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Despesa ser meritória não justifica tirá-la do arcabouço, diz consultoria da Câmara

Técnicos que auxiliaram relator diz que foram usados critérios objetivos para incluir medidas em limite

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Brasília

Em meio à reação de diversos setores contra a inclusão de despesas no limite do novo arcabouço fiscal, a consultoria da Câmara dos Deputados divulgou uma nota técnica elencando os critérios que levaram o relator, deputado Cláudio Cajado (PP-BA), a tomar essa decisão.

Entre os alvos da controvérsia estão a complementação da União ao Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), os repasses para bancar o piso da enfermagem e os aportes em empresas estatais não dependentes (que conseguem bancar despesas operacionais com recursos próprios).

A proposta original desenhada pelo Ministério da Fazenda deixava esses gastos fora do alcance do limite estabelecido pelo novo arcabouço —em alguns desses casos, a lógica repete o teto de gastos, que também previa essas despesas como exceções à regra fiscal.

O relator do projeto de lei do arcabouço fiscal, deputado Cláudio Cajado (PP-BA), em sessão no plenário da Câmara - Pedro Ladeira - 17.mai.2023/Folhapress

O relator do arcabouço, porém, decidiu colocar esses itens sob as novas regras, com a justificativa de que são despesas primárias que afetam o endividamento público. Os consultores da Câmara auxiliaram o deputado na formulação de seu parecer.

"O fato de uma despesa ser relevante ou meritória não deve ser critério para exclusão do limite", diz a nota técnica, assinada por consultores legislativos e de Orçamento da Câmara. "Tanto é assim que todas as despesas com saúde e educação, por exemplo, obrigatórias ou discricionárias, encontram-se submetidas ao teto [de gastos]."

Se por um lado a inclusão das despesas contribui para ampliar o ponto de partida do arcabouço, por outro há o risco de que o crescimento acelerado desses gastos tome espaço hoje ocupado por outras políticas.

Grupos ligados às áreas atingidas pelas mudanças avaliam que a eventual compressão das despesas sob o novo limite pode inibir iniciativas que visem à ampliação das políticas relacionadas ao Fundeb ou ao piso de enfermagem. Como revelou a Folha, os militares também têm feito pressão para excluir gastos ligados às Forças Armadas.

Ficar fora do arcabouço não só manteria o status atual, uma vez que essas rubricas estão longe do alcance do teto de gastos, mas também daria maior flexibilidade ao governo na hora de analisar pedidos de incremento nos recursos para essas áreas no futuro.

A nota diz, no entanto, que o relator do arcabouço traçou "critérios objetivos" para decidir quais das 13 exceções listadas pelo governo seriam mantidas no texto.

Os quatro parâmetros são: despesa decorrente de repartição de receitas com estados e municípios; gasto "neutro" do ponto de vista fiscal (há uma receita específica, como doação ou convênio, que só existe porque se destina a um gasto pré-definido); despesas imprevisíveis, urgentes e relevantes autorizadas por crédito extraordinário; e custos sazonais com a realização de eleições.

"Com relação à complementação da União ao Fundeb e ao piso da enfermagem, tais despesas, ainda que de natureza obrigatória e relevantes, além de previstas na Constituição, integram o Orçamento da União e têm impacto primário como qualquer outra, tanto que seu crescimento contribuiu para resultados fiscais desfavoráveis", diz o documento.

"[Elas] Devem assim se sujeitar ao conjunto de regras fiscais (inclusão no Orçamento, resultado primário, regra de ouro, regra do teto), não se vislumbrando fundamento para sua exclusão", acrescenta.

No caso específico do Fundeb, a nota técnica afirma que o arcabouço fiscal não altera as regras da complementação paga pela União. Isso significa que o percentual continuará subindo até 23% do total de recursos do fundo até 2026, como aprovado na emenda constitucional 108/2020, e se manterá nesse patamar depois disso.

"A inclusão das despesas com o Fundeb no teto de gastos [do arcabouço fiscal] não traz qualquer reflexo sobre os parâmetros de crescimento da despesa, uma vez que a própria Constituição estabeleceu tais balizas", diz a consultoria.

