Descrição de chapéu The New York Times

Por que vídeos sobre pobreza na China estão sendo deletados?

Xi Jinping diz ter vencido problema, e falar sobre dificuldades econômicas é tabu

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Li Yuan
The New York Times

Um vídeo comovente de uma aposentada que mostrava quais mantimentos ela poderia comprar com 100 yuanes (R$ 72) –aproximadamente sua pensão mensal e única fonte de renda– viralizou na internet chinesa. O vídeo foi apagado.

Um cantor desabafou sobre a frustração generalizada entre os jovens chineses instruídos sobre suas péssimas finanças e perspectivas de emprego sombrias, como trabalho temporários. "Lavo o rosto todos os dias, mas meu bolso é mais limpo que meu rosto", canta. "Fui para a faculdade para ajudar a rejuvenescer a China, não para entregar refeições." Sua música foi banida e suas contas de rede social foram suspensas.

Um trabalhador migrante que trabalha para sustentar sua família ganhou simpatia e atenção generalizada no ano passado, depois que ele testou positivo para Covid-19, e as autoridades divulgaram muitos detalhes de seus movimentos. Ele ficou conhecido como a pessoa que mais trabalhava na China. Os censores bloquearam as conversas sobre ele e as autoridades locais se posicionaram diante de sua casa para impedir que jornalistas visitassem sua mulher.

Xi Jinping diz que derrotou a pobreza, mas a discussão sobre a luta econômica na China é tabu, eliminada da internet e banida dos noticiários. - Xinmei Liu/The New York Times

A China diz ser um país socialista que visa promover a prosperidade comum. Em 2021, seu principal líder, Xi Jinping, declarou "uma vitória abrangente na batalha contra a pobreza". No entanto, muitas pessoas permanecem pobres ou vivem pouco acima da linha de pobreza. Com as perspectivas econômicas do país diminuindo e a crescente ansiedade das pessoas sobre o futuro, a pobreza se tornou um assunto tabu que pode atrair a ira do governo.

Em março, a Administração do Ciberespaço da China, reguladora da internet no país, anunciou que reprimiria qualquer pessoa que publicasse vídeos ou postagens que "manipulem deliberadamente a tristeza, incitem à polarização, criem informações prejudiciais à imagem do partido e do governo e atrapalhem o desenvolvimento econômico e social". Ela proíbe vídeos tristes de idosos, deficientes e crianças.

Hu Chenfeng gravou a filmagem que foi removida da internet chinesa. Em sites de vídeos populares, ele postou uma gravação mostrando uma senhora idosa que vivia com apenas US$ 15 (R$ 75) por mês. Nas palavras de muitos comentaristas de redes sociais, ele estava revelando demais. "Este assunto é intocável", escreveu um comentarista em um tópico de discussão agora excluído do site Zhihu. Outro escreveu: "A conta foi censurada simplesmente porque ele mostrou como é a vida de muitas pessoas".

No vídeo, que sobrevive fora da internet chinesa no YouTube, Hu entrevista a mulher, uma viúva de 78 anos, numa rua da cidade de Chengdu, no sudoeste do país. Ela disse que pretendia comprar apenas arroz, a única coisa que podia pagar. Fazia muito tempo que não comia carne. Lágrimas rolaram por seu rosto enquanto ela relatava suas dificuldades financeiras. Os dois passam por uma mercearia. Ali compram arroz, ovos, carne de porco e farinha. A conta chega a 127 yuanes (R$ 91,44). Hu insiste em pagar.

Ele também estava emocionado, e se despediu com "o coração pesado".

O vídeo foi removido das duas maiores plataformas de vídeos gerados por usuários na China. As contas de Hu foram suspensas.

Turistas em Xangai, China, em 14 de março de 2022. A pobreza é vista como uma novidade entre a classe média na China, em parte porque os governos locais expulsam os sem-teto das ruas. - Qilai Shen/The New York Times

A desigualdade de renda é um problema em muitos países, incluindo os Estados Unidos. Na China, a maior divisão de riqueza está entre os residentes rurais e urbanos. A lacuna é criada por regras do governo que vinculam os benefícios sociais, incluindo educação, saúde e pensões, ao local de nascimento de uma pessoa, não à sua residência, renda ou necessidades. A política prejudica principalmente os aposentados.

