Descrição de chapéu Financial Times Apple

Funcionários de fábrica de iPhone na China dormem em depósito e denunciam quarentena forçada

Após surto de Covid, fábrica entrou em 'circuito fechado', impedindo que a equipe deixasse o local

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Kathrin Hille Nian Liu Ryan McMorrow Qianer Liu Gloria Li
Taipei, Pequim e Hong Kong | Financial Times

Os gerentes da maior fábrica de iPhones do mundo deram um suspiro de alívio quando o governo local de Zhengzhou suspendeu um bloqueio de cinco dias na maior parte da cidade chinesa na terça-feira (29).

Depois de mais de um mês de interrupção provocada por um surto de Covid-19 na fábrica, "isto nos lembra que um dia voltaremos ao normal", disse um executivo de recursos humanos da Foxconn, proprietária e administradora da cidade industrial.

Mas os problemas estão longe de terminar. A fabricante terceirizada taiwanesa ainda tem dificuldade para contratar pessoal para as linhas de montagem no pico da alta temporada de fim de ano da Apple, e os atrasos nas entregas dos modelos mais caros do iPhone, quase todos feitos em Zhengzhou, estão aumentando.

Trabalhadores da fábrica de iPhone da Foxconn, em Zhengzhou, em confronto com a polícia - AFPTV TEAMS/AFPTV/AFP

A interrupção e o raro aviso da Apple de que as restrições de oferta vão prejudicar o crescimento de sua receita destacam as vulnerabilidades criadas pela confiança da gigante tecnológica dos Estados Unidos em um modelo de fabricação chinês que a transformou na empresa listada em bolsa mais valiosa do mundo.

"O desastre de Zhengzhou está sendo comentado como um resultado da política de Covid zero da China, mas o que ele realmente mostra são as fraquezas sistêmicas na organização da produção", disse uma pessoa que conduz auditorias da cadeia de suprimentos de eletrônicos na China há mais de uma década. "As linhas de falha estavam entre a empresa, as subcontratadas e o governo local, e esse problema existe há muitos anos."

Quando Zhengzhou começou a registrar infecções por Covid-19, em meados de outubro, a Foxconn colocou sua fábrica sob gerenciamento em "circuito fechado", impedindo que a equipe deixasse o local. Mas quando as infecções começaram a se espalhar dentro da cidade industrial muitos trabalhadores fugiram do campus.

Os que ficaram pintam um quadro de caos absoluto.

Um trabalhador de logística de sobrenome He, que está na Foxconn há dez anos, costumava morar fora do local, mas, temendo ser impedido de entrar na fábrica em outubro, mudou-se para o depósito. "Moro aqui há 15 dias", disse ele em 2 de novembro. "Uso tábuas de madeira e fibra como cama, e jogo meu edredom em cima."

Embora a empresa tenha notificado os trabalhadores de que tinham de ser separados em dois grupos, com os que estavam trabalhando obrigados a ficar em quarentena por cinco dias, He conseguiu ficar. "Fiquei em quarentena apenas por um dia no final", disse ele.

Outros tiveram menos sorte. Os trabalhadores descreveram colegas e parentes na fábrica sendo forçados a fazer quarentena em dormitórios fechados com meia dúzia de outros trabalhadores sem saber se tinham coronavírus ou não. Outros disseram que receberam resultados "anormais" dos testes de Covid-19 e desenvolveram sintomas sem nunca terem sido oficialmente informados de que haviam testado positivo.

Como a produção do iPhone deveria começar em ritmo acelerado, a Foxconn precisava urgentemente de novos funcionários após o êxodo em outubro. Como costuma acontecer em tempos de escassez de mão de obra, a empresa contratou milhares de trabalhadores sazonais por meio do governo local.

No entanto, a Foxconn registrou as contratações temporárias em condições usadas para funcionários de longo prazo, abaixo do salário prometido pelo governo. Isso desencadeou protestos violentos dos trabalhadores sazonais, que foram reprimidos à força pela polícia.