O parecer de Cajado prevê uma regra de transição para acomodar o crescimento desses repasses, que hoje estão em 17% do fundo. Um dos dispositivos da proposta diz que o limite de gastos terá um incremento no valor equivalente à alta da complementação no exercício.

A cada ano, o percentual sobe 2 pontos, até chegar a 23%. Nos últimos anos, com o incremento nos repasses, a complementação do Fundeb saiu de uma média de R$ 17,9 bilhões pagos ao ano entre 2015 e 2020 para R$ 32,9 bilhões no ano passado.

Após a transição no percentual pago pela União ao Fundeb, não haverá mais ganho extra no limite do arcabouço para acomodar a expansão dessa despesa, que pode ocorrer em ritmo maior que a alta do novo teto. Por isso, economistas reconhecem que este tende a ser um fator de pressão sobre a regra, ao lado de outras políticas, como a valorização do salário mínimo e os mínimos de saúde e educação (que voltam a ser atrelados ao avanço das receitas).

No caso do piso da enfermagem, o relator afirma que os gastos com outras carreiras do serviço público são contabilizadas dentro do teto atual e permanecerão assim no novo arcabouço.

"Excluir as despesas com o piso de enfermagem do teto cria uma assimetria entre os servidores dos demais entes com as despesas destinadas aos servidores da União. Estas, além de estarem incluídas no teto, sujeitam-se aos eventuais gatilhos em caso de descumprimento da meta", diz a nota técnica.

A consultoria ainda defendeu a inclusão dos repasses ao FCDF (Fundo Constitucional do Distrito Federal), abastecido pela União com recursos de tributos pagos por toda a população. O dinheiro do fundo financia gastos do DF com segurança pública e outras políticas, sob a justificativa de que o governo distrital deve zelar pelo espaço ocupado pela administração federal.

O argumento dos técnicos é que os repasses ao FCDF não são repartição de receita —a exemplo da divisão de tributos por meio do FPE (Fundo de Participação dos Estados) e do FPM (Fundo de Participação dos Municípios). Trata-se de um fundo federal, cujos gastos são contabilizados no Orçamento da União.

A consultoria ressalta ainda que os gastos do Tribunal de Justiça e do Ministério Público do DF estão sob os tetos do Judiciário e do MP, o que tornaria sem sentido a exclusão dos gastos do FCDF.

O fundo do DF, por sua vez, terá sua regra de correção modificada, caso o parecer de Cajado seja aprovado. Hoje, o valor é corrigido pela variação anual da RCL (receita corrente líquida), ou seja, quanto mais a União arrecada, maiores são os repasses para o Distrito Federal.

Sob essa regra, o montante cresceu de R$ 18,2 bilhões em 2011 para uma previsão de R$ 23,6 bilhões neste ano —em cifras já atualizadas pela inflação.

A proposta do relator é que o crescimento dos repasses ao FCDF acompanhe o percentual de correção do limite geral de gastos (0,6% a 2,5% ao ano).

Como ficou a lista de exceções ao limite de gastos:

  1. Transferências constitucionais a estados e municípios a título de repartição tributária

  2. Créditos extraordinários, liberados em casos imprevisíveis e urgentes (como os decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública)

  3. Despesas custeadas com recursos de doações ou de acordos judiciais ou extrajudiciais firmados em função de desastres

  4. Despesas das universidades e instituições federais, e das empresas públicas da União prestadoras de serviços para hospitais universitários federais, quando custeadas com receitas próprias, de doações ou de convênios

  5. Despesas custeadas com recursos oriundos de transferências dos demais entes da Federação para a União destinados à execução direta de obras e serviços de engenharia

  6. Despesas com acordos de precatórios a serem pagos com desconto

  7. Operações de encontros de contas com precatórios

  8. Despesas não recorrentes da Justiça Eleitoral com a realização de eleições

  9. Transferências legais a estados e municípios de recursos obtidos com concessão florestal

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