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A nova cara da pobreza brasileira

Entre os 10% mais pobres, saímos de uma taxa de ocupação de 54% em 2001 para uma de 29% em 2022

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Laura Machado

Professora no Insper e ex-secretária de Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo

No início deste século, a pobreza no Brasil tinha um perfil: éramos um país onde a maioria da população vulnerável estava inserida no mercado de trabalho. O retrato da pobreza era o de trabalhadores pobres.

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, em 2001, a taxa de ocupação dos brasileiros entre os 10% mais vulneráveis era de 54%. Dá-se o nome de taxa de ocupação à razão entre a população trabalhando e a população economicamente ativa.

Pessoas em situação de rua no Centro de São Paulo; retrato da pobreza mudou em duas décadas
Pessoas em situação de rua no Centro de São Paulo; retrato da pobreza mudou em duas décadas - Gabriel Cabral/Folhapress

Naquele momento, os mais vulneráveis trabalhavam mais de 40 horas por semana, na informalidade, em péssimas condições de trabalho, tinham baixa remuneração e pouca produtividade. Provavelmente as condições de saúde física desses trabalhadores, por conta da sobrecarga, não eram as melhores.

O desafio de política pública para diminuir a pobreza era tornar o trabalho digno: melhorar as condições de trabalho, combater a informalidade, aumentar a produtividade e a remuneração de um grupo de pessoas vulneráveis que majoritariamente estava inserido no mercado de trabalho.

Vinte anos depois, o retrato da pobreza no Brasil mudou. Entre os 10% mais pobres, saímos de uma taxa de ocupação de 54% em 2001 para uma de 29% em 2022, metade do que tínhamos há 21 anos. Em outras palavras, os mais pobres brasileiros estão fora do mercado de trabalho.

O novo perfil da pobreza é diferente. O retrato é de um grupo de pessoas em busca de trabalho e que não conseguem se inserir há alguns anos. Depois de anos em busca de trabalho voltando para casa sem sucesso, provavelmente as condições de saúde mental dessa população devem ter se agravado.

De acordo com o IBGE, entre os 10% mais pobres que querem trabalhar, 64% não estão plenamente ocupados. Os mais vulneráveis querem voltar ao trabalho e não estão conseguindo.

O desafio para política pública, agora, envolve buscar ativamente essas pessoas excluídas há algum tempo e incorporá-las de volta ao mercado de trabalho.

Concomitante a essa inclusão, a política pública precisa retomar a agenda anterior, de melhoria da condição de trabalho e da produtividade. Precisamos incluir e tornar o trabalho dos mais pobres um trabalho digno.

Muitas são as hipóteses, não testadas, sobre as causas do novo retrato de exclusão do mercado de trabalho. Aumento do salário reserva, aumento do salário mínimo e mudanças tecnológicas são as principais em estudo. Todas as três tiverem avanços importantes em 2023, o que provavelmente acentua a tendência de exclusão em curso.

O problema urge de uma resposta do tamanho da sua gravidade, e quanto mais ele se prolongar, mais difícil se torna a inclusão ao trabalho. De acordo com o artigo 6º da nossa Constituição, o trabalho digno é um direito social assim como saúde, educação, entre outros. A inclusão ao trabalho é um direito e, portanto, um fim em si mesmo.

A transferência de renda aos mais pobres por si só importa, mas está longe de ser suficiente: os brasileiros mais pobres não só têm o direito, mas estão dizendo que querem trabalhar. Precisamos mudar esse retrato.

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