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Americanas tem quase R$ 300 milhões em ações na Justiça do Trabalho, segundo plataforma especializada

Varejista afirma que RJ determina apresentação apenas de dívidas trabalhistas líquidas, já julgadas e consolidadas

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São Paulo e Rio de Janeiro

O pedido de recuperação judicial da Americanas, feito para escapar do bloqueio de recursos por parte dos bancos credores, registra R$ 119,6 milhões a serem pagos à classe 1, que concentra dívidas trabalhistas. O valor engloba 321 trabalhadores e entidades, conforme dados compilados pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos). Segundo a varejista, a recuperação judicial determina apresentação apenas de dívidas trabalhistas líquidas –já julgadas e consolidadas.

Mas, de acordo com levantamento realizado pela Data Lawyer –plataforma que permite análise de dados estatísticos em relação às ações judiciais (jurimetria)–, feito a pedido da Folha, existem hoje pelo menos 2.331 processos ativos contra a Americanas na Justiça do Trabalho. O valor total das causas é de R$ 284,3 milhões –no limite, se perdesse todos os processos, esse valor seria o equivalente a mais que o dobro do montante reservado pela Americanas para os débitos trabalhistas que constam na recuperação judicial.

A pesquisa da Data Lawyer apontou que, desde 2014 (início da base de dados da plataforma), foram 5.445 processos, no valor total de R$ 534,6 milhões. Destes, estão ativas ainda 2.331 ações, que somam R$ 284,3 milhões.

fachada de loja em vermelho e branco em que se lê Americanas
Fachada da Lojas Americanas, no Park Shopping, em Brasília (DF). - Gesival Nogueira/Ato Press/Agência Globo

O levantamento, feito a partir do CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica), considerou as inscrições da Americanas S.A (00.776.574/0006-60) e da ST Importações Ltda. (02.867.220/0001-42), ambas citadas na decisão da 4ª Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro, que concedeu a recuperação judicial à empresa em 19 de janeiro, quando a Americanas declarou dívidas de R$ 43 bilhões.

De acordo com a Data Lawyer, a pesquisa engloba apenas os processos não sigilosos.

Ação sindical lista débitos de R$ 1,53 bilhão

Em janeiro, uma ação conduzida pelo escritório LBS Advogados, em nome de oito entidades sindicais (entre elas, União Geral dos Trabalhadores e Força Sindical), junto ao TRT-10 (Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região), defendia o bloqueio no valor de R$ 1,53 bilhão do patrimônio dos principais acionistas da Americanas –os bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira. O objetivo era garantir os créditos das ações trabalhistas contra a varejista em curso na Justiça do Trabalho.

A liminar foi negada, mas as centrais sindicais estão recorrendo.

Na ação, o LBS Advogados afirma ter feito um levantamento na plataforma Data Lawyer em 20 de janeiro e ter identificado 16.980 ações em trâmite, que englobam um valor potencial de R$ 1,53 bilhão.

"A pesquisa foi realizada a partir da raiz do CNPJ de todas as empresas do grupo apontadas como controladas direta e indiretamente pela Americanas S.A nas Demonstrações Financeiras Padronizadas (DFP) para 31 de dezembro de 2021. Todas possuem mais de 99,9% de participação da Americanas S.A. Além dessas empresas, incluímos a raiz do CNPJ da Lojas Americanas, incorporada recentemente pelo grupo", dizem na ação os advogados das centrais sindicais.

"Nós pesquisamos no Data Lawyer o CNPJ de cada uma das empresas do grupo", disse à Folha José Eymard Loguercio, sócio do LBS Advogados. "No sistema Judiciário, ainda constam processos em tramitação sob Lojas Americanas", diz ele, referindo-se à empresa que reunia as lojas físicas, antes da fusão em 2021 com a B2W (operações digitais), que deu origem à Americanas S.A.

Na noite do dia 16 de fevereiro, a Americanas divulgou fato relevante em que afirma estar disposta a pagar os débitos trabalhistas (classe 1) e com micro e pequenos fornecedores (classe 4) que constam da recuperação judicial, cuja soma chega a R$ 192,4 milhões.

"As recuperandas informaram à Administração Judicial Conjunta que os créditos líquidos da classe 1 e 4 somam, até o momento, a quantia aproximada de R$ 192,4 milhões, conforme relação de credores apresentada pela companhia, e que a companhia tem condições de promover o pagamento integral em curto prazo desse montante com parte dos recursos já obtidos e a serem obtidos com o financiamento DIP autorizado na recuperação judicial, sem impacto relevante no seu fluxo de caixa", diz o comunicado, assinado por Camille Loyo Faria, a nova diretora financeira e de relações com investidores da Americanas, que assumiu neste mês.

"A companhia e as demais recuperandas manifestaram sua preocupação com a situação dos credores trabalhistas, dada a natureza alimentar das verbas titularizadas por estes credores, que, por seu histórico, contribuíram para o crescimento da companhia e demais recuperandas", diz o fato relevante.

