Nova versão do arcabouço fiscal vai trazer mais segurança, diz relator

Deputado propõe que ritmo de alta dos gastos seja fixado no texto do projeto de lei complementar, mais difícil de ser alterado

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Brasília

Os indicadores que ditarão o ritmo de crescimento das despesas sob o novo marco fiscal em tramitação no Congresso serão fixados no texto do projeto de lei complementar de forma a valerem também para os próximos governos, antecipa o relator da proposta, deputado Cláudio Cajado (PP-BA), em entrevista à Folha.

O projeto apresentado pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda) prevê que os gastos vão subir de 0,6% a 2,5% acima da inflação por ano, mas essas referências seriam válidas apenas entre 2024 e 2027. Depois disso, a escolha dos parâmetros poderia ser feita na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) –enviada no primeiro ano de cada mandato e mais fácil de ser modificada por demandar menos votos do que um projeto de lei complementar.

Deputado federal Cláudio Cajado, relator do projeto do arcabouço fiscal na Câmara, durante entrevista à Folha. - 04.mai.2023-Pedro Ladeira/Folhapress

"Estou trazendo [os parâmetros] para o corpo do texto do marco fiscal", diz Cajado. "Acho que isso traz segurança e mais confiabilidade."

O relator também quer deixar no passado a denominação "arcabouço fiscal" pela qual o projeto ficou conhecido e que ele considera de difícil compreensão. Segundo ele, já há acordo para rebatizar o projeto de Regime Fiscal Sustentável.

Cajado sinaliza ainda que pode tornar mais rígidas as exigências para o cumprimento da regra, com a possível obrigação de contingenciar recursos durante o ano em caso de ameaça à meta fiscal (na versão do governo, o bloqueio seria opcional), e da criação de eventuais gatilhos de correção para reequilibrar as contas.

Além disso, ele estuda modificar a lista de despesas que ficam fora do limite –análise que inclui os aportes do Tesouro Nacional em empresas estatais.

Cajado afirma que a aprovação do novo marco pode abrir caminho para a redução da taxa de juros e que não há risco de o Congresso afrouxar o projeto enviado pelo Executivo. Segundo ele, os parlamentares vão aprovar a proposta independentemente da consolidação de uma base de apoio ao governo no Legislativo porque nenhum congressista quer o retorno do teto de gastos. "É a lei mais importante que vamos votar neste ano."

O que o sr. pode antecipar de mudanças que estarão no relatório? A regra está inserida [num desenho em que] as balizas e os parâmetros [ficaram] para a LDO. A meta de resultado primário você projeta na LDO com as balizas que ele [governo] colocou de crescimento real, 0,6% a 2,5%, podendo ter a [alta na] despesa de 50% a 70% [do crescimento da receita]. Qual é a alteração que eu estou fazendo, que será importante? Em vez de você deixar essas balizas e esses parâmetros para a LDO, que é uma legislação que a gente altera muito aqui —a média é alterar a LDO três vezes num ano—, estou trazendo para o corpo do texto do marco fiscal.

Hoje ele fixa, já no projeto, as balizas e os parâmetros para os próximos quatro anos, mas para períodos seguintes poderia ser definido na LDO. A ideia é que agora já seja fixado para todos os anos? Isso. Será inserido no texto do marco fiscal, com uma margem de horizonte maior.

E seriam esses mesmos parâmetros? Seriam os mesmos parâmetros, porque o conceito do marco fiscal me agrada. É diferente do teto de gastos, em que mesmo tendo elevação de receita você não poderia gastar. O que sobrava ia tudo para [abater] dívida.

Por que estamos colocando [os parâmetros no texto]? Justamente porque você terá um regime fiscal sustentável e seguro, para que não tenha alterações. Aí você pode dizer 'sim, deputado, mas não está impedido de alterar'. Não, não significa que no futuro não possa se mexer, daqui a quatro ou cinco anos. Olha,as condições estão melhores, então essa baliza de 0,6% a 2,5% pode partir para 1% e 3,5%. Mas você alterar LDO é muito mais simples do que alterar o bojo da lei.

Ficaria mais blindado, então. O conceito ficaria mais preservado. Acho que isso traz segurança e mais confiabilidade.

