Pressão ambiental faz dobrar número de empresas que relatam emissões de carbono

Cobrança de investidores e clientes força companhias brasileiras a publicarem sua pegada climática, diz estudo

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São Paulo

A quantidade de empresas que relatam suas emissões de carbono dobrou nos últimos três anos e atingiu patamar recorde no Brasil.

Segundo levantamento do FGVces (Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas), 305 companhias publicaram inventário de gases de efeito estufa em 2021, o que representa um aumento de 108% em relação a 2018, quando 145 organizações fizeram a divulgação.

O estudo considera os dados do Registro Público de Emissões, plataforma que integra o Programa Brasileiro GHG Protocol e é considerada uma das principais bases de dados para esse tipo de diagnóstico.

Operários controlam forno usados para derreter ferro e aço em indústria metalúrgica em Barueri, São Paulo - Eduardo Knapp - 21.nov.16/Folhapress

Na comparação com 2020, o crescimento no número de empresas foi de 60%, saindo de 192 para 305. Segundo o relatório, o aumento ocorre apesar das dificuldades enfrentadas pelas companhias durante a pandemia de Covid-19, demonstrando o maior compromisso do setor empresarial com a agenda sustentável.

O Programa Brasileiro GHG Protocol é uma iniciativa do FGVces que busca estimular as companhias a calcularem e relatarem suas pegadas de carbono. Criado em 2008, o projeto adapta à realidade brasileira um dos métodos mais usados no mundo para fazer inventário de emissões: o GHG Protocol (protocolo de gases de efeito estufa, em inglês).

Embora o modelo simplifique o processo para as empresas, o cálculo de emissões costuma ser complexo, já que não considera apenas o carbono diretamente liberado pela atividade produtiva.

No jargão corporativo, a pegada climática é segmentada por escopos. As emissões de escopo 1 são aquelas geradas diretamente pelas operações da companhia. Já o escopo 2 diz respeito aos gases liberados indiretamente no consumo de energia. O restante entra no escopo 3, que engloba desde viagens de negócios até compra de matéria-prima, transporte de produtos e fornecedores.

Segundo Guilherme Lefevre, pesquisador do FGVces, a quantidade de empresas que fazem esse levantamento de emissões é bem superior às 305 companhias. A ferramenta de cálculo do GHG brasileiro —a receita do bolo, como ele diz— chega a 2.000 downloads por ano. O que tem aumentado são as organizações que optam por divulgar o inventário no Registro Público de Emissões.

O estudo fez uma pesquisa qualitativa com 200 empresas para entender o que está por trás desse movimento. Uma das principais motivações apontadas foi a demanda dos chamados stakeholders (partes interessadas), o que inclui clientes, fornecedores e investidores. De acordo com os respondentes, quem não publica o inventário pode perder competitividade.

Os achados corroboram uma das principais teses da agenda ESG (sigla em inglês para ambiental, social e de governança): a de que as companhias seriam pressionadas a seguir princípios sustentáveis por uma questão de risco do negócio.

De acordo com Lefevre, a maioria das empresas que publicam os inventários na plataforma é de grande porte —como Petrobras e Eletrobras—, tem capital aberto na Bolsa e pertence aos setores financeiro, varejo, energia e agronegócio.

Embora haja muitas iniciantes nessa jornada, o pesquisador afirma que 60% das companhias receberam o "selo ouro" do programa, que atesta que o relatório está completo e foi auditado por uma terceira parte independente.

"Vemos claramente que existe um aumento do compromisso do setor empresarial brasileiro em divulgar seus dados de emissões. A grande pergunta é se isso vem acompanhado de um aumento da ambição climática", pondera.

Guarany Osório, pesquisador do FGVces, destaca que o aumento na publicação de inventários de gases de efeito estufa ocorre mesmo sem nenhuma obrigação legal.

Em maio de 2022, o governo federal publicou um decreto sobre mercado de carbono, mas vários pontos seguem em aberto e as empresas ainda não são obrigadas a prestar contas, muito menos a estabelecer metas de redução de emissões.

