Bancos projetam 2023 mais difícil que 2022, com crédito mais restrito e cautela com grandes empresas

Caso Americanas deve levar a um reforço na análise de corporações, e inadimplência ainda preocupa

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Os grandes bancos brasileiros projetam um ano de 2023 mais desafiador que o de 2022, marcado por eleições, inflação e juros em alta. Mas a inadimplência das pessoas físicas e o caso Americanas, além da Selic ainda alta, inspiram mais cautela que otimismo no setor.

Apesar das diferenças apresentadas nos resultados do quarto trimestre de 2022, as projeções feitas pelos gigantes do setor financeiro têm em comum um cenário de desaceleração do crédito e maior volume de dinheiro destinado à proteção contra a inadimplência.

Bancos vão tirar o pé nas concessões de linhas mais arriscadas em 2023, como cartão de crédito e empréstimo pessoal - Cris Faga - 27.set.2021/Folhapress

O Santander não divulgou projeções de indicadores para o ano. Itaú Unibanco, Bradesco e Banco do Brasil colocam como base para 2023 crescimento de um dígito em suas carteiras de crédito, e aumento de pelo menos 20% em suas PDDs (provisões contra crédito de liquidação duvidosa).

O caso Americanas contribui para uma percepção mais cautelosa dos bancos, mesmo para Bradesco e Itaú, que já reservaram 100% de suas exposições para uma eventual inadimplência total da varejista.

O presidente do Itaú Unibanco, Milton Maluhy Filho, recomendou que as companhias "diminuam seus níveis de endividamento" para enfrentar o momento atual de juros altos e incertezas.

O índice de cobertura na carteira de crédito do Itaú para grandes empresas subiu de 588% ao final de 2021 para 1.857% em dezembro de 2022. Este índice consiste em valores separados para se precaver contra atrasos maiores do que 90 dias no pagamento de empréstimos.

Segundo as projeções do Itaú, o custo do crédito, resultado das provisões contra inadimplência com desconto das renegociações e valores recuperados, pode superar os R$ 40 bilhões em 2023, ante pouco mais de R$ 30 bilhões no ano passado, quando já foi contabilizado o caso Americanas.

O Bradesco fez a maior reserva do setor para o caso Americanas, de quase R$ 5 bilhões. E foi um dos que tiveram sua exposição revista para cima, depois da divulgação da nova lista de credores. Os débitos da varejista aumentaram em cerca de R$ 300 milhões no documento mais recente.

Mesmo tendo reservado 100% da sua exposição, o Bradesco também projeta provisões maiores para 2023. O valor total pode chegar a quase R$ 40 bilhões, ante R$ 32,5 bilhões em 2022.

Este número sinaliza que a inadimplência geral deve aumentar ainda mais. No ano passado, os atrasos superiores a 90% fecharam em 4,3% da carteira, um avanço de 1,5 ponto percentual em 12 meses.

Sobre os números do Bradesco, os analistas do BTG Pactual dizem que os problemas da instituição não são causados somente pela Americanas. E por isso, a ação preferencial do banco caiu cerca de 25% em um ano.

"Recuperar a confiança leva tempo. Se o Bradesco estiver aberto para discutir seus erros do passado, e mostrar que seu guidance pode ser alcançado ao longo do ano, a ação pode começar a se recuperar", diz o BTG.

O Santander não divulgou muitos números sobre o caso Americanas, e também não fez projeções para 2023. A estimativa é que o banco tenha feito uma provisão de R$ 1,1 bilhão para cobrir possíveis perdas com a varejista.

Segundo os analistas do BTG, o primeiro semestre de 2023 do Santander será fraco, e a lucratividade pode começar a se normalizar na segunda metade do ano. Após o balanço divulgado pelo banco, a Unit do Santander Brasil teve sua recomendação rebaixada para Venda.

