Descrição de chapéu Mercosul União Europeia

Entenda as resistências de Lula ao acordo entre Mercosul e União Europeia

Presidente critica ameaças de sanções, desequilíbrio comercial e abertura para estrangeiros participarem de licitações

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Buenos Aires

O presidente Lula (PT) tem levado o acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia aos holofotes frequentemente desde que voltou à Presidência. Ele insiste que quer assinar o pacto, que já se arrasta há mais de 20 anos, mas repete em seus discursos três principais pontos de resistência.

O petista critica o que chama de "ameaças de sanção" pelo bloco europeu, termos desiguais que levariam o Brasil a ser apenas um "exportador de matérias-primas" e ainda a abertura das licitações públicas a empresas estrangeiras, itens que a seu ver tornam o texto "impossível de ser aceito".

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao receber a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, no Palácio do Planalto - Gabriela Biló -12.jun.2023/Folhapress

Ele reiterou esses atritos em maio, ao lado do ditador venezuelano Nicolás Maduro; em junho, diante da líder do bloco europeu Ursula von der Leyen e do presidente francês, Emmanuel Macron; e também nesta semana, em frente aos presidentes que integram o Mercosul. Sua posição foi seguida pelo argentino Alberto Fernández, mas contrariada pelo uruguaio Luis Lacalle Pou, que criticou a demora.

Negociado oficialmente desde 1999, o acordo entre os dois blocos foi concluído em 2019, no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro (PL), mas ainda não foi assinado pelas partes. O principal impasse para isso agora é um adendo ao texto, chamado de "side letter", proposto pelos europeus no início deste ano para reforçar compromissos ambientais.

Abaixo, entenda cada um dos tópicos que têm criado tensões e travado mais uma vez as discussões.

"Parceiros estratégicos não negociam com base em desconfiança e ameaça de sanções"

A frase dita na última terça (4) por Lula, na cúpula do Mercosul, se refere à tal "side letter" proposta pela UE. Para entender o que esse adendo diz, é preciso voltar e explicar que o acordo de milhares de páginas concluído em 2019 tem um capítulo que se chama Comércio e Desenvolvimento Sustentável.

Esse capítulo prevê que as partes se comprometam a cumprir compromissos ambientais firmados no passado, como o Acordo de Paris, incluindo reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Mas ele é o único que não prevê um mecanismo chamado de "solução de controvérsias", comum nos acordos da UE.

Esse dispositivo faz com que, na prática, os lados possam impor sanções a quem não cumprir o acordo. Diante do aumento da pressão ambiental na Europa e das ameaças vistas no governo Bolsonaro, a UE resolveu propor esse adendo ao capítulo —que é confidencial, mas foi vazada por uma ONG ambientalista europeia.

O consultor Pedro da Motta Veiga, membro do Observatório de Comércio e Ambiente da Amazônia (OCAA), acredita, porém, que a proposta da UE é praxe no continente e é mais leve do que parece: "A carta repete artigos do Acordo de Paris, por exemplo, e no final traz um box que propõe que, no futuro, os países sentem para discutir a eventual possibilidade de se prever sanções, sem usar essa palavra".

Ainda assim, o governo brasileiro considerou a proposta uma forma de imposição. "Um parceiro comercial não pode impor condições: 'Se você não fizer tal coisa vou te punir, se você não cumprir o acordo de Paris vou te punir'. Acontece que os países ricos não cumprem nenhum dos acordos", declarou Lula em live na terça.


"Não temos interesse em acordos que nos condenem ao eterno papel de exportadores de matérias-primas, minérios e petróleo"

Essa foi outra frase dita por Lula no Mercosul, que reflete sua visão de que o acordo concluído é desequilibrado. O texto prevê que os produtos europeus tenham tarifas de importação reduzidas no Mercosul (principalmente nos setores industrial, agrícola e alimentício) e que as exportações sul-americanas tenham preferência na UE.

Os presidentes Mario Abdo Benítez (Paraguai), Alberto Fernández (Argentina), Lula (Brasil) e Luis Lacalle Pou (Uruguai) durante cúpula do Mercosul em Puerto Iguazú, lado argentino das Cataratas do Iguaçu - Nelson Almeida/AFP

Hoje, metade dos produtos exportados pelo Brasil ao bloco são primários, com destaque para óleos brutos, café e soja, e a outra metade tem maior valor agregado, como o farelo de soja. Em troca, o país importa da Europa apenas produtos industrializados, como medicamentos e partes de veículos.

Pedro da Motta Veiga, da OCAA, opina que o Mercosul fez mais concessões porque tem mercados mais fechados. "Qualquer acordo que Brasil e Argentina assinem vai parecer desbalanceado, porque temos tarifas maiores para os produtos", diz. Ele também pondera que o Brasil exporta muito mais matérias-primas à China, nosso maior parceiro comercial, do que à UE —quase 80% da exportações ao gigante asiático são primárias.

A discussão é importante porque o bloco europeu ocupa o segundo lugar no mercado brasileiro. Por outro lado, o Brasil responde por 78% do comércio da União Europeia com o Mercosul. Apesar da guerra na Ucrânia e da pandemia, em 2022, o comércio entre ambos atingiu o maior valor nos últimos dez anos, com as nossas exportações ultrapassando as importações.


"Se a gente entregar as compras governamentais, o que vai sobrar para a [empresa] pequena e média brasileira?"

Esse é mais um dos argumentos de Lula, dito durante encontro com Nicolás Maduro em Brasília e em outras