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Brasil não tem condições de produzir chips no curto prazo, diz economista do JPMorgan

Para Cassiana Fernandez, país se beneficia de diversificação global de cadeias produtivas, mas falta muito para entrar no setor de alta tecnologia

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Washington

O Brasil pode se beneficiar do contexto geopolítico que provoca a diversificação das cadeias produtivas em meio a tensões entre China e EUA e Guerra da Ucrânia, uma vez que tem recursos naturais, está longe dos conflitos e próximo de grandes mercados consumidores, avalia Cassiana Fernandez, chefe de pesquisa econômica para América Latina no banco americano JPMorgan.

Isso não significa, porém, que o país vai entrar na cadeia de tecnologia avançada, como a produção de chips, no curto prazo. Na avaliação dela, é preciso condições mais favoráveis para investimento privado em pesquisa e tecnologia no Brasil.

Cassiana Fernandez, chefe de pesquisa econômica para América Latina na JPMorgan - JPMorgan/Divulgação

Em entrevista à Folha, Fernandez fala, ainda, sobre o ambiente para investimentos estrangeiros no país e as expectativas para redução de juros e preço do dólar.

Como vê o ambiente para investimentos estrangeiros no Brasil hoje? O Brasil foi o primeiro país grande dentre os emergentes a começar a normalização da política monetária, já em 2021, e o primeiro a parar o ciclo de alta de taxa de juros, o que o posicionou para uma desinflação mais rápida. Uma parte dessa desinflação já aconteceu: ao final de 2022, o IPCA terminou em 5,8%. Os núcleos de inflação ainda estão em patamares muito elevados, mas a gente já começa a ver uma redução.

A grande preocupação vem da indefinição e incertezas em relação à direção da política fiscal e o ambiente político, mais conturbado desde as eleições do ano passado, mas a gente tem uma visão mais construtiva. A divulgação do novo arcabouço fiscal reduz de uma forma significativa um risco de cauda mais negativo sobre a condução da política econômica. Mas você ainda tem muitas incertezas quanto à aprovação e o encaminhamento que ela vai ter ao longo dos próximos anos.

O Brasil tem um dos crescimentos mais baixos do mundo entre países de renda média. Como atrair investidores assim? O Brasil tem duas grandes vantagens e dois grandes problemas. Entre os problemas, o baixo crescimento econômico e o nível da dívida do governo e custo. Uma das piores consequências do crescimento baixo é uma distribuição de crescimento muito ruim, ainda mais para um país de renda média, o que gera demanda maior por gastos e transferências sociais.

Do lado positivo, o Brasil tem uma das contas externas mais sólidas entre emergentes. E não só pelo fato de que a gente financia todo nosso déficit em conta corrente com fluxo de investimento direto, que é mais estável, mas também pelo fato de a gente ter ainda ao redor de 20% do PIB de reservas internacionais, muito maior do que o nível da dívida externa pública, que dão um colchão razoável. Junte a isso o fato de ter a sorte da disponibilidade de recursos naturais, reserva de petróleo, minério de ferro e toda a área para agricultura, que colocam o Brasil numa posição bastante privilegiada.

Se eu olho o contexto geopolítico atual, a tensão comercial e geopolítica que existe entre EUA e China e a guerra entre Ucrânia e Rússia, há uma percepção de que o mundo vai tentar diversificar as cadeias produtivas. Espera-se que o Brasil seja beneficiado, não só pela disponibilidade de recursos naturais, mas também por estar mais longe de conflitos e mais próxima dos mercados consumidores, EUA e Europa.

O Brasil tem condições de entrar na cadeia produtiva de tecnologia avançada, como a produção de chips? No curto prazo, não. Você precisa criar condições mais favoráveis ao investimento privado em pesquisa e tecnologia para conseguir participar em postos de produtos de maior valor agregado dentro do setor de tecnologia. Mas sem dúvida é algo que a gente tem potencial para desenvolver.

