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Financial Times

A era de ouro da conveniência do consumidor está acabando

A estratégia de crescimento dos serviços sob demanda tornou-se mais difícil de sustentar

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Para os espectadores, uma das alegrias da Netflix era a possibilidade de devorar horas de TV de primeira classe sem encontrar um anúncio. Agora, a gigante do streaming está introduzindo um novo nível de assinatura que exibe anúncios juntamente com seus programas —por um preço mais baixo. A reviravolta em algo que era heresia é o mais recente sinal de que a economia da indústria de aplicativos sob demanda está ficando tensa. A gratificação instantânea, uma vez distribuída pelos serviços de streaming, transporte e entregas por aplicativo, pode se tornar não apenas menos instantânea, mas também menos gratificante.

Nos últimos anos, Netflix, Uber, Deliveroo e similares mimaram demais seus clientes: de dramas originais, atraentes e sem anúncios com um simples clique a trajetos rápidos de táxi e um bufê de cozinhas globais entregues diretamente na porta —tudo por um custo mínimo. Num período em que o crescimento real dos salários estagnou, os aplicativos de baixo custo fizeram com que todos nos sentíssemos melhor.

Uma década de dinheiro barato também alimentou um aumento de investidores na economia sob demanda, que subsidiava conteúdo, percursos e entregas a preços abaixo do custo para aumentar a demanda. Os investidores apostaram que a estratégia acabaria por conquistar grandes participações de mercado, superando em muito as perdas iniciais.

Logo do serviço de streaming Disney+ em tela de smartphone
Logo do serviço de streaming Disney+ em tela de smartphone - Dado Ruvic - 24,mar.2020/Reuters

Com as taxas de juros subindo, o dinheiro dos investidores e o otimismo estão diminuindo. Fornecer serviços sofisticados a preços imbatíveis é muito mais difícil. Os preços precisam subir, os custos precisam cair e novos fluxos de receita precisam ser encontrados para manter os investidores engajados. Daí a busca por receitas publicitárias da Netflix, Disney Plus e outros serviços de streaming. O caminho para o lucro da Uber (após mais de uma década de perdas) foi em parte pavimentado por corridas cada vez mais caras.

Custos de vida mais altos também dificultam o negócio sob demanda. O apetite do consumidor está sob pressão, o que pressiona as assinaturas. O impulso proporcionado pela pandemia, quando as pessoas foram trancadas e impedidas de entrar em restaurantes e cinemas, passou. A Netflix acumulou mais de 36 milhões de assinantes em 2020, mas mantê-los e atrair outros está mais difícil. Um tesouro de programas de TV e as entregas rápidas de comida parecem mais um luxo, já que a inflação corrói o poder de compra real, conforme refletido pelas crescentes perdas da Deliveroo no primeiro semestre de 2022.

O dinheiro lançado na economia de conveniência também criou um mercado lotado. Os consumidores podem escolher entre Netflix, Amazon Prime, Disney Plus e outros, e um grande número de serviços de entrega e retirada ultrarrápidos; quem procura transporte individual pode alternar entre Uber, Lyft e Bolt.

As streamers estão começando a transmitir episódios a conta-gotas, para evitar que os consumidores devorem séries inteiras e cancelem rapidamente os débitos automáticos. Em geral, espera-se que a concorrência aumente a qualidade em todo o setor, mas também significa mais tempo do usuário desperdiçado na triagem de vários aplicativos e, potencialmente, várias contas de assinatura.

A regulamentação também está interferindo. Uma decisão da Suprema Corte do Reino Unido no ano passado fez que os motoristas do Uber agora sejam considerados trabalhadores contratados, com os custos adicionais de salário mínimo, aposentadoria e férias pagas. Decisões semelhantes em outros lugares estão aumentando a pressão sobre as empresas da economia "gig" para que aumentem os salários e os benefícios dos trabalhadores autônomos. A competição por motoristas entre os aplicativos de transporte também pressagia salários mais altos e, em última análise, preços, pressões —sem mencionar tempos de espera mais longos.

Quando as pressões do custo de vida finalmente diminuírem, os consumidores poderão mais uma vez se dispor a pagar preços mais altos e retomar assinaturas canceladas. Enquanto isso, consolidação, baixas e agregação ainda podem mudar a dinâmica do setor. De qualquer forma, o tempo prolongado de conveniência barata e fácil para o consumidor parece coisa do passado. Foi bom enquanto durou.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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