Questionada pela Folha sobre qual o número de ações contra a empresa estão em trâmite na Justiça do Trabalho, a Americanas não havia respondido até a publicação deste texto. Após a publicação, a empresa enviou nota à reportagem contestando os valores e dizendo que ela deveria apresentar no pedido de recuperação judicial apenas as "dívidas trabalhistas líquidas" (confira a nota completa ao final do texto).

Até o fechamento do texto original, a varejista havia informado, por meio da sua assessoria de imprensa, que constam do pedido de recuperação judicial "650 credores na classe 4 que somam um total de R$ 72,8 milhões". Segundo a empresa, "a classe 1 concentra dívidas com verbas trabalhistas e equivalentes, como as de profissionais liberais, e reúne um total de R$ 119,6 milhões."

O advogado especialista em recuperação judicial, Filipe Denki, da Lara Martins Advogados, destaca que as ações trabalhistas em curso são de débitos anteriores à RJ. "Elas podem ou não ser arroladas ao processo inicialmente, uma vez que existem outras fases de verificação de crédito, até a consolidação do quadro geral de credores", afirma. Mas as ações devem, sim, ser informadas no curso do processo.

Segundo Denki, a maioria das empresas, quando já têm um passivo estimado, de "valor incontroverso" (quando ambas as partes reconhecem como devido), listam as ações trabalhistas entre os credores. "Quando saem as sentenças definitivas, fazem os ajustes no quadro geral de credores –para um valor maior ou menor que o apresentado inicialmente", afirma.

Entre os credores, executivo já falecido, bar e padarias

Entre os 321 empregados ou entidades da lista de credores trabalhistas, estão pessoas físicas, escritórios de advocacia e sindicatos, aponta o levantamento do Dieese.

Os credores com mais de R$ 1 milhão a receber englobam dois sindicatos e três escritórios de advocacia. Na esfera sindical, estão o Sindicato dos Empregados no Comércio de Guarulhos e o Sindicato dos Empregados no Comércio do Estado do Espírito Santo, com R$ 2,1 milhões a receber cada um.

Entre os escritórios, estão Dannemann Siemsen Advogados (R$ 1,3 milhão), Tozzini Freire Teixeira e Silva Advogados (R$ 2,7 milhões), Vezzi, Lapolla e Mesquita Sociedade de Advogados (R$ 3,3 milhões) e Ensemhuber, Abe e Advogados Associados (R$ 6,8 milhões).

O maior credor dessa lista é o espólio de Henrique Kerti, que foi executivo da empresa nos anos 1970 e 1980, com R$ 7,6 milhões a receber. Os valores são discutidos judicialmente em ação trabalhista há pelo menos dez anos, segundo informações compiladas pelo site Jusbrasil.

A Folha tentou contato com os advogados do espólio de Kerti, mas não obteve sucesso.

Já na lista de pequenas e médias empresas, o Dieese indica 959 credores com valores a receber entre R$ 10 e R$ 26,4 milhões –este último é o montante devido à distribuidora de produtos de informática Ingram. Estes credores são tanto da classe 4 (MPE) quanto da classe 3 (quirográfários, sem garantias reais).

Na lista de fornecedores, há desde fabricantes de produtos a prestadores de serviços, como locação de veículos. Há ainda padarias e produtores de alimentos.

Nesta relação, 17 credores têm mais de R$ 1 milhão a receber cada um. Por outro lado, 55 têm menos de R$ 100 cada um em créditos.

É o caso do Bar Cantinho da Vila Ltda., em Vila Isabel, zona norte do Rio, com R$ 20 a receber. Ou da Pão de Batata Pães Especiais Ltda., de Diadema, na Grande São Paulo, para quem a Americanas deve R$ 9,29.

Resposta da Americanas:

A Americanas nega veementemente que em seu processo de Recuperação Judicial tenha sido incluída apenas parte de débitos trabalhistas como foi publicado em reportagem na Folha de S.Paulo nesta quarta-feira (22/02) citando levantamento da plataforma Data Lawyer. O processo de Recuperação Judicial determina a apresentação no quadro geral de credores de dívidas trabalhistas líquidas (já julgadas e consolidadas), o que não é o caso de processos trabalhistas ainda sem resultado definido, como os apresentados na reportagem, que foram também informados na Recuperação Judicial na forma adequada. A Companhia reitera que o quadro geral de credores aponta o total da Classe I, que inclui verbas trabalhistas e equivalentes, como as de profissionais liberais, em um valor consolidado de R$ 119,6 milhões, e reforça que todos os dados e valores de sua lista de credores refletem a realidade e seguem o previsto pela Lei.

Erramos: o texto foi alterado

Título original deste texto, já corrigido, dizia que as dívidas trabalhistas da Americanas eram 138% do valor apresentado. Os R$ 284,3 milhões se referem ao valor das causas trabalhistas em aberto, segundo levantamento da plataforma Data Lawyer  

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