Onda anti-ESG confronta empresas e investidores ativistas

Conservadores enquadram negócios que buscam reduzir emissões ou melhorar a diversidade do quadro de funcionários

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São Paulo

Em julho deste ano, o governador da Flórida, Ron DeSantis, foi a público denunciar aquilo que considera uma grave ameaça à economia dos EUA e à liberdade dos americanos. Durante pronunciamento na cidade de Tampa, o republicano declarou guerra ao ESG, movimento que propõe uma reorientação dos negócios a partir de princípios ambientais, sociais e de governança corporativa.

A cruzada de DeSantis tem como alvo empresas, bancos e gestores de ativos que, na visão dele, usam de seu poder econômico para impor uma ideologia "woke" na sociedade. O termo, que significa acordado ou desperto em português, faz referência aos defensores de pautas progressistas e ganhou conotação negativa entre os conservadores americanos.

Embora o governador tenha despontado como uma das figuras mais vocais dessa agenda, ele não é o único. Políticos, investidores e até procuradores —geralmente alinhados ao partido Republicano— começaram a enquadrar empresas que adotam iniciativas sustentáveis, como reduzir emissões de carbono ou melhorar a diversidade do quadro de funcionários.

O governador da Flórida, Ron DeSantis, durante discurso em Tampa, na Flórida, EUA, em 22 de julho - Octavio Jones - 22.jul.22/Reuters

A recente onda anti-ESG já tem constrangido empresas e provocado reveses entre os defensores da pauta. DeSantis, por exemplo, anunciou medidas para proibir que os fundos de pensão da Flórida tomem decisões de investimento baseadas em critérios ambientais, sociais ou de governança, estabelecendo que só o retorno financeiro deve importar.

Recentemente, o ex-vice-presidente republicano Mike Pence, que planeja se candidatar à corrida pela Casa Branca em 2024, também declarou sua pretensão de controlar o ESG.

Enfrentar o "movimento woke" tem apelo no partido Republicano, especialmente entre os apoiadores do ex-presidente Donald Trump. DeSantis, que também pretende disputar a Presidência, ganhou proeminência há alguns meses ao confrontar a Disney, depois que executivos da companhia manifestaram oposição a uma lei aprovada na Flórida que proíbe discutir orientação sexual e identidade de gênero nas escolas primárias.

É nesse contexto que o movimento anti-ESG surge, despontando como a última fronteira da guerra cultural que alimenta a discussão política nos EUA —com ecos no Brasil.

A investida contra a onda sustentável dos negócios não tem ficado restrita a jogadas políticas de candidatos. Em agosto, procuradores-gerais de 19 estados americanos começaram uma investigação contra a fornecedora de dados financeiros Morningstar, para avaliar se ela violou uma lei ao classificar empresas por critérios ESG. Processo semelhante corre contra a S&P Global.

O argumento é que companhias estariam deixando valores progressistas atrapalharem decisões financeiras, politizando questões que deveriam ser exclusivamente de negócios.

Os 19 procuradores também enviaram uma carta a Larry Fink, CEO da BlackRock, acusando a maior gestora de ativos do planeta de colocar a agenda climática na frente dos interesses dos clientes, com potenciais riscos para a economia dos EUA.

"Os compromissos públicos da BlackRock indicam que ela usou ativos de cidadãos para pressionar as empresas a cumprir acordos internacionais, como o Acordo de Paris, que forçam a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis, aumentam os preços da energia, impulsionam a inflação e enfraquecem a segurança nacional dos Estados Unidos" diz o texto.

Em sua última carta anual, Larry Fink —que tem protagonismo na agenda e mais de US$ 10 trilhões sob gestão— já parecia antecipar as críticas. Nela, ele defende que a virada sustentável dos negócios nada tem a ver com política.

"Não é uma agenda social ou ideológica. Não é ‘woke’. É o capitalismo, impulsionado por relacionamentos mutuamente benéficos entre você e os funcionários, clientes, fornecedores e comunidades em que sua empresa depende para prosperar", escreveu.