Isso já está negociado com as bancadas e com o governo? Eu não conversei isso com absolutamente ninguém. Essa é a primeira vez que está tendo alguma informação de como virá o texto. Todo o texto está sendo trabalhado de acordo com as sugestões que estou recebendo, mas eu não expus para ninguém ainda.

Dessas sugestões, a questão da segurança dos parâmetros era um ponto relevante? Senti que todos concordam com essa postura. E essas balizas, esses parâmetros, eu não senti críticas, [só algumas] muito pontuais.

A diferença do teto de gastos para esse marco fiscal é que você tem condições de manter um gasto mínimo, movimentando a máquina do governo, fazendo com que as políticas públicas continuem sendo efetivadas, que é o que o governo atual pensa. O gasto público para eles é sinônimo de desenvolvimento. Esse conceito é, na grande maioria, muito bem aceito. Acho que o poder público realmente é um indutor de políticas que são importantes, contanto que tenha equilíbrio e controle das contas.

Setores do PT acham que a regra ficou muito restritiva em relação aos gastos. E há agentes econômicos que acham que ficou muito branda. O sr. acha que os parâmetros são válidos? É verdade. O próprio PT, parte do PT, falou mal do projeto do governo. Eles acham que o projeto não é bom. Essa ala que critica não queria ter parâmetro algum, em tese. Queria deixar as coisas muito soltas. O governo apresentou parâmetros, e não vieram contribuições ou sugestões que pudessem melhorar dentro do conceito de marco fiscal sustentável.

Uma crítica recorrente é que o marco aposta muito na ampliação da arrecadação. O sr. sente essa crítica no Congresso? Sinto, mas acredito que o governo vai, sim, conseguir melhorar a receita. Confio muito nisso. Estou aguardando um ofício que fiz questão de formalizar ao secretário especial da Receita, [Robinson] Barreirinhas, [para saber] quais são as expectativas de elevação de receita e em quais áreas. Acredito que o governo pode realmente melhorar a arrecadação fiscalizando melhor quem não está contribuindo com os seus impostos. Tem vários exemplos, esses sites chineses, as apostas esportivas. Tem essa questão do Carf, o voto de minerva. Tem medidas como essa dos incentivos fiscais do ICMS. E o ministro Haddad me disse que, depois do marco fiscal, vai propor algumas medidas. Vejo espaço nisso. Se o governo der uma alavancada entre R$ 100 bilhões e R$ 120 bilhões para este ano, ele mantém o marco fiscal sustentável por um grande período.

O Congresso não pode interpretar isso como um aumento de carga tributária? Não. Aumento de carga tributária seria elevar uma alíquota. Se você for, por exemplo, voltar a cobrança da CPMF. Isso o Congresso rejeita.

A MP do Carf teve forte resistência no Congresso, e a tributação das compras do exterior teve enorme repercussão negativa. O que garante que o Congresso vai efetivamente ajudar nessas medidas? Não garante. Somente com o governo, que está com sua base completamente desorganizada. O governo não tem base sustentável aqui hoje para poder aprovar qualquer medida.

Mesmo o arcabouço? Muda o nome, o Regime Fiscal Sustentável… Isso tem acordo, viu? Todos concordaram com esse novo termo. Arcabouço remete a ossada, a restos mortais. Vamos fazer uma coisa mais moderna, né?

Em relação à votação, confio que esse projeto perpassa qualquer questão político-ideológica. Nós estamos fazendo uma lei para o país. É a lei mais importante que vamos votar neste ano. E trazendo o equilíbrio das contas públicas, nós vamos atingir a política monetária, com a queda dos juros.

O Banco Central disse no Copom que o marco fiscal ainda não foi votado. A partir do momento que a gente toma não uma, mas várias atitudes, não tem jeito, o juro vai baixar. E se os juros abaixarem, esse governo, pode ter certeza disso, vai disparar no crescimento econômico.

Mesmo assim, a derrubada de trechos do decreto do Marco do Saneamento não gera um alerta? Não, não, não. Todos têm consciência de que o país precisa de um novo regime fiscal. Mais importante: se não votarmos o regime fiscal, o que é que vai prevalecer? Prevalece o teto de gastos. E quem quer o teto? Ninguém.

