Descrição de chapéu Selic juros

Da Americanas à Tok&Stok: entenda o boom de crises nas empresas

Juros altos e fatores conjunturais levam companhias a buscarem ajuda com dívidas

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Belo Horizonte

Os primeiros dias de 2023 têm sido marcados por uma quantidade atípica de empresas buscando ajuda para sair de crises financeiras. Americanas, Oi, Marisa e CVC são apenas algumas das companhias que, em menos de dois meses, precisaram bater à porta da Justiça ou de firmas de assessoria para conseguir renegociar dívidas.

A lista, porém, é grande. Dados da Serasa Experian mostram que, em janeiro deste ano, 92 empresas entraram com pedidos de recuperação judicial no Brasil, um crescimento de 37% na comparação com o mesmo mês de 2022. As falências também tiveram alta no período. Foram registrados 72 pedidos, número 56% maior que os de janeiro de 2022.

Ainda que cada episódio tenha suas causas específicas, especialistas dizem que fatores conjunturais —como juros altos, inflação e inadimplência— ajudam a entender o boom de crises que o setor privado vem vivendo neste início de 2023.

Unidades das Lojas Americanas, no centro de São Paulo - Bruno Santos - 17.jan.23/Folhapress

Artur Lopes, sócio da Iwer Capital, empresa de consultoria e gestão, destaca que nenhuma companhia ficou mal financeiramente da virada do ano para cá. A origem dos problemas é antiga, mas estava sendo mascarada por meio de auxílios pontuais, como as linhas de crédito especiais disponibilizadas durante a pandemia.

"Essas linhas de crédito acabaram cobrindo prejuízos operacionais ou maquiando deficiências. As companhias vinham conseguindo rolar isso, porém, seja por questões conjunturais ou específicas de cada negócio, essa rolagem se esgotou", diz.

A Iwer Capital é especializada em recuperação de negócios e, segundo Lopes, a demanda tem sido maior nesses últimos meses.

Na maioria dos casos, ele diz, trata-se de empresas que captaram recursos com condições diferenciadas para se proteger durante a crise sanitária, e assim evitar demissões e estimular a economia.

O problema é que o cenário monetário mudou. Em 2020, a taxa básica de juros fechou o ano em 2%. Hoje, a Selic está em 13,75% —e há um ano está na casa dos dois dígitos— o que torna mais difícil a rolagem de dívidas por parte das empresas, especialmente aquelas que financiam seus consumidores, como as do varejo.

O aumento da taxa de juros responde a outro fator econômico que também impacta os negócios: a inflação. Puxada principalmente por um choque de oferta provocado pela Guerra da Ucrânia, a alta dos preços diminuiu o poder de compra da população, o que se refletiu no caixa das empresas.

Embora venha como remédio para inflação, a Selic alta acaba por agravar o endividamento. Levantamento da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo) mostrou que a dívida das famílias fechou 2022 em nível histórico, atingindo 77,9%.

Tal conjuntura econômica se tornou insustentável para muitas empresas, que agora precisam carregar dívidas caras num período de consumo fraco, taxa de juros elevada e inadimplência recorde.

Lopes destaca que, diante da necessidade de cumprir com pagamentos, muitas empresas estão recorrendo a processos de recuperação judicial ou reestruturação. Segundo ele, esse tem sido mais ou menos o padrão dos casos, com exceção da Americanas.

O episódio da varejista foi deflagrado após a revelação de que a empresa vinha "escondendo" dívidas equivalentes a R$ 20 bilhões em seu balanço. Com os credores correndo para executar os débitos, a Americanas recorreu à Justiça para não falir.

É diferente, por exemplo, do caso da Oi, que recebeu proteção contra credores após declarar ter R$ 29 bilhões em dívidas financeiras. A companhia, que acabou de sair do maior processo de recuperação judicial do Brasil, argumenta que fatores "imprevisíveis e não controláveis" tornaram imprescindível recorrer à medida para garantir sua sobrevivência.

Já a Marisa anunciou no começo de fevereiro a contratação da BR Partners para assessorá-la no processo de renegociação de seu endividamento financeiro de quase R$ 600 milhões.

Em teleconferência de resultados no fim de 2022, o então presidente da varejista havia reclamado do custo do funding (captação de recursos de terceiros) e do aumento da inadimplência como fatores para o maior endividamento no período.

A loja de móveis e decoração Tok&Stok também indica ter problemas no caixa. Recentemente, a empresa foi alvo de uma ação de despejo após o dono de um imóvel dizer que a companhia não pagou o aluguel de um galpão em Extrema (MG).

Wagner Moraes, fundador da A&S Partners, diz que o caso das Americanas —embora se diferencie dos demais em relação às causas da crise— estimulou um aperto do crédito, especialmente para o varejo, que é muito dependente da captação de dinheiro para manter o giro das operações.

A insegurança das instituições financeiras, ele diz, aumentou o custo do dinheiro, trazendo uma pressão adicional que muitas empresas não esperavam. "Isso justifica esse movimento da Tok&Stok e da Marisa de buscar a renegociação do endividamento bancário", afirma.

Na visão dele, o atual "boom de crises" é apenas o começo e deverá atingir outras grandes do varejo. Lopes, da Iwer Capital, concorda.

"Os grandes varejistas estão pressionando os fornecedores que, uma vez pressionados, vão pressionar seus fornecedores, que vão ter que demitir... Estamos observando uma reação em cadeia, que ainda não atingiu seu ápice", projeta.

O especialista em varejo Alberto Serrentino, sócio da Varese Retail, também aponta o impacto da inflação, dos juros altos e do caso Americanas nessa onda de crises. No entanto, ele ressalta que é preciso tomar cuidado com a ideia de fragilidade estrutural do varejo.

"Não há essa situação de vulnerabilidade sistêmica do varejo brasileiro, de forma alguma", diz.

Serrentino ressalta que o caso Americanas é uma situação específica, que em nada tem a ver com cenário econômico ou conjuntura.

Ele diz que é preciso ter o mesmo cuidado em relação à Marisa, que está em crise desde 2015. "No ciclo de boom de consumo de 2012 e 2013, [a varejista fez] alguns movimentos estratégicos agressivos que geraram consequências", diz.

Entre as escolhas que considera equivocadas, Serrentino destaca a expansão de lojas de maneira desordenada e o distanciamento em relação ao público-alvo que costumava ser formado por mulheres da classe C.

"Quando veio a crise de 2016, a Marisa foi pega numa situação de fragilidade, porque todo esse movimento foi feito com aumento do endividamento", diz.

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