Como as empresas chinesas estão transferindo tecnologia para o Brasil

Fabricação de veículos híbridos e linhão de Belo Monte são exemplos de investimento no país

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São Paulo

Das linhas de transmissão de energia da usina de Belo Monte (PA) para o Sudeste à fabricação de veículos híbridos interconectados, empresas chinesas têm sido responsáveis por uma série de iniciativas de transferência de novas tecnologias para o Brasil.

Projetos relacionados, diretamente ou não, aos setores de energia e comunicações se destacam entre os grandes investimentos nessa área.

Executivos que trabalham nas operações brasileiras dessas empresas destacam também o intercâmbio de tecnologias. Veículos híbridos desenvolvidos no país asiático devem ser adaptados para uso do etanol.

Os responsáveis pelas obras da usina de Três Gargantas vieram aprender com aqueles que construíram Itaipu. Agora, soluções utilizadas no sistema elétrico chinês foram importadas para aplicação em novas linhas de transmissão e na modernização de antigas hidrelétricas no Brasil.

Técnicos trabalhando em trecho da linha de transmissão Xingu-Rio, com 2.539 km de extensão e 4.448 torres, fruto do intercâmbio tecnológico de engenheiros e técnicos do Brasil e da China - Divulgação

Celio Hiratuka, coordenador do Grupo de Estudos Brasil-China e professor do Instituto de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), afirma que há investimentos chineses que são bem-vindos, mas apenas reforçam a relação comercial entre os dois países, como a construção de ferrovias para escoamento da produção de commodities.

Já aqueles em áreas como sustentabilidade, energia, mobilidade urbana e transição digital abrem a possibilidade de diversificar essas relações e trazer para o país um pouco da expertise chinesa para suprir as necessidades do Brasil.

Hiratuka ressalta também que a disputa entre China e EUA na área de tecnologia deve ser um ponto de atenção para os formuladores de política no Brasil. Tanto por causa de questões relacionadas à segurança das informações, seja qual for o parceiro comercial, como pelo risco de se ficar dependente de um padrão tecnológico.

Em um momento em que os avanços tecnológicos da China representam uma nova fonte de disputa com as grandes economias ocidentais, executivos de algumas dessas companhias falam sobre projetos conjuntos que podem ajudar a modernizar a infraestrutura brasileira.

Não temos compromisso com tecnologia do século 20, diz montadora sobre fábrica em SP

Uma das operações de destaque no ano passado foi a compra da antiga fábrica da Mercedes em Iracemápolis (SP) pela chinesa Great Wall Motors, que deve iniciar no próximo ano a importação e a fabricação de veículos híbridos no Brasil.

Enquanto adapta a planta brasileira para a produção local, uma versão camuflada do SUV Haval H6 já está em testes no país, e a empresa trabalha junto a uma operadora de telecomunicações para desenvolver o sistema de interconectividade dos veículos.

"Qualquer investimento estrangeiro promove alteração no patamar tecnológico e nas condições de produção de um determinado país. No caso da Great Wall Motors, o processo de manufatura, de contratação de peças locais, de interação com o mercado já configura uma transferência tecnológica que não é ostensiva, mas acontece", afirma Pedro Bentancourt, diretor de relações externas e governamentais da filial brasileira da montadora.

Haval H6 em versão camuflada na fábrica em Iracemápolis (SP), que está sendo adaptada pela Great Wall Motors para produção de híbridos e elétricos - Divulgação

A empresa prevê iniciar as importações no começo de 2023 e a produção no segundo semestre do ano, transformando uma planta 100% manual em algo de 50% a 60% automatizada. Em uma outra etapa, estão nos planos ainda a fabricação de baterias no país e a venda de veículos 100% elétricos.

A montadora também espera desenvolver no Brasil parcerias com centros de pesquisa visando o uso de etanol como fonte de produção de hidrogênio para seus veículos. Atualmente, os motores da empresa utilizam hidrogênio comprimido em cilindros.

Bentancourt diz que o investimento chinês chama mais a atenção porque tem um componente de curiosidade e de dúvida em relação à eficiência. Ele afirma, no entanto, que a China recuperou nos últimos 25 anos o gap tecnológico em relação ao mundo ocidental, com a vantagem de ter pulado fases que não faziam mais sentido.

O país asiático tem hoje "o estado da arte da produção automotiva", rivalizando com diversas grandes empresas da Europa e dos EUA, como a Tesla, segundo o executivo.

"Não tenho compromisso com a tecnologia do século 20. Não tenho milhares de engenheiros que vão defender a continuação da existência da charrete, do cavalo, da ferradura, da rédea. Tenho outras pessoas. E essas pessoas, é uma característica chinesa, olham para o futuro", afirma Bentancourt.

Experiência no sistema elétrico chinês chegou nas linhas Belo Monte-Sudeste

Dados do Conselho Empresarial Brasil-China mostram que o investimento de empresas chinesas no Brasil mais que triplicou em 2021, retornando ao patamar pré-pandemia.

O país foi o principal destino do capital chinês no ano passado, com a chegada de novas empresas e ampliação dos negócios das que já estão aqui há mais de uma década, como a SGBH (State Grid Brazil Holding), controladora das empresas que operam duas linhas de transmissão que conectam a hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, à região Sudeste. A empresa também possui 24 concessionárias e opera 10% de toda a malha brasileira.

O diretor do Departamento de Ultra-Alta Tensão da SGBH, Paulo Zerbati, cita os dois bipolos da linha de Belo Monte como exemplo de tecnologia amplamente utilizada no sistema elétrico chinês e que foi implantada pela primeira vez em território brasileiro.

Segundo a empresa, fazia sentido trazer a inovação para um país com desafios similares aos dos chineses, em decorrência do relevo e da dimensão geográfica.

A solução utilizada permite transmitir normalmente até 4.000 MW por bipolo, acima do limite de 3.000 MW em outras linhas. "É possível transmitir mais energia num mesmo corredor de linhas, diminuindo impacto ambiental e aumentando a efetividade da transmissão", afirma Zerbati.

Experiências de inspeção de linha com drones também foram trazidas para a operação no Brasil. Atualmente, a SGBH, em parceria com a State Grid Corporation of China, está desenvolvendo reatores a seco com núcleo de ar em nível de tensão nunca utilizado antes no mundo para esse equipamento.

A tecnologia permite compensar perdas em longas linhas de transmissão, tem manutenção mais simples e menor necessidade de infraestrutura de obras, além do impacto ambiental reduzido, pois os reatores não possuem tanque de óleo vegetal.

"Para a viabilização desse projeto, nossos parceiros na China estão desenvolvendo materiais e design mais eficientes para diminuir as perdas técnicas, o que vinha inviabilizando a aplicação dos reatores a seco em alta tensão", afirma o diretor técnico da SGBH, Danilo Sousa. O protótipo já foi testado em fábrica com sucesso e em 2023 serão instaladas 15 unidades nas subestações Silvânia e Trindade, em Goiás.

Embora opere com equipamentos considerados relativamente novos, a empresa está atualmente em processo de modernização de sistemas de transmissão de informação em alta velocidade e retrofit de algumas instalações, segundo o diretor de Operação e Manutenção da companhia, Jorge Bauer.

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