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Entrada no serviço público tem porta democrática, mas disputa por vaga segue desigual

No Dia do Servidor, especialistas destacam a busca por profissionais com espírito público

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Retrato no saguão principal da Prefeitura de São Paulo dos servidores públicos Luiz Carlos Lopes, 60, Sirlene Santos, 41, e Giberto de Nichile, 84 Eduardo Knapp/Folhapress

São Paulo

O Brasil conta com 10,8 milhões de servidores públicos —que celebram seu dia nesta sexta-feira (28)— nas esferas federal, estadual e municipal. Apesar de o concurso se manter como um meio democrático para a entrada no funcionalismo, a educação desigual no país torna a concorrência desleal. Para especialistas, quem teve uma base de formação mais forte larga na frente.

Para Gustavo Fernandes, professor de administração pública da FGV/Eaesp (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas), concurso é a escolha de uma "elite burocrática" para conduzir os serviços públicos.

Porém, segundo o professor, uma das principais questões é saber o quanto o processo de seleção é acessível para quem deseja entrar no serviço público.

"A gente coloriu essa elite, tentou transformá-la um pouco para mais parecida com as características gerais da população brasileira, mas seguramente está muito aquém. Para tornar as pessoas mais competitivas teria que melhorar a educação básica, que continua extremamente desigual", diz Fernandes.

Ao logo dos anos, foram adotadas medidas para melhorar a inclusão no setor público. A implementação da lei que destina 20% das vagas abertas da administração federal para candidatos negros, por exemplo, mostrou algum resultado.

De acordo com dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), entre 2013 e 2014, o número de servidores negros que ingressou na administração pública passou de 32,1% para 41,8%. Porém, o próprio órgão ressalta que é precoce associar o crescimento à política de cotas, pois servidores que tomaram posse podem ter prestado concurso antes da lei.

"Mas não houve uma mudança realmente profunda porque a base na qual as pessoas são selecionadas continua profundamente desigual", diz Fernandes. Para ele, o avanço nos últimos 20 anos foi muito menor do que o esperado.

Sirlene Santos dos Reis, coordenadora do Creas-Sé (Centro de Referência Especializado de Assistência Social), da Prefeitura de São Paulo, afirma que foi a primeira negra a trabalhar como analista em desenvolvimento social na unidade em 2019, quando assumiu o posto cinco anos após o concurso.

Ela diz que deve seu ingresso às cotas. "Na colocação geral, fiquei em 1.200 mais ou menos. Nas cotas, em 74. Se não fosse isso, talvez não teria entrado. É bom lembrar que a exigência técnica é a mesma dos não cotistas."

Nos ensinos fundamental e médio, Sirlene estudou em escolas públicas, mas fez cursinho por dois anos para entrar na Unesp. Para ela, a base educacional devia ser igualitária.

Vanessa Campagnac, gerente de dados e comunicação da República.org —instituto que atua na pauta da melhoria da gestão de pessoas do serviço público brasileiro—, entende que a ausência de uma educação mais inclusiva na base favorece aquelas pessoas que tiveram mais oportunidades.

"A tendência é que, tendo uma educação de base com mais diversidade, com mais oportunidades para as populações mais vulneráveis, isso possa incluir essas pessoas lá na frente nos concursos públicos, em vagas em universidades públicas, em outros postos de trabalho, inclusive no meio privado."

Em maio, quatro anos após prestar concurso, a assistente administrativa de gestão Alexya Costa, 46, foi convocada para trabalhar na Prefeitura de São Paulo, após mais de 20 anos em um órgão federal. Ela é uma mulher trans.

"No meu antigo trabalho, as portas se fecharam quando eu solicitei a alteração do meu nome [de nascimento] no crachá para meu nome social. Tive imensa dificuldade para conseguir, fui muito firme. Não estava pedindo autorização e sim exercendo o meu direito", afirma Alexya.

Apesar de considerar a entrada no funcionalismo público democrática, ela afirma não ter outros colegas LGBTQIA+ no trabalho.

"É raro uma travesti no serviço público, nunca vi. Pessoas trans ainda são quase tão raras quanto travestis. Muitos motivos afastam esse público de um concurso, como o medo da violência e o receio de ser julgado."

O professor da FGV vê o concurso público no Brasil, em geral, pouco capaz de avaliar a capacidade do indivíduo desempenhar a função para a qual ele foi selecionado.

"O que se discute hoje é como conseguir não apenas contratar pessoas que tenham grande capacidade de exercer a função, mas também pessoas que tenham potencial de desempenhar outras funções no futuro. O que é ignorado no Brasil é a capacidade de avaliar pessoas que tenham espírito público, que estão em busca de uma missão, que querem trabalhar no serviço público."

Vanessa Campagnac entende que um concurso público que leva em consideração outras competências que não somente uma prova escrita seria benéfico, além de fortalecer o espírito público.

"Um processo seletivo mais qualificado pode garantir que se traga servidores mais vocacionados, com mais espírito público para aquela função que vai desenvolver."

Vocação foi o que levou o analista de políticas públicas e gestão governamental Luiz Carlos Lopes, 60, a prestar concurso em 2015, quando ele foi aprovado pela Lei de Cotas.

Mas antes de se tornar funcionário público, Lopes trabalhava na administração governamental desde 2009 em cargos de confiança no estado e no município. Atualmente, está na Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência de São Paulo.

Para ele, que é tetraplégico em decorrência da poliomielite, essa convivência ajudou na adaptação. "Como eu já trabalhava no serviço público, facilitou um pouco. Existe uma preocupação em tornar os concursos mais inclusivos."

No trabalho, Lopes tem acesso a recursos que facilitam seu dia a dia, como um mouse e um teclado virtuais para escrever.

O jornalista Gilberto De Nichile, 84, é o funcionário mais antigo da Prefeitura de São Paulo. Aposentado há 15 anos, ele pega o metrô todos os dias para trabalhar na região central.

De Nichile brinca que convive com muitos jovens e é o bisavô da Secretaria de Cultura, onde atua desde 1976. "O que mais gosto daqui são os personagens com os quais vamos convivendo, não só colegas, como os artistas. São pessoas interessantes, que fogem do padrão."

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