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Bancos centrais e mercados vivem um despertar secular

Não há como esconder a transição em longo prazo para condições financeiras mais desafiadoras

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Mohamed El-Erian

Presidente do Queens' College, em Cambridge, e conselheiro da Allianz e da Gramercy

Financial Times

Para a economia e os mercados globais, a semana passada marcou um "despertar" definitivo.

Enquanto as belas palavras dos bancos centrais sobre o combate à inflação davam lugar a ações políticas mais significativas, houve um primeiro despertar com a percepção de que, sem dúvida, estávamos fazendo a transição para um novo regime, mais desafiador para as condições financeiras.

E como essa transição chega tão tarde houve um segundo despertar –o reconhecimento de que não há como esconder as dificuldades que ela representa para formuladores de políticas, famílias, empresas e mercados.

Prédio do Federal Reserve, em Washington - Joshua Roberts - 26.jan.2022/Reuters

Basta ver o que aconteceu na semana passada. Nos Estados Unidos, o Federal Reserve (Banco Central dos EUA) elevou as taxas de juros de referência em 0,75 ponto percentual na quarta-feira (15). Isso não apenas contrariou sua própria orientação de um aumento de 0,50 ponto, como também negou o que seu próprio presidente, Jay Powell, havia descartado voluntariamente algumas semanas antes, ao dizer que um aumento de 0,75 ponto não estava sendo ativamente considerado pelo banco central.

Agora não há como negar que, após um longo período de resistência, o banco central mais poderoso do mundo reconheceu em voz alta que não tem alternativa senão enfrentar a inflação com mais força, independentemente do impacto nos mercados.

No dia seguinte, na Europa, o Banco Nacional Suíço (SNB) elevou a taxa em 0,50 ponto, surpreendentemente dissociando-se do Banco Central Europeu. Isso cristalizou o que muitos começavam a suspeitar. O SNB é um banco central há muito acostumado a combater a valorização do franco. Mas, depois de presenciar o que aconteceu no Japão e no Reino Unido, somou-se ao crescente número de seus pares que desejam evitar uma depreciação da moeda que tornaria ainda mais difícil vencer a batalha da inflação.

E tudo isso aconteceu na semana em que o Fed começou a implementar o segundo elemento de aperto na política monetária –a redução de seu balanço patrimonial de US$ 9 trilhões, inchado pelo prolongado programa de compra de ativos para apoiar os mercados.

É inegável que, após anos de injeções maciças de liquidez e taxas de juros mínimas, o mundo está sujeito a um aperto generalizado das condições financeiras que se alimenta de si próprio.

Não é um fenômeno cíclico que em breve desencadeará forças de reversão à média. É uma mudança de regime secular imposta a bancos centrais relutantes pela inflação que avançou e ameaça os meios de subsistência, agrava a desigualdade e mina a estabilidade financeira.

Como é tarde, essa mudança vem com um risco maior de danos colaterais e consequências não intencionais. Isso ficou evidente na semana passada, quando os temores de crescimento dominaram os mercados e mais analistas saltaram para o campo da recessão.

O despertar é uma parte importante da navegação pelos riscos enfrentados pela economia global. Mas o processo não pode e não deve parar por aqui. Há mais a ser feito se a intenção for, como deveria ser, limitar os danos do erro de política histórico iniciado no ano passado pelo Fed, quando obstinadamente manteve sua visão errônea da inflação como transitória.

Para continuar a recuperar a credibilidade política, o Fed precisa seguir o exemplo do BCE e explicar por que errou tanto em suas previsões de inflação por tanto tempo e como melhorou suas capacidades de previsão.

Para desempenhar seu papel pretendido e muito necessário de conselheiro honesto, o Fed precisa seguir o Banco da Inglaterra e ser franco e aberto sobre o que está por vir na economia. Como ele persiste em falhar em ambos, não causa surpresa que tantos economistas, incluindo ex-autoridades do Fed, tenham se queixado na semana passada de que as previsões econômicas revisadas do banco central permanecem irreais.

Em 2016, publiquei "The Only Game in Town" [O único jogo na cidade], que analisa o que já era uma dependência excessiva e prolongada da intervenção do banco central. Detalhei por que, nos próximos cinco anos aproximadamente, a economia e os mercados globais provavelmente enfrentariam um "entroncamento em T", onde um caminho cada vez mais insustentável daria lugar a uma de duas estradas contrastantes.

Uma conduzia a um crescimento elevado, inclusivo e sustentável, e a outra para recessão, maior desigualdade e instabilidade financeira. Quanto mais cedo os formuladores de políticas reconhecessem a divisão dos caminhos e agissem de acordo, maior seria a probabilidade de a estrada melhor prevalecer.

Infelizmente, isso não foi feito. Como tal, a economia global hoje enfrenta interrupções no crescimento, inflação danosa, maior desigualdade e volatilidade inquietante no mercado financeiro. Tendo falhado em agir para evitar essa virada infeliz, os formuladores de políticas devem agora agir com mais firmeza para limitar os danos gerais e proteger melhor os segmentos mais vulneráveis de nossa sociedade.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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