O banco que menos sofreu com Americanas foi o que apresentou, na visão dos analistas, os melhores resultados do quarto trimestre de 2022. O Banco do Brasil fez provisão de R$ 800 milhões, que corresponde a metade de sua exposição à companhia, e ofereceu retornos melhores que seus concorrentes.

Para a equipe da Eleven, o resultado do BB foi surpreendente. "Mesmo provisionando 50% de sua exposição às Americanas, o lucro de R$ 9 bilhões no trimestre ficou 8,7% acima de nossas estimativas e 9,2% acima do consenso de mercado", dizem os analistas.

O BB também projeta uma maior despesa com provisões em 2023, com aumento de até 37%. Mesmo assim, o banco espera obter lucro de até R$ 37 bilhões neste ano, ante quase R$ 32 bilhões em 2022.

Para Jansen Costa, sócio fundador da Fatorial Investimentos, o caso Americanas ainda pode ter um efeito secundário para os bancos. "Temos que olhar as consequências. A cadeia de fornecedores terá problemas com a situação da Americanas." Para o analista, o primeiro trimestre de 2023 dos bancos, em geral, deve ser negativo.

Mais cuidado no crédito

De modo geral, os bancos devem promover uma desaceleração no crescimento de suas carteiras de crédito em 2023. No caso das pessoas físicas, a estratégia é aumentar o foco em linhas com menores riscos, como o consignado.

Itaú e Bradesco têm projeções muito parecidas para o crescimento dos empréstimos neste ano. Ambos esperam que suas carteiras cresçam, no máximo, 9% e 9,5% no ano, respectivamente.

O Banco do Brasil está um pouco mais otimista, e espera avanço de até 12%. Mas o crescimento seria impulsionado principalmente pelo agronegócio, segmento que tem os menores índices de inadimplência.

A nova presidente do BB, Tarciana Medeiros, disse que o consignado será uma prioridade em 2023. O banco quer crescer em segmentos do consignado em que já é forte, como na concessão de crédito a aposentados e pensionistas do INSS, mas a ideia também é buscar outros públicos.

A fala da executiva, durante entrevista a jornalistas sobre os resultados nesta terça-feira (14), está em linha com declaração recente do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que quer o BB como um "campeão de crédito consignado".

Itaú e Bradesco começaram, ainda em 2022, a desacelerar as concessões em linhas mais arriscadas, como empréstimo pessoal e cartão de crédito.

No Bradesco, as concessões de empréstimos para pessoas físicas e empresas de menor porte caíram 16% e 18% em relação ao quarto trimestre de 2021, respectivamente.

"O banco concedeu mais crédito do que deveria durante a pandemia, e foi uma lição aprendida por nós. Temos que estar sempre um ponto antes da curva, e por isso vamos continuar, em 2023, sendo mais restritivos no crédito para pessoas físicas, especialmente de baixa renda, e para micro e pequenas empresas", comentou Octavio da Lazari Júnior, presidente do Bradesco, ao apresentar os números.

No geral, mais negativo

Para Gabriel Gracia, analista da Guide Investimentos, os números apresentados pelos grandes bancos de capital aberto no quarto trimestre de 2022 foram mais negativos.

"No geral, a grande causa para essa piora nos lucros foi o alto nível de provisões que os bancos tiveram que fazer no final do ano passado", afirma Garcia.

Guilherme Tiglia, sócio e analista de ações da Nord Research, separa os bancos em dois grupos. De um lado, mais positivo, estão BB e Itaú. Do outro, mais problemático, estão Bradesco e Santander.

"Mesmo com Americanas, Itaú e BB entregaram rentabilidades próximas a 20%, um nível muito bom. E no caso do BB, há um desconto no preço da ação muito grande em relação aos concorrentes, por conta do risco político", diz Tiglia.

Já Bradesco e Santander, para o analista da Nord, decepcionaram especialmente na inadimplência, com níveis piores que os outros dois bancos.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.