Para livrar-se dos descontentes, a empresa ofereceu 10 mil iuanes (R$ 7.300) para aqueles dispostos a sair –oferta aceita por mais de 15 mil empregados, de acordo com duas pessoas da fábrica. Mas agora, enquanto a Foxconn luta para contratar pessoal para suas linhas de produção, ela está prometendo bônus para novos contratados e para trabalhadores que trouxerem mais funcionários.

"Eles tiveram uma ideia ontem, mudaram hoje e talvez mudem de novo amanhã", disse He, o trabalhador. "Você nunca entende o que a Foxconn está tentando fazer."

Os executivos da Foxconn disseram que estavam correndo para responder às demandas do governo, que mudam constantemente. "O problema é que continuamos nos deparando com questões em que não temos jurisdição", disse um deles.

O executivo acrescentou que milhares de trabalhadores foram transferidos para instalações de quarentena a pedido das autoridades locais, que depois não conseguiram alimentar esses trabalhadores. Segundo o executivo, a Foxconn se ofereceu para levar alguns funcionários de volta, mas depois teve dificuldades para fornecer comida a tempo.

A falta de remuneração que desencadeou o motim também parece ter sido causada por uma falha de comunicação entre a empresa e as autoridades locais.

"Muitos funcionários públicos como eu não estão familiarizados com a remuneração da Foxconn, então, tecnicamente, não podíamos prometer salários ou bônus", disse um funcionário em Pingdingshan que ajudou a contratar trabalhadores locais para a Foxconn. "No entanto, alguns ainda fizeram falsas promessas."

Tais problemas são um déjà-vu. Ao longo dos 20 anos de história da Foxconn fabricando para a Apple na China, ativistas acusaram diversas vezes a empresa de violar os direitos trabalhistas.

Um dos problemas mais frequentes tem sido o uso de estagiários recrutados pelo governo como trabalhadores normais. Reclamações sobre trabalhadores mal pagos ocorreram com frequência depois que agências de empregos prometeram condições que a Foxconn não confirmou. Alguns casos anteriores de inquietação dos trabalhadores ocorreram em dormitórios no campus da fábrica, mas gerenciados por empresas terceirizadas.

A forte dependência da Foxconn do governo local, corretores e subcontratados começou em reação ao pior desastre da empresa: depois que uma onda de suicídios entre trabalhadores em sua então maior fábrica, em Shenzhen, desencadeou escrutínio global em 2010, a administração tentou melhorar seu modelo de cidade industrial.

Uma conclusão foi que ela não seria mais proprietária e administradora de todas as instalações. Na época, o fundador da Foxconn, Terry Gou, também prometeu substituir muitos trabalhadores por robôs e exigiu que os clientes arcassem com uma parte maior do fardo financeiro necessário para manter feliz uma força de trabalho cada vez mais exigente.

No entanto, a única grande mudança feita foi o deslocamento da produção para o interior, onde os salários são ainda mais baixos do que nas províncias costeiras da China, mais desenvolvidas.

Mas o pandemônio de Zhengzhou indica que mesmo essa configuração é insustentável. O presidente da Foxconn, Young Liu, disse aos investidores este mês que a expansão da fabricação fora da China foi impulsionada pela geopolítica, e não pela política de Covid zero. Mas especialistas do setor disseram que a turbulência na fábrica deve acelerar os esforços da Apple para diversificar sua cadeia de suprimentos.

Embora a Foxconn e outras fábricas menores tenham aberto fábricas no Vietnã, na Indonésia e na Índia, essa capacidade é pequena em comparação com a da China.

"Provavelmente, estamos com uma taxa de conclusão de apenas 10% a 15% se esperarmos que a capacidade do Sudeste Asiático e da Índia se equipare à da China", disse Patrick Chen, chefe de pesquisa da CLSA em Taiwan.

"Será muito difícil aumentar isso, mas agora a Apple tem um incentivo mais forte", disse um executivo sênior de uma montadora rival do iPhone. "A lição disso deve ser que a terceirização deve ser mais espalhada."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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