Descrição de chapéu Financial Times

A estranha morte do número de telefone da empresa

Clientes ficam furiosos pelo atendimento feito por robôs e buscam contato humano

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Pilita Clark
Financial Times

"Cancelamos nosso número de telefone", dizia uma nota no site de uma empresa de fotografia que eu precisava contatar com urgência na semana passada. "É porque percebemos que os clientes preferem conversar online, por email ou preenchendo o formulário abaixo", acrescentava.

Sim, certo, pensei, enquanto preenchia o formulário online de mau humor e clicava em "enviar", mandando minha pergunta para algum submundo digital onde duvidava que fosse vista por algo tão caro quanto um humano.

Afinal alguém respondeu rapidamente, por email. Mas a essa altura eu já havia falado com uma empresa concorrente que tinha um número de telefone em seu site e uma pessoa que atendeu em seguida –o que transmiti à primeira empresa com um grau de triunfo do qual não me orgulho.

Operadora trabalha em central telefônica de serviço de táxi
Operadora trabalha em central telefônica de serviço de táxi - Michael Tewelde - 29.mar.2022/Xinhua

A empresa sem número estava pelo menos sendo clara sobre suas intenções. Um número crescente de organizações eliminou silenciosamente os números de telefone dos sites, ou os tornou tão difíceis de encontrar que é como se não existissem.

Isso estava acontecendo muito antes de a pandemia estimular a onda de comércio digital. Alcançar uma pessoa em lugares como o Facebook tem sido tão difícil que até policiais reclamaram.

Mas hoje chegou ao ponto em que ver o número de telefone de uma empresa importante está se tornando algo notável, e ter uma ligação atendida rapidamente por uma pessoa é como ganhar na loteria.

Todos nós sabemos por que isso acontece. As pessoas são caras. Para as empresas atingidas pela Covid, a eficiência de custos é crucial. Muitas perguntas podem ser facilmente respondidas online. Há telefonemas incômodos demais.

Ainda assim, uma reação está ganhando forma. Neste ano, a Espanha passou a exigir que as empresas atendam às chamadas dos clientes em três minutos, com um funcionário de carne e osso, e esforços semelhantes estão em andamento no Reino Unido.

A questão é: por que mais empresas não aproveitam a fúria crescente sobre o mau atendimento ao cliente e assumem como virtude competitiva oferecer um suporte melhor?

Eu me perguntei sobre isso no início deste ano em uma visita à Austrália, onde o grupo de telecomunicações Telstra anunciou corajosamente a decisão de trazer todos os seus call centers de volta para casa.

A medida se segue a anos de reclamações de clientes fartos, o que pode se tornar especialmente grave durante grandes inundações e outros desastres climáticos que atingiram o país nos últimos anos.

O grupo de telecomunicações BT, do Reino Unido, concluiu uma iniciativa semelhante de repatriação do call center antes da pandemia, e diz ter visto grandes benefícios.

As queixas dos clientes caíram tanto que a BT, que já teve alguns dos piores níveis de reclamações do setor, agora está acima da média de aprovação. A eficiência do call center também é maior.

"Somos cerca de 30% mais eficientes e eficazes", disse-me um porta-voz na semana passada, acrescentando que foi um erro pensar que apenas pessoas mais velhas querem falar com uma pessoa real ao telefone.

Embora muitas consultas possam ser tratadas online, as ligações continuam sendo a preferência dos clientes para qualquer problema complexo ou sensível, e "isso não difere muito por grupos demográficos".

As vantagens de oferecer um atendimento decente ao cliente sempre foram óbvias para líderes empresariais como o falecido Tony Hsieh, americano que fundou o império de calçados online Zappos. Ele acreditava que os clientes fiéis e a publicidade boca a boca foram cruciais para aumentar as receitas de menos de US$ 2 milhões (R$ 10,33 milhões) para mais de US$ 1 bilhão (R$ 5,16 bilhões) em apenas dez anos.

"Em muitos sites, as informações de contato estão enterradas a pelo menos cinco links de profundidade, porque a empresa realmente não quer ouvir o cliente. E quando você as encontra é um formulário ou um endereço de email", escreveu ele certa vez na Harvard Business Review.

A Zappos adotou a "abordagem exatamente oposta", colocando seu número de telefone no topo de todas as páginas do site e treinando sua equipe para ajudar as pessoas. "Por menos sexy e de baixa tecnologia que possa parecer, o telefone é um dos melhores dispositivos de branding que existem", disse ele.

Hsieh vendeu a Zappos por US$ 1,2 bilhão (R$ 6,20 bilhões) em 2009 para a Amazon, empresa que também não possui números de telefone, mas tem uma alta classificação em satisfação do cliente graças a seu serviço online.

Poucas empresas se igualam ao poder da Amazon, mas milhares poderiam seguir o exemplo de Tony Hsieh, antes que os governos as forcem a isso.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.