O BC cita a incerteza de como o Congresso vai aprovar esse texto. Há o risco de se deixar o regime mais frouxo? Mais frouxo não acredito. As mudanças que vierem devem ser justamente no sentido de você robustecê-lo.

Outro ponto é a questão da criminalização e da punição. Como o governo mandou, o contingenciamento em caso de ameaça ao cumprimento da meta seria opcional. Isso pode mudar? Tenho que aguardar críticas e sugestões. Devo apresentar o relatório na quarta-feira (10). Ainda falta conversar com várias bancadas, e devo fazê-lo na terça e na quarta da semana que vem. A partir daí tenho condições de apresentar o relatório com todos os aspectos que eu considero importantes.

Mas o sr. diria que há essa demanda? Há demanda. De grande parte dos deputados.

O ministro, inclusive, falou publicamente que essa é uma questão que está sendo estudada pelo senhor. A gente pode esperar alguma mudança nesse sentido, então? [Silêncio]

Vamos colocar na entrevista "deputado arregala os olhos". [Risos] Vamos aguardar. Vamos ver. Deixa eu terminar com as bancadas.

Mas o que o sr. pensa sobre isso? Não quero emitir opinião, porque a discussão pode travar, ou então isso pode se direcionar para outros aspectos. Prefiro que a discussão se manifeste. Estou colhendo as informações.

Quais outras sugestões o sr. recebeu? Basicamente em cima das excepcionalidades. Tem muita crítica, são 13.

O sr. pretende mexer? Tem muita sugestão, para incluir e para tirar [da lista de exceções]. Muito mais para tirar.

E o sr. acha alguma válida? Estamos estudando cada uma, porque algumas são de ordem constitucional. Mas tem uma discussão de que, como algumas delas estão constitucionalizadas pela PEC da Transição, ao votar o novo marco a PEC deixa de prevalecer.

Há exceções previstas no teto de gastos, e ao aprovar e sancionar o projeto do arcabouço, isso é revogado… E automaticamente deixa de ser constitucional. Você pode mexer.

As exceções da PEC da Transição são doações, receitas próprias de universidades… Tem essas, estamos estudando se vale a pena. Qual o conceito que a gente está avaliando? O que tiver neutralidade orçamentária não tem problema, entra de um lado e sai do outro. Eu doo e você constrói alguma coisa ou compra. Então não tem problema estar fora [do teto]. Estamos avaliando o que pode ter impacto.

No caso das estatais, o governo manteve sob o limite os aportes só nas empresas financeiras. Mas houve manobra lá atrás com a Emgepron, estatal militar que recebeu aporte para construir navio, e isso foi alvo de alerta do TCU. Como evitar esse tipo de manobra? Estamos estudando esse excludente.

O teto hoje tem gatilhos para correção das contas, mas não há isso na proposta do atual governo. O sr. vai incluir no parecer? Isso está sendo muito criticado e tem muita sugestão nesse sentido. Estamos avaliando o que chamamos de gatilhos. Seriam punições a mais. Sanções pelo não cumprimento da meta. Porque qual a sanção prevista pelo não cumprimento da meta?

Crescimento real de 50% das despesas em vez de 70%. E a mensagem do presidente ao Congresso citando iniciativas de ajuste. O governo acha que essas duas medidas são um 'enforcement' [incentivo ao cumprimento da regra] e que não precisa de mais. Mas muita gente critica, então estamos avaliando.

Tramitação no Congresso

  • Projeto de lei ordinária (caso do PLDO): Para ser alterado, precisa do aval de apenas metade dos presentes na sessão mais um, desde que compareçam 257 deputados e 41 senadores (maioria simples).
  • Projeto de lei complementar (caso da proposta do arcabouço): Para ser alterado, precisa do aval de ao menos 257 deputados e 41 senadores (maioria absoluta).

Raio-X

Cláudio Cajado (PP-BA), 59 anos

Deputado federal desde 1995. Também já foi vereador em Dias D'Ávila, na Bahia. Presidiu interinamente o PP no ano passado. É aliado próximo do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

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