Às vésperas de iniciar reestruturação da dívida, Light distribuiu quase R$ 100 milhões em dividendos

Distribuidora diz que controladora aportou quase seis vezes o que recebeu da empresa em dez anos

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Rio de Janeiro

Cerca de um mês antes de anunciar a contratação da consultoria Laplace para reestruturar sua dívida, a Light pagou, no final de 2022, R$ 94 milhões em dividendos a seus acionistas. A parcela referia-se ao lucro de R$ 424 milhões registrado em 2021, em valores corrigidos pela inflação.

Beneficiada por uma liminar contra resgate antecipado de dívidas, a Light distribuiu quase R$ 270 milhões em dividendos nos últimos dois anos, o equivalente a 80% do acumulado nos seis anos anteriores, segundo levantamento feito para a Folha por Einar Rivero, da TradeMap.

Sede da Light, no bairro do Estácio, Rio de Janeiro (RJ) - Reprodução

A empresa diz que os dividendos foram aprovados em abril e declarados ainda no exercício de 2022. "Na data limite do pagamento, a diretoria recém-formada seguiu a determinação dos acionistas", afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa.

A contratação da Laplace deu início a um processo de reconhecimento da real situação da companhia, que anunciou em março prejuízo de R$ 5,6 bilhões em 2022 e, em abril, pediu à Justiça proteção contra a cobrança de até R$ 11 bilhões em dívidas, alegando risco às suas operações.

O cenário pegou de surpresa investidores e credores, que viam a companhia em condições de cumprir com suas obrigações nos dois anos que lhe restam até uma decisão sobre a renovação de sua concessão para atender 31 municípios do Rio de Janeiro, que vence em 2026.

"Houve uma mudança de postura da direção da empresa muito forte no quarto trimestre, foi uma surpresa", diz o analista Ilan Arbetman, da Ativa Investimentos, que via a companhia em condições de cumprir suas obrigações até concluir negociações com a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). .

A empresa alega que enfrenta um problema estrutural, de restrições operacionais em áreas dominadas pelo crime organizado, que foi agravado pelas altas taxas de juros no país, que lhe custam R$ 1,5 bilhão por ano em serviços da dívida.

Além disso, a aprovação de lei em 2022 determinando a devolução dos impostos cobrados a mais dos consumidores, afirma, eliminou "uma das fontes de recursos que cobriram os déficits de caixa operacional" de suas operações de distribuição.

"A Light vem mantendo a qualidade dos serviços e os investimentos em expansão, mas é uma companhia que não proporciona retorno adequado aos acionistas", diz. "Se sustentou nos últimos dez anos por conta de um forte crescimento de seu endividamento e de vários aumentos de capital."

A empresa alega que suas operações de distribuição, tocadas por meio da Light SESA, receberam da holding aporte de R$ 3,4 bilhões nos últimos dez anos, quase seis vezes os R$ 674 milhões que devolveram em dividendos.

Feita por meio de descontos nas tarifas, a devolução de PIS/Cofins afetou todo o setor de energia, mas teve maior impacto na empresa: segundo a Fitch, equivalia em junho de 2022 a 40% de seu Ebitda, indicador que mede a geração de caixa, bem mais do que os 15% a 18% de concorrentes como Cemig, Enel e Equatorial.

Enquanto outras empresas começaram a devolver antes os recursos ou contabilizaram eventuais perdas em seus balanços, a Light recorria à Aneel e à Justiça para tentar escapar. A empresa diz que se trata de "uma questão jurídica complexa" e que "seguiu a recomendação de seus assessores jurídicos".

Credores, porém, defendem que a estratégia dos últimos meses teve como objetivo pressionar autoridades e fundos a ceder, diante do risco iminente às operações. Alegam que houve oferta de novos financiamentos no fim de 2022 e acusam a companhia de evitar o diálogo.

Em petição para derrubar a proteção judicial, classificam a estratégia jurídica da empresa, como "um modelo inusitado de calote", já que concessionárias de serviços públicos não podem pedir recuperação judicial.

"O que gera indignação no credor é mudar a regra no meio do jogo", disse à Folha o advogado José Roberto de Castro Neves, sócio do escritório FCDG Advogados, que assessora um grupo de 26 gestoras com R$ 4,7 bilhões em debêntures da Light.

Eles questionam ainda a proposta de incluir a reestruturação financeira entre as metas que definirão a remuneração dos executivos da companhia em 2023, que serão avaliadas em assembleia de acionistas no próximo dia 28.

A proposta de remuneração variável da diretoria prevê o pagamento de opções de compra de ações equivalentes a até 5% do capital da empresa no caso de cumprimento de todas as metas.

A Light afirma que as ofertas de financiamento que recebeu não cobririam nem as necessidades do primeiro semestre de 2023. "Restou claro para a diretoria recém-formada que qualquer emissão de dívida pela companhia deveria ser parte de uma solução definitiva de longo prazo."

Sobre a remuneração variável, diz que "a readequação da estrutura de capital é necessária para a sobrevivência da companhia", que tem mais de R$ 7 bilhões em necessidade de caixa entre 2023 e 2024.

A diretoria, afirma, "tem o objetivo de preservar a concessão, garantindo a continuidade, qualidade e expansão do serviço de energia". "Esse é o único caminho para a criação de valor para credores e acionista."

Para renovar a concessão, o que lhe permitiria alongar o prazo de sua dívida, a distribuidora debate com a Aneel condições mais favoráveis para o cálculo de perdas com furto de energia.

"A Light busca um novo contrato de concessão que reflita as características específicas do Rio", diz. O combate ao furto de energia em ASROs [áreas de severa restrição operacional], áreas altamente violentas e dominadas por poderes paralelos, não está na alçada realista de atuação da distribuidora."

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