Descrição de chapéu Banco Central

Curva de juros não reflete situação do país e Tesouro não vai chancelar especulação, diz secretário

Rogério Ceron afirma que órgão avalia emitir US$ 2 bi em títulos verdes no mercado externo neste ano

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Bernardo Caram Marcela Ayres
Brasília | Reuters

O Tesouro Nacional não está emitindo o volume de títulos de dívida pública que poderia porque não está disposto a aceitar as taxas solicitadas pelo mercado, disse nesta terça-feira (14) o secretário do Tesouro, Rogério Ceron, acrescentando que a atual curva de juros não reflete os fundamentos da economia brasileira.

"Acho que o país tem uma estrutura econômica, mesmo fiscal, que não é compatível estruturalmente com a precificação que nós estamos observando hoje na nossa curva de juros", disse ele em entrevista à Reuters.

"Ninguém quer ficar forçando o mercado, mas não tem que simplesmente chancelar passivamente, ainda mais em momentos de estresse", acrescentou.

O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, em seu gabinete no Ministério da Fazenda - Gabriela Biló - 04.jan.2023/Folhapress

Ceron destacou que o colchão de liquidez do Tesouro, que encerrou 2022 em R$ 1,176 trilhão, serve justamente para permitir que o governo se abstenha de agir quando identificar movimentos especulativos ou volatilidade excessiva.

Recentemente, a curva de juros futuros ganhou inclinação em meio a críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao nível da taxa básica de juros, mantida pelo Banco Central em 13,75% ao ano, a máxima em seis anos. Também refletiu reclamações do mandatário sobre as metas de inflação, vistas por ele como muito baixas, sob a justificativa de que os alvos para a evolução dos preços impõem sacrifício excessivo à economia.

Ceron disse que o custo da dívida de longo prazo está mais alto em relação à média de períodos anteriores, mas destacou que isso é observado desde a aprovação, no ano passado, de medidas de aumento de gastos antes das eleições pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.

"Nosso juro longo está 1,5 ponto percentual acima do que geralmente estava, nosso juro de curto prazo também tem ali uma pressão, está num nível alto do ponto de vista do custo da dívida. Então, quando isso reduzir, será importante, facilita o processo de gestão da dívida, reduz o custo", afirmou.

O Tesouro tem optado por diminuir as emissões de títulos em períodos de maior volatilidade, especialmente impactados pela Guerra da Ucrânia, a trajetória de alta nos juros globais e as incertezas fiscais.

Em 2022, as emissões de títulos em mercado ficaram abaixo dos vencimentos da dívida, encerrando o ano com um resgate líquido de R$ 218 bilhões. Ainda assim, o colchão de liquidez do Tesouro permaneceu praticamente intacto, ajudado por ganhos extraordinários, como repasses de recursos de bancos públicos, receitas de dividendos e desvinculação de fundos.

CUSTO ELEVADO

Num cenário de duras críticas de Lula à atuação do Banco Central, Ceron afirmou que não compete ao Tesouro emitir opinião sobre a condução da política monetária, mas disse ser inegável que o custo de rolagem da dívida brasileira é elevado e está especialmente alto agora.

Ele acrescentou que torce para que o Brasil volte o quanto antes "ao padrão de normalidade", argumentando que o país tem um quadro anormal de taxa de juros em comparação com outros países.

"Torço para que o país tenha condições, tenha taxa de juro que gere o menor impacto sobre o custo da dívida pública", afirmou.

Perguntado sobre o efeito das críticas de Lula ao BC sobre o nível dos juros e o custo da dívida pública, o secretário afirmou que "qualquer evento que não seja harmônico gera algum ruído, alguma volatilidade". Ele ponderou que é difícil medir esse efeito, mas afirmou que o debate sobre política monetária evoluiu nas últimas semanas e está mais sereno.

Ceron destacou que o Brasil busca recuperar seu grau de investimento até 2026 e acredita que a aprovação da reforma tributária neste ano já fará o país subir um degrau na escala das agências de classificação de risco.

Tesouro avalia emitir US$ 2 bi em títulos verdes no mercado externo

O Tesouro também avalia emitir ainda neste ano no mercado externo até US$ 2 bilhões em títulos públicos vinculados a compromissos ambientais, disse Ceron, em estratégia para aproveitar a atenção internacional que o Brasil tem recebido nessa agenda, além de referenciar operações do setor privado.

"É uma sinalização concreta do país para o mundo de que essa pauta não é só uma narrativa, é importante", disse o secretário em entrevista à Reuters, acrescentando que o Tesouro pode dividir o lançamento em duas emissões de US$ 1 bilhão cada.

O secretário afirmou que ainda há uma discussão sobre se esses títulos serão vinculados a projetos específicos ou a indicadores ambientais mais amplos, sendo mais provável a segunda opção. A decisão será tomada após diálogo com os ministérios do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Agrário.

O lançamento, esperado para o segundo semestre, não depende de mudança na legislação. Instrumentos infralegais devem ser publicados em breve para abrir caminho para o projeto.

"Tem que ter uma governança por trás. Fazer a emissão não é o mais complicado, mas a gente quer amarrar bem para que seja bem-sucedido depois", afirmou o secretário, acrescentando que a ideia é ter algum mecanismo de prestação de contas para assegurar que os compromissos de fato serão seguidos e respeitados.

O secretário disse que as emissões de títulos verdes pelo Tesouro também ajudarão a construir uma curva de preços que servirá de referência para as emissões de empresas privadas.

Ele argumentou que o projeto é importante, mesmo que o valor da emissão inicial não seja representativo para a gestão da dívida brasileira como um todo. O estoque da dívida pública federal terminou 2022 em R$ 5,95 trilhões.

A última emissão externa do governo brasileiro foi feita pelo Tesouro em 2021, no valor de US$ 2,25 bilhões. As colocações feitas até agora não tinham vinculação ambiental.

Ceron destacou que o ministério também está produzindo medidas na área de crédito com foco ambiental para facilitar o acesso a investimentos em áreas como energia limpa e indústria verde.

PLATAFORMA EUROCLEAR

O governo ainda estuda medidas específicas para aumentar a participação estrangeira na dívida pública.

Dentro de aproximadamente dois anos, Ceron prevê que os títulos do governo em reais serão negociados na plataforma Euroclear, com sede na Bélgica, o que facilitará o acesso de não residentes aos títulos brasileiros.

Hoje, estrangeiros que buscam títulos públicos do país precisam acionar corretoras que operem no sistema doméstico do Tesouro. Com a mudança, o secretário espera que além de facilitar o acesso, o custo das operações para esses investidores seja reduzido.

Segundo ele, será constituída uma força-tarefa com o Banco Central para iniciar os primeiros preparativos técnicos para viabilizar a medida, com a qual o governo pretende atrair investidores institucionais e pessoas físicas.

Em outra frente, o Tesouro quer lançar novos títulos públicos voltados a pessoas físicas que hoje não acessam plataformas mais elaboradas de investimento.

Segundo o secretário, após colocar em prática neste início de ano o título voltado à aposentadoria, que já está em operação, o próximo passo será criar um papel voltado a investidores que desejam acumular recursos para financiar os estudos dos filhos no futuro.

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