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Opep+ e EUA intensificam luta por petróleo

Legislação verde de Biden enfrenta reação de montadoras estrangeiras

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Financial Times

Ontem foi um dia explosivo para os mercados de petróleo. O grupo dos países produtores de petróleo Opep+ disse que cortará sua produção em 2 milhões de barris por dia, a maior redução desde 2020, na tentativa de aumentar os preços já altos do produto.

A decisão atraiu críticas do governo Biden, que vinha pressionando os sauditas para não reduzirem a produção num momento de perigo econômico global –e temporada eleitoral. A Casa Branca chamou a decisão de "míope" e disse que a Opep+ está "se alinhando com a Rússia".

Isso marca uma forte escalada na luta do petróleo entre os Estados Unidos e os sauditas. Em resposta, o governo Biden levantou a perspectiva de liberar mais petróleo de seus estoques estratégicos para tentar conter os preços. Também vem discutindo possíveis limites às exportações de combustíveis, na tentativa de construir estoques domésticos de gasolina e diesel. Também poderia tentar reviver a chamada legislação Nopec, que visaria a Opep por conspirar para aumentar os preços. Mas quando se trata de movimentar os mercados de petróleo Washington parece desarmada.

O governo Biden também disse que a decisão mostra que os EUA precisam romper sua dependência do petróleo da Opep. A Casa Branca faz esforços vacilantes para que investidores estrangeiros invistam em projetos americanos de energia limpa e veículos elétricos.

Bomba de extração de petróleo em frente de logo da Opep
Bomba de extração de petróleo em frente de logo da Opep - Dado Ruvic - 14.abr.2020/Reuters

Lei de Redução da Inflação de Biden enfrenta reação de montadoras estrangeiras

A surpreendente aprovação da legislação climática em Washington provocou ondas de euforia no setor de energia limpa nos Estados Unidos. Mas um grupo se sentiu excluído: investidores estrangeiros que queriam lucrar com a corrida do ouro verde.

Os políticos democratas em Washington estão correndo para atenuar as consequências junto a investidores estrangeiros após a vitória da legislação climática neste verão.

Ontem, a agência Reuters informou que o presidente Joe Biden expressou disposição de continuar as negociações com a Coreia do Sul sobre a Lei de Redução da Inflação (LRI), uma lei de gastos para impulsionar o aumento da energia limpa, em parte reforçando a cadeia de suprimentos doméstica. A legislação foi criticada por fabricantes estrangeiros por causa de uma provisão que exige que todos os veículos elétricos sejam montados na América do Norte até 2024 para se qualificarem para subsídios fiscais, tornando a maioria dos modelos estrangeiros inelegíveis.

O consolo de Biden vem uma semana após os esforços dos principais parlamentares para negociar essa provisão de crédito fiscal. Na quinta-feira passada (29), o senador democrata Raphael Warnock, da Geórgia, apresentou um projeto de lei para estender o prazo da montagem no país até 2026, depois de pedir à Casa Branca que use "máxima flexibilidade" ao administrar essa cláusula. A medida ocorreu dias depois que a vice-presidente Kamala Harris prometeu continuar consultando a Coreia do Sul à medida que a lei for implementada.

O subsídio fiscal da LRI foi um tapa na cara dos fabricantes estrangeiros, que assumiram grandes compromissos no ano passado para produzir nos EUA e ajudar a manter a posição do país como um dos principais destinos de investimentos externos. Pelo menos oito mega-acordos –projetos no valor de pelo menos US$ 1 bilhão (R$ 5,2 bilhões)– foram anunciados por empresas estrangeiras para fabricar veículos elétricos e baterias este ano nos EUA, de acordo com a fDi Markets, empresa de dados de propriedade do FT que monitora investimentos de capital nos EUA.

"A realidade desanimadora dessa política (...) é que na verdade vai desacelerar a adoção de VEs [veículos elétricos] ao reduzir drasticamente a escolha do consumidor, ao mesmo tempo que penaliza as empresas em todo o mundo que há muito investem em empregos fabris americanos de alta qualidade", disse Pat Wilson, comissário de desenvolvimento econômico da Geórgia, que ajudou a intermediar um acordo de US$ 5,5 bilhões (R$ 28,5 bilhões) para uma planta de VEs este ano com a Hyundai, o maior projeto econômico já registrado no estado. A produção na fábrica não deve começar até 2025, desqualificando a empresa para créditos fiscais por um ano.

O drama do crédito fiscal da LRI ressalta o difícil ato de equilíbrio de Biden para impulsionar a indústria doméstica e estimular a transição energética sem prejudicar as alianças estratégicas, particularmente com a Coreia do Sul, grande investidora na fabricação de energia limpa nos EUA que acusou o crédito fiscal de ser discriminatório e violar o acordo de livre comércio.

"Sempre houve uma tensão na política de Biden entre o forte impulso para fortalecer a produção doméstica e os empregos (...) e o impulso igualmente forte de trabalhar com aliados e parceiros (...) para enfrentar os desafios globais, como as mudanças climáticas", disse Matt Goodman, vice-presidente sênior do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais. "São impulsos igualmente fortes, mas um tanto conflitantes, e eles realmente vêm à tona nessa tensão da LRI."