Em 2021, os idosos do interior receberam em média US$ 27 por mês (R$ 135) em benefícios da previdência social, segundo relatório do governo. Essa pensão é cerca de 5% do que o aposentado urbano médio recebe.

Um vídeo viral sobre idosos que lutam para sobreviver se passa numa das províncias mais populosas da China, Henan, cujo governo aumentou as pensões mensais para residentes rurais de US$ 16 para US$ 18 este ano. O vídeo mostra dois homens na faixa dos 70 anos descarregando um caminhão de sacos de cimento usando as mãos e os ombros.

Nos anos de crescimento econômico milagroso da China, da década de 1990 até meados da década de 2010, a pobreza não era um tema ao qual as pessoas davam muita atenção. Agora, com o motor econômico do país falhando, os chineses recém-chegados à classe média estão preocupados com a possibilidade de voltarem à pobreza, parte da razão pela qual esses vídeos chamaram atenção.

Por causa da propaganda e da censura, muitos deles não estavam cientes da profundidade e prevalência da pobreza no país.

Quando o primeiro-ministro em 2020, Li Keqiang, disse que 600 milhões de chineses –40% da população– tinham renda mensal inferior a US$ 150, algumas pessoas, que não sabiam de onde vinham os números, chamaram de "fake news". O Diário do Povo, órgão oficial, teve que ligar para o Departamento de Estatística do Estado para confirmar que era verdade. A imprensa oficial chinesa raramente mencionou o número inconveniente novamente.

Outra razão pela qual a pobreza é vista como uma novidade entre a classe média é que os governos locais geralmente expulsam mendigos e moradores de rua. Eles se tornam invisíveis nas grandes cidades. A filha de uma amiga em Pequim perguntou a ela no ano passado o que era um mendigo. Recentemente, conheci uma nova imigrante chinesa de 13 anos em San Francisco que ficou chocada ao ver pessoas sem moradia. Ela disse que nunca tinha visto uma em Pequim.

O governo de Pequim não proíbe apenas mendigos e sem-teto de permanecerem na cidade. No inverno de 2017, expulsou muitas pessoas de baixa renda de seus apartamentos para se livrar do que chamou de "população de baixa qualidade".

Agora, com streamers de vídeo percorrendo o país em busca de fatos reveladores que atraiam a atenção online, o público pode ver os pobres e alguns dos aspectos desagradáveis da vida na China. Esse é um dos motivos da censura.

O mercado de Xinqiao em Suzhou, China, em 14 de março de 2022. Por causa da propaganda e censura na China, muitas pessoas no país não estavam cientes de quão prevalente era a pobreza na China - Qilai Shen/The New York Times

Além da pobreza, o governo não quer que a população se debruce sobre outro grande problema social: o desemprego juvenil, que, segundo as autoridades, chega a quase 20%.

Um compositor usou um conhecido personagem literário, Kong Yiji, um intelectual educado, mas pobre, que viveu durante a dinastia Qing, para desmentir a tese do governo de que os jovens não conseguem encontrar trabalho porque não se esforçam o suficiente. A música foi censurada e as contas online do cantor foram suspensas.

A mídia oficial, por sua vez, produziu artigos sobre graduados universitários que ganham a vida coletando lixo ou como vendedores ambulantes.

O governo quer "negar a prevalência da recessão econômica e do desemprego" e evitar a responsabilização, escreveu um comentarista.

O mesmo pode ser dito sobre a pobreza. Ao censurar vídeos e discussões online, o governo está fugindo de sua responsabilidade de fornecer a rede de segurança social mais básica para os pobres.

"Gravei esses vídeos na esperança de ganhar algum dinheiro enquanto pressionava nossa sociedade a avançar um pouco", disse Hu, o cinegrafista, num vídeo postado numa conta de rede social em backup que não tinha sido bloqueada. "Mas nunca pensei que isso fosse proibido."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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