Essa discussão que acontece tanto no Brasil quanto no México é muito positiva no longo prazo, mas ainda é muito difícil de ver no curto prazo isso ser um fator decisivo na performance econômica dos países. Ainda falta uma grande lição de casa para ser feita para conseguir atrair esses investimentos. Criar condições favoráveis ao investimento privado envolver estabilidade de regras, segurança jurídica e estabilidade macroeconômica, fatores decisivos na hora da definição desses investimentos.

Questionamentos sobre a autonomia do Banco Central tornam o Brasil menos atrativo? A autonomia de fato é um avanço institucional importante e que pode gerar ganhos, principalmente a médio e longo prazo. Críticas à política do Banco Central acontecem em todos os lugares, fazem parte da própria independência. A diretoria atual do Banco Central é muito transparente em relação a assumir que é papel da autoridade monetária também justificar o seu trabalho perante a sociedade, governantes, Congresso etc. Essa parte da discussão faz parte do jogo. Dependendo da forma como for conduzida, pode gerar ou não mais ou menos ruído, mas é importante.

A ameaça de você voltar atrás vai um pouco contra o que é importante para o investidor: segurança jurídica, estabilidade de regras e estabilidade macroeconômica. Qualquer decisão que reduza alguma dessas condições tende a ser desfavorável ao fluxo de investimento e ao interesse no país.

Uma discussão à parte, em relação à mudança de meta de inflação, acabou gerando bastante ruído no mercado e, na minha opinião, contribuiu para a desancoragem das expectativas de inflação, principalmente a médio e longo prazo, em relação à meta atual de 3%. Mas ainda não existe uma definição sobre o que vai acontecer. O governo tem o poder de definição da meta, e daí a gente vai ter que discutir os custos e benefícios de uma alteração. Na minha opinião, hoje a gente tem muito mais custos do que benefício em uma mudança do nível da meta, principalmente a médio longo prazo. Não é o momento para você mudar.

E quando é o momento para baixar os juros? A atividade econômica já desacelerou significativamente. Houve um primeiro trimestre bastante favorecido pela safra agrícola, que deve ser recorde esse ano, mas a demanda doméstica desacelerou de forma mais significativa. A inflação já deixou o pico acima de 12%, fechou o ano passado em 5,8%, a gente já vê um número mais positivo agora. Enxergo que existe espaço para o Banco Central começar a cortar a taxa de juros mais para o final do ano. A nossa expectativa é um primeiro corte de taxa de juros em novembro desse ano.

Existem condições para o Banco Central antecipar esse primeiro corte. Uma parte significativa do porque não faz isso mais rápido é o fato de ter essa ancoragem em relação às expectativas de inflação e a meta. Se você toma uma decisão comunicada, não só a redução dos riscos fiscais, mas a definição do arcabouço fiscal e a discussão da definição da meta, com uma reancoragem de expectativas, o Banco Central poderia sim começar a cortar a taxa de juros antes de novembro.

A queda recente do dólar tende a ser duradoura? Qual o preço justo para o dólar? A gente teve uma coincidência de fatores no dia da divulgação de IPCA, que foi um movimento de enfraquecimento do dólar global, não foi só a moeda brasileira que performou muito bem. Os nossos modelos não sugerem que a moeda esteja muito fora muito fora do valor justo dada as condições externas.

O que vai determinar muito o nível da moeda nos próximos meses vai ser mais o setor externo, o desenvolvimento da economia global. Março e abril foram meses bastante atípicos, porque o evento dos bancos regionais nos Estados Unidos [falência dos bancos SVB e Signature Bank] acabou gerando uma volatilidade maior e aversão ao risco, além de um medo maior de recessão nos EUA e uma reprecificação generalizada dos ativos. Nossa projeção é R$ 5,30 para o final do ano. Reconhecendo uma incerteza enorme em relação a essa projeção, grandes economistas já falaram que o câmbio está aí para ensinar humildade aos economistas.


Raio-X

Cassiana Fernandez, 46
É desde março chefe de pesquisa econômica para América Latina no banco americano JPMorgan. De 2014 ao começo deste ano, foi economista-chefe para Brasil na mesma instituição. Antes, trabalhou na Mauá Capital e no BNDES. É formada em economia pela USP e mestre pela PUC-Rio.

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