Fora as relações difíceis entre os EUA e seus principais parceiros comerciais, como isso afetará as margens de lucro das montadoras estrangeiras e o interesse pelos EUA em longo prazo provavelmente será mínimo, dado o tamanho da base de consumidores do país. Como destacou na semana passada o chefe da sucursal do FT em Seul, Christian Davies, as empresas sul-coreanas, algumas das maiores críticas da LRI, podem se beneficiar tremendamente da legislação, recebendo até US$ 8 bilhões (R$ 41,6 bilhões) em subsídios dos contribuintes anualmente até 2026.

No curto prazo, especialistas alertam que o drama do crédito fiscal pode dificultar a entrada de fabricantes menores e retardar a aceitação de veículos elétricos ao limitar as opções disponíveis no mercado.

"Grande parte da transição para energia limpa tem se concentrado em mercados abertos e acesso a tecnologia aberta", disse David Victor, professor de inovação e políticas públicas da Universidade da Califórnia em San Diego e membro sênior do Instituto Brookings. "No entanto, grande parte dos mecanismos de implementação da Lei de Redução da Inflação está na verdade fazendo o oposto do que tornou possível a transição energética global."

O capital de petróleo e gás dos EUA pode navegar pela transição energética?

Houston tem sido sinônimo da indústria de petróleo e gás dos Estados Unidos desde que a cidade existe, e gosta de se autodenominar a "capital mundial da energia". Mas mesmo com os atuais preços em alta dos combustíveis fósseis há um reconhecimento cada vez maior na cidade de que suas fortunas estarão vinculadas a sua capacidade de enfrentar a transição para uma economia global de emissões mais baixas.

Um novo relatório da Greater Houston Partnership, um grupo empresarial local, argumenta que a cidade pode manter seu papel como capital global da energia, mesmo se afastando do petróleo e do gás, mas precisa começar rapidamente a expandir sua própria economia verde.

"Os centros mundiais de transição de energia não serão definidos na próxima década ou duas, eles serão criados nos próximos cinco anos, portanto, mover-se rapidamente é fundamental", disse Sarah Morgan, sócia da firma de advocacia Vinson and Elkins, que contribuiu para o relatório.

Isso significará mobilizar enormes quantidades de capital para novos empreendimentos mais verdes em uma cidade que está inundada de petrodólares há décadas.

O relatório conclui que a quantidade de capital aplicado por bancos, capital de risco, private equity, indústria e outros na cidade em tecnologias de baixo carbono precisará se expandir para cerca de US$ 150 bilhões (R$ 775 bilhões) até 2040, aproximadamente dez vezes mais do que hoje, para manter um papel central na transição.

A quarta maior cidade dos Estados Unidos, Houston precisará explorar sua bem estabelecida comunidade financeira de petróleo e gás e atrair novos financiadores de energia que poderiam gravitar mais naturalmente para San Francisco ou Boston, argumenta o relatório.

Para onde iria todo o dinheiro? O grupo diz que a cidade deve se concentrar em tecnologias como captura e armazenamento de carbono, hidrogênio e combustíveis renováveis, onde suas raízes no negócio de petróleo e gás lhe dão vantagem.

Isso reflete as estratégias adotadas por muitas das empresas de petróleo e gás da cidade, como ExxonMobil, Chevron e outras, que prometem investir recursos significativos nessas tecnologias.

A Lei de Redução da Inflação, recém-aprovada, que visa canalizar centenas de bilhões de dólares para tecnologias de baixo carbono para combater as mudanças climáticas, é um "impulso significativo para a realização da ambição de Houston", segundo o relatório.

Morgan disse que as discussões sobre captura de carbono, hidrogênio e outras tecnologias vêm ocorrendo há vários anos, mas "se aceleraram" nas últimas semanas, pois os projetos de repente parecem mais viáveis economicamente com os novos incentivos financeiros da LRI.

Prospecção de dados

Os preços da gasolina nos Estados Unidos voltaram a subir, atingindo em média US$ 3,83 por galão (R$ 5,19 o litro) ontem. Foi uma alta de US$ 0,16 em relação a duas semanas atrás, quando os preços nas bombas subiram pela primeira vez após quase cem dias de quedas consecutivas.

Os cortes históricos de produção da Opep+ de ontem podem aumentar ainda mais os preços, causando problemas para os democratas que enfrentam uma difícil eleição de meio de mandato daqui a cinco semanas. A Casa Branca disse que continuará a liberar petróleo de estoques estratégicos e a explorar medidas adicionais para aumentar a oferta interna.

Em março passado, Biden liberou um recorde de 180 milhões de barris de petróleo bruto da Reserva Estratégica e pediu às empresas petrolíferas e à Opep+ que bombeassem mais petróleo. Embora os preços da gasolina tenham esfriado desde o recorde de US$ 5,02 o galão em junho (R$ 6,80 o litro no câmbio de hoje), eles permanecem 16% mais altos ano a ano.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

Justin Jacobs , Amanda Chu , Derek Brower e Myles McCormick
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