"Parece que os setores empresarial e financeiro se engajaram com a agenda, já que eles fazem isso sem ter uma lei que os obriguem", diz "Não é uma nebulosidade, uma crise, uma pandemia ou um governo de curto prazo que vai fazer as empresas mudarem de rota."

Registro Público de Emissões

  • 305

    é o número de organizações-membro

  • 2,3 vezes

    foi o crescimento de membros do agro em relação a 2020

  • 187 milhões de toneladas

    de CO2-equivalente foram relatadas pelas companhias em 2021

  • 13 milhões de toneladas

    foram as emissões relacionadas ao consumo de energia (escopo 2) em 2021

  • 780 milhões de toneladas

    foram as emissões indiretas (escopo 3)

A Ambev é uma das empresas que começou a publicar seus inventários no Registro Público de Emissões recentemente, em 2021. Por ter atuação em vários países, a companhia já coletava e reportava sua pegada de carbono desde 2000, mas usando a plataforma internacional. O motivo para usar também o sistema nacional é oferecer um recorte brasileiro, que permita comparações com outros setores e uma evolução histórica.

Segundo Karen Tanaka, gerente de sustentabilidade da Ambev, o levantamento feito pela companhia considera até mesmo os gases de efeito estufa emitidos quando o consumidor vai gelar sua cerveja em casa.

"Vejo com muito bons olhos a existência de mais empresas relatando. Estamos inclusive com um programa para que nossos fornecedores relatem", diz. "Eu preciso saber quanto cada um dos fornecedores está investindo em descarbonização. Preciso que ele saiba fazer o diagnóstico para começar a cortar", acrescenta.

A empresa tem metas públicas de redução de emissões. A principal é alcançar o net zero (emissões líquidas zero) em toda a cadeia de valor até 2040, o que inclui a submeta de cortar 25% até 2025.

Outra companhia que também passou a relatar o inventário recentemente é o Porto do Açu, controlado pela Prumo Logística. O terminal é privado, de capital fechado, e começou suas operações em 2014, com foco no apoio para as atividades de óleo e gás.

Atualmente, a ideia é situar a companhia na transição energética, permitindo que o porto seja estratégico para o apoio a parques eólicos offshore e para a produção de hidrogênio verde.

Eduardo Kantz, diretor de relações institucionais e sustentabilidade da Prumo, diz que o Porto do Açu faz inventário de emissões desde 2016, mas passou a relatar a partir de 2020. Segundo ele, a publicação tem mais a ver com o posicionamento da companhia na agenda de sustentabilidade do que com uma pressão de stakeholders específicos.

"O inventário é, primeiro, a materialização de um compromisso de transparência e divulgação de informações, mas também parte de uma estratégia maior de ter o Açu como um grande hub de energia que possa ajudar todos os atores que se envolvem em atividades do porto a atingirem seus objetivos de redução de emissões", afirma.

Representante de um setor intensivo em carbono, a Azul submete seu inventário de emissões desde 2019.

Camila Almeida, diretora de pessoas da companhia aérea, lembra que, além do propósito socioambiental, a empresa tem capital aberto na Bolsa, o que a torna mais sujeita a cobranças de diversos stakeholders. "Temos tripulantes nos cobrando, clientes, investidores, temos o mundo olhando para nós", diz.

O maior impacto ambiental da Azul vem das emissões das aeronaves. Atualmente, a companhia adota medidas para minimizar essa pegada, buscando rotas curtas e eficientes, entre outras iniciativas. Além disso, vem fazendo parcerias com fabricantes de aeronaves —como Airbus e Embraer— visando tecnologias mais limpas, e com empresas que podem ser estratégicas para um futuro fornecimento de SAF (combustível de aviação sustentável).

Segundo Almeida, a Azul tem meta de ser net zero em 2045 e o primeiro passo é fazer as medições. "O inventário traz pontos de partida para nortear nossos compromissos e traçar o caminho para chegarmos até lá."

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