A litigância anti-climática, porém, já tem feito algumas grandes companhias repensarem seus compromissos ESG. De acordo com o Financial Times, gigantes de Wall Street como JPMorgan, Morgan Stanley e Bank of America, cogitam abandonar a aliança financeira pela descarbonização (Gfanz) porque temem ser processados.

A maior preocupação seriam as metas rígidas de eliminação gradual do carvão, petróleo e gás estabelecidas pelo grupo. Em muitos casos, isso exigiria que os bancos deixassem de financiar esses setores, o que é visto como boicote pelos ativistas anti-ESG.

O Texas, por exemplo, aprovou uma lei que exclui dos negócios estatais as instituições financeiras que forem consideradas "boicotadoras" da indústria de petróleo e gás.

Investidores conservadores

Mas não é só a politização da agenda sustentável que está em jogo. Investidores têm defendido que iniciativas ambientais e sociais são efetivamente ruins para os negócios —visão diametralmente oposta à premissa do ESG.

O americano Vivek Ramaswamy, por exemplo, tem se destacado como um dos críticos mais proeminentes de Wall Street contra a onda ESG. No início de 2022, ele lançou a gestora Strive, com o objetivo de combater o movimento que estaria pondo a sustentabilidade antes dos resultados financeiros. Até o momento, a gestora já atraiu mais de US$ 300 milhões em ativos, segundo o Financial Times.

Ramaswamy diz que pretende reorientar a liderança das grandes empresas para maximizar os lucros —objetivo que ele diz ter sido deixado de lado.

Recentemente, o investidor enviou uma carta aberta ao CEO da Apple, Tim Cook, pedindo que ele pare de observar a equidade racial na hora de contratar e desconsidere a diversidade nas políticas de remuneração da empresa. Na visão de Ramaswamy, o único critério deve ser o mérito.

Em outra carta, enviada à Disney, ele pediu que a companhia parasse de fazer declarações políticas, mencionando o caso das escolas primárias da Flórida.

Fabio Alperowitch, sócio-fundador da Fama Investimentos, diz que o ESG foi bastante "ideologizado" no Brasil e nos EUA —na Europa um pouco menos. Teoricamente, ele afirma, direitos humanos e mudanças climáticas não deveriam ser tratados como temas de esquerda, mas quando isso acontece, a direita começa a atacar essa agenda como forma de atingir seus oponentes.

Na avaliação dele, o ESG vive seu pior momento da história. Além de ter chamado a atenção dos "inimigos de plantão", a agenda passa por uma fragilização devido a questões como valorização das commodities, crise de energia na Europa e alta do petróleo. Nesse contexto específico, é natural que investimentos verdes tenham performance pior do que os poluentes, por exemplo.

Alperowitch confronta aqueles que afirmam que o ESG diminui a rentabilidade dos negócios. Segundo ele, como o ESG é relativamente novo, não há uma série histórica longa o suficiente para fazer essa mensuração. "As pessoas buscam nos dados o que vai comprovar a teoria que elas já têm, não o contrário".

O fundador da Fama ainda menciona um estudo feito por um professor de Harvard que comparou 180 empresas, divididas entre sustentáveis e não-sustentáveis, durante 18 anos, e que aponta vantagens maiores para empresas sustentáveis. "Operacionalmente foram melhor, deram mais retorno, tiveram menos volatilidade, foram empresas mais longevas, correram menos riscos", elenca.

Rodrigo Tavares, fundador do Granito Group e colunista da Folha, diz não crer que a agenda anti-ESG em voga nos EUA possa contaminar a ascensão da pauta. Segundo ele, as falhas do ESG —como a escassez de padrões e de métricas de qualidade e a terminologia complexa— deixaram a agenda mais vulnerável a ataques políticos.

"Eu creio, no fundo, que esta rejeição será o ponto de partida para uma nova fase de evolução do mercado ESG, uma espécie de ESG 2.0 —com mais lucidez, consistência e simplicidade", afirma.

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