Descrição de chapéu indústria

Nunca discutimos carro popular, diz secretário de Alckmin

Uallace Moreira Lima afirma ainda que plano de 'neoindustrialização' a ser lançado envolve 18 ministérios

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São Paulo

O programa de incentivos para a compra de automóveis de até R$ 120 mil anunciado na semana passada pelo governo Lula (PT) visa preservar empregos na cadeia automotiva, que emprega cerca de 1,2 milhão de pessoas, direta e indiretamente.

A avaliação é de Uallace Moreira Lima, 44, secretário de Desenvolvimento Industrial, Inovação, Comércio e Serviços do MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços). Ele diz que o plano é conjuntural. Prazo de validade e subsídios envolvidos, segundo ele, devem ser anunciados nos próximos dias.

Questionado se o anúncio do plano teria sido precipitado, ele afirma que "o que precisava ficar claro no dia 25 é que haveria o programa. Pois saía muita coisa na imprensa especulando sobre carro popular, verde. Nunca tivemos essa discussão".

Lima diz ainda que o governo prepara o anúncio de várias medidas estruturais para incentivar a indústria, com o envolvimento de 18 ministérios.

O Secretário de Desenvolvimento Industrial, Inovação, Comércio e Serviços, Uallace Moreira Lima. - Frederico Brasil/TheNews2/Folhapress

O programa foi anunciado na quinta (25) sem que se saiba até agora quanto tempo vai durar ou custar. No dia seguinte, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) disse que será de curto prazo e que pode não chegar a R$ 2 bilhões. Fato é que as concessionárias relatam forte queda nas vendas à espera do programa. Foi precipitado anunciar algo não fechado? A Fazenda estava de acordo? Para contextualizar, o setor automotivo no Brasil tem uma capacidade instalada de 4,5 milhões de automóveis, e 84% da produção depende do mercado interno. A utilização dessa capacidade está muito baixa, e cerca de 13 fábricas anunciaram paralisações. Os fabricantes reclamam do preço dos insumos internacionais, o que elevou o valor médio dos automóveis, e há uma taxa de juros alta que inviabiliza a dinâmica do mercado.

A cadeia produtiva do setor é muito extensa. Para trás, com setores como metalúrgico e químico. Para frente, com concessionárias, peças de reposição, postos. O setor gera diretamente 101 mil empregos e, indiretamente, 1,2 milhão. Neste cenário, o presidente Lula demandou ao vice-presidente Geraldo Alckmin para que o ministério apresentasse uma proposta para minimizar os problemas.

O MDIC não faz nada sozinho, e a primeira coisa que fizemos foi conversar com a Fazenda para elaborar uma proposta de caráter anticíclico e conjuntural. As conversas se deram preocupadas com duas dimensões: com a questão do equilíbrio fiscal e com a sustentabilidade, do ponto de vista da descarbonização.

Se considerássemos apenas modelos 1.0, isso abrangeria só 10% do mercado. Também não éramos favoráveis a uma proposta de benefício linear, por isso o escalonamento de incentivos tributários, levando em consideração três fatores: as emissões e a eficiência energética, o fator social, que é o preço do automóvel, e a densidade da cadeia produtiva, preocupados justamente com os efeitos na geração de empregos e da renda.

Se um setor como esse colapsa, temos um efeito social muito grande, que é o desemprego. O plano contempla um escalonamento tributário envolvendo 11 montadoras e 33 modelos de veículos até R$ 120 mil e benefício tributário de PIS e Cofins com limite máximo de 10,96% e mínimo de 1,53%.

Mas quanto tempo vai durar o programa e quanto será dado em incentivos? Em 15 dias anunciaremos o espaço temporal, dadas todas as possibilidades que avaliamos de impacto fiscal. Isso está sendo discutido com a Fazenda, respeitando o princípio da responsabilidade fiscal. Não é nada próximo [em valor] do que vem sendo especulado.

Está na casa do R$ 1 bilhão, dos R$ 2 bilhões? Isso depende muito do fator temporal que a gente vai definir, e isso está sendo discutido com muita responsabilidade do ponto de vista fiscal. Estamos dialogando com a Fazenda dentro desse princípio. A partir do momento em que definirmos o prazo, teremos o valor.

Volto à pergunta: não foi precipitado? Pois quem estava querendo comprar um carro está esperando o programa. Deixarão de ser vendidos carros nesses 15 dias que vocês demorarão para anunciar o programa, piorando a situação do setor, não? Desde que o debate sobre incentivos ao setor começou, as vendas já haviam caído. O que precisava ficar claro no dia 25 é que haveria o programa. Pois saía muita coisa na imprensa especulando sobre carro popular, verde. Nunca tivemos essa discussão.

Mas, quando veio essa demanda, começamos a discutir o programa de caráter anticíclico e de curto prazo. Esse debate paralisou o setor. O que fizemos no dia 25 foi dizer que haverá um programa e quais critérios seriam adotados, para que as montadoras tivessem clareza e garantias do que, de fato, estávamos propondo.

O Brasil abrirá mão de impostos com um déficit primário previsto de R$ 136,2 bilhões neste ano, uma conta de R$ 175 bilhões para o Bolsa Família e precisando de cerca de R$ 150 bilhões a mais em receita para o arcabouço fiscal funcionar. Faz sentido um programa para financiar o que Lula chamou de "classe média baixa", ou classe C, sendo que metade da população, segundo o IBGE, vive em famílias com renda per capita mensal de até R$ 537? Esse é um debate saudável. Mas estamos falando de uma cadeia produtiva que envolve vários setores, com 1,2 milhão de empregos. A pergunta é: deixamos então o setor colapsar e ter impacto em mais empresas, que acabarão paralisando e desempregando?

Essa é uma política de caráter conjuntural. Uma política estrutural, transformadora, de geração de renda, empregos, de descarbonização, não prescinde de uma política conjuntural. Estamos preocupados com os efeitos na cadeia produtiva, para frente e para trás, que o setor pode enfrentar, gerando mais desemprego. Essa é a nossa principal preocupação. Faz sentido proteger o emprego e a renda de um efeito em cadeia num setor que representa cerca de 20% da indústria.

Entre os anos 2000 e 2021 as montadoras receberam benefícios fiscais de R$ 69,1 bilhões, segundo dados da Receita. Nos anos 1990, elas empregavam 117 mil pessoas. Hoje, são 101 mil, com aumento de quatro vezes na produção. Como avalia isso? Desde 2015, com o baixo crescimento da economia, o setor vem passando por uma crise muito grande, pois depende do mercado interno. Não tivemos crescimento sustentável para avaliar o número de empregos gerados nesse setor e, com o atual nível muito baixo de utilização da capacidade, isso pode se agravar mais.

Quando você traz a questão da geração de empregos no setor, tem um debate sobre se as novas tecnologias geram mais empregos ou não. A Coreia do Sul tem o maior nível de robotização do mundo e tem uma taxa de desemprego de 3,7%. Nessa perspectiva, tecnologia e inovação podem destruir ou criar novos tipos de empregos.

Precisamos avaliar bem quais são os novos tipos de emprego que as tecnologias incorporadas nas estruturas da indústria automotiva estão gerando. Não só diretamente, mas indiretamente também, como no setor de serviços.

No caso da indústria automobilística, se há problema no mercado interno, temos, por outro lado, o mundo. Por que a indústria não se torna mais sofisticada para exportar mais? O setor automotivo hoje exporta predominantemente para o mercado da América do Sul, onde um dos principais destinos é a Argentina, que está em crise. O que queremos agora é resolver um problema conjuntural.

Estruturalmente, com o Rota 2030 [programa federal para apoiar o desenvolvimento tecnológico, a competividade, a inovação, a eficiência energética e a qualidade dos automóveis] há o objetivo principal da descarbonização. Explorar todas as rotas possíveis para acelerar a descarbonização do Brasil e, ao mesmo tempo, incentivar a inovação e uma maior inserção internacional. Creio que o setor automotivo tem muita clareza da necessidade dessa maior inserção lá fora.

Há 80% de indústrias em outros setores. Se o governo adota um programa desse tipo, por que não em outros, como a agroindústria, que ainda exporta a maior parte dos produtos sem beneficiamento? No dia do anúncio do programa, o BNDES, que é vinculado ao MDIC, anunciou um crédito de R$ 20 bilhões em quatro anos [corrigidos] pela TR [Taxa Referencial, um dos componentes que corrigem a poupança e o FGTS] para inovação. Nesse mesmo dia, o BNDES anunciou um crédito para exportações do setor industrial de R$ 2 bilhões.

E o MDIC e a Fazenda anunciaram uma parceria em torno da proposição de uma política de depreciação acelerada para estimular o investimento produtivo em toda a cadeia produtiva do país. Neste mesmo anúncio, o ministro Alckmin disse que tem conversado com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, para ajudar a aprovar a lei 4.188, do novo marco de garantias, para o crédito. Dado que a taxa de juros no Brasil é alta, a aprovação dessa lei pode contribuir muito para a redução do "spread" bancário.

Estamos trabalhando agora no CNDI [Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial], composto por mais de 18 ministérios, além do BNDES, para apresentar uma proposta de política industrial de caráter estrutural. O CNDI está trabalhando para anunciar, o mais rápido possível, um plano de indústria com todos os ministérios trabalhando em parceria.

Nos governos anteriores do PT, entre 2003 e 2016, o BNDES atuou fortemente para financiar alguns setores, empresas e os chamados campeões nacionais. Qual a avaliação que vocês fazem disso? Sobre o passado do BNDES, acho que isso pode ser discutido com o presidente do BNDES. Respeito muito a questão da institucionalidade, das divisões de avaliações.

Mas quando se fala de industrialização, é preciso envolver vários elementos. Tivemos políticas industriais, mas o câmbio foi favorável? A taxa de juros foi favorável naquele momento? São vários elementos que trazemos para o debate para entender o processo de desindustrialização do Brasil.

Há um diagnóstico claro de que a desindustrialização foi acelerada e precoce. Neste momento, acreditamos muito no processo de neoindustrialização liderado pelo vice-presidente e ministro Geraldo Alckmin.

Nessa neoindustrialização, estão sendo postos marcos, a partir de transformações e janelas de oportunidade que estão se abrindo no mundo. Uma delas é aquilo que se convencionou chamar de indústria 4.0, com tecnologias disruptivas, que abrem janelas nas quais o Brasil tem capacidades internas construídas.

Isso leva em conta tanto empresas nacionais como estrangeiras, que podem corroborar esse processo de fortalecimento da indústria produtiva diante de um mundo em que todos os países estão implementando políticas industriais.

Um segundo ponto é que dialogamos com a perspectiva das janelas de oportunidade que a sustentabilidade abre. O Brasil tem uma vantagem competitiva extraordinária nisso.


RAIO-X | UALLACE MOREIRA LIMA, 44


Secretário de Desenvolvimento Industrial, Inovação, Comércio e Serviços, é mestre e doutor em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, foi consultor do Banco Interamericano de Desenvolvimento, pesquisador visitante do Korea Institute for International Economic Policy, pesquisador convidado do Russian Institute for Strategic Studies e consultor da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe.

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