Varejo em crise atrasa reembolso ao consumidor

Receber de volta o dinheiro de uma compra cancelada é a maior queixa dos compradores hoje, aponta pesquisa

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São Paulo

Menos atraso na entrega e mais dificuldade para receber o dinheiro de volta quando a compra é cancelada. Levantamento feito para a Folha pelo Reclame Aqui, canal de reclamações de consumidores contra empresas, a respeito das maiores queixas nos últimos cinco anos, apontou uma mudança importante no perfil dos problemas enfrentados pelos compradores.

Em um primeiro momento –nos anos de 2018, 2019 e 2020–, a principal reclamação era o atraso na entrega, seguido pelo estorno do pagamento (o cliente não recebia a mercadoria e acabava cancelando a compra).

Em 2021, 2022 e agora, no início de 2023, o estorno do pagamento se tornou a principal queixa. De acordo com o presidente do Reclame Aqui, Edu Neves, em 2021, o estorno esteve muito relacionado ao serviço de delivery. "Foi o segundo ano de pandemia, ainda com expansão das entregas de comida que, se não aconteciam, eram canceladas", diz Neves.

Ilustração mostra, em tons de azul, vermelho e amarelo, dois homens deixados no chão, com um notebook ao centro. Eles seguram vários equipamentos eletrônicos
Quem compra fora da loja, pela internet, por exemplo, tem sete dias para se arrepender da compra desde a chegada do produto, conforme o CDC - ilustração de Aureliano Medeiros

Desde o ano passado, porém, o problema extrapolou o delivery e atingiu o varejo como um todo. "Os varejistas, em geral, estão demorando mais para reembolsar o consumidor que desistiu da compra online", diz Neves, lembrando que, pelo CDC (Código de Direito do Consumidor), o comprador tem sete dias para desistir do item comprado pela internet, a contar do recebimento do produto.

A demora no reembolso, de acordo com o presidente do Reclame Aqui, tem origem na pouca disponibilidade de crédito dos varejistas, que estão com o caixa apertado. A operação de risco sacado –a mesma que deu origem à crise da Americanas, quando o varejista faz um acordo com o banco para que este pague o fornecedor em seu lugar, em troca do pagamento de juros– está no cerne da questão.

"Se a venda volta para trás, o banco obriga o varejista a quitar a operação de antecipação e a fazer uma nova, a juro mais alto. Ou então o banco obriga o varejista a trocar aquele recebível por outro, o que pode ser uma dificuldade quando as vendas estão em baixa", afirma Edu Neves. Daí decorre a demora em devolver o dinheiro para o consumidor, afirma.

Segundo Neves, o cliente faz a queixa quando já se passou mais de um mês e o valor não foi estornado. "Muitas vezes ele acaba esperando 60 dias pelo estorno no cartão", afirma. Se o pagamento foi feito via Pix, o atraso é ainda pior para o consumidor. "Essa modalidade tem crescido, por envolver descontos de até 15% mas, em caso de devolução, é pior para o consumidor, porque o dinheiro dele já saiu da conta e vai demorar para voltar."

O número de queixas no Reclame Aqui deu um salto de 88% no ano passado, para 6,4 milhões. Segundo Neves, o avanço se deve ao consumidor mais consciente e conectado, em busca dos seus direitos. As categorias mais reclamadas no ano passado foram: meios de pagamento, telefonia, varejo, delivery, marketplace e redes sociais.

Para Izis Ferreira, economista da CNC (Confederação Nacional do Comércio), o momento do estorno pode impactar o fluxo de caixa do varejista em maior ou menor grau. "Desde o ano passado, a inflação para vários segmentos apertou o caixa e o crédito mais caro contribuiu para esse aperto", afirma. "E mais recentemente estamos vendo desaceleração nas vendas do varejo. Esse conjunto de fatores pode explicar o aumento dos prazos nos estornos", afirma.

Para a especialista, o consumidor está precisando do dinheiro com mais agilidade, porque também sofre com o orçamento apertado. "A percepção desse consumidor sobre demora no reembolso piorou no contexto de alta dos juros", diz.

Na opinião do consultor Alberto Serrentino, sócio da Varese Retail, do ponto de vista do varejista, as empresas estão em busca do crescimento sustentável no comércio eletrônico. "Aquela época de fazer venda a qualquer preço ficou para trás", diz. "Com a atual taxa de juros a 13,75%, qualquer venda forçada, em que o varejo subsidia a transação, se tornou inviável, o efeito sobre o caixa é muito perverso", afirma.

Daí as vendas menos aceleradas, especialmente no ambiente online, em que os varejistas se tornaram mais criteriosos na oferta de condições como parcelamento sem juros ou frete grátis.

"As empresas todas desaceleraram, em busca de lucratividade", diz ele, lembrando que até pouco tempo atrás a palavra de ordem no comércio eletrônico era crescer. "Mas agora só vale o crescimento com lucro."

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