira Menezes; Idade: 26; Origem: Fortaleza (CE); Perfil: @mathiramenezes; Público: 235 mil seguidores ​

Comecei a ver vídeos de maquiagem no YouTube com 17 anos, era uma forma de eu me distrair. Era estagiária na Prefeitura de Recife, trabalhava com atendimento ao público no programa Bolsa Família. Estagiava de manhã, estudava à tarde, era bem puxado.

Mas os vídeos mostravam uma realidade muito distante da minha: marcas caras, da MAC, por exemplo. Vi vídeos de meninas gringas que eram muito mais simples, elas usavam as marcas mais baratas. Achei que podia fazer algo do tipo aqui também.

Peguei o dinheiro do estágio que estava guardando para fazer o cursinho, na época ganhava R$ 280 por mês, e comprei uma câmera. Meus pais me apoiaram, meu irmão me ensinou a editar vídeo. Mas o meu computador travava sempre, demorava quase uma semana para editar um vídeo de três minutos. A iluminação era caseira, não tinha ar-condicionado, era muito perrengue.

Até que um dia uma seguidora perguntou se eu tinha feito transição capilar –meu cabelo encaracolado estava crescendo, depois de eu ter cortado após uma escova progressiva. Nem sabia o que era transição capilar, mas estava acontecendo comigo (risos).

Logo depois atingi 100 mil seguidores no YouTube –hoje tenho 292 mil inscritos no canal. Ganhava pouco com a monetização, mas sempre investia em alguma coisa para produção dos vídeos, maquiagem.

Quando o Instagram começou a bombar, juntei um dinheirinho e comprei um iPhone SE, novinho. O primeiro post pago veio com a marca Niely, que me convidou para participar da Beauty Fair, em São Paulo. Nem acreditei, foi a primeira vez que eu viajei de avião, saí do meu estado.

Logo depois emendei uma campanha para a marca: um contrato de R$ 24 mil por um ano, cheguei a pensar que estava rica (risos). Conquistei 100 mil seguidores no Instagram em um ano.

Mas eu não sabia precificar o meu trabalho, acabei me envolvendo em uma roubada, um trabalho foi suspenso de última hora, e tive que pagar por uma viagem para a Europa, onde passei fome e frio.

Em 2019, comecei a ter picos de depressão e ansiedade. Não conseguia criar mais nada. Passei meses em cima da cama, em uma depressão profunda. Sempre que conseguia gravar um vídeo, chorava muito na sequência, assim que terminava de postar.

Procurei ajuda psicológica, mas no meio de uma das sessões a psicóloga me perguntou quanto eu cobrava por post, porque ela queria se tornar influencer também. Pode isso?

Veio a pandemia e tudo ficou ainda pior. Só no final de 2020, depois de passar por dois psicólogos, procurar um psiquiatra, tomar medicação, é que comecei a reagir. Em 2021, meu marido me levou a uma agência de influencers. Eu não tinha mais certeza se queria continuar trabalhando, achava que nada do que eu fazia era relevante. Mas eles me convenceram que eu precisava fazer coisas que tivesse prazer em fazer.

Fechei um contrato com a Nivea e sentia que estava de volta. Hoje perdi seguidores, tenho 235 mil no Instagram, eram 300 mil quando parei. Mas não tenho vergonha disso. Nem sabia que existiam fazendas de cliques. Acho que o influenciador que recorre a isso tem problema de autoestima e está enganando a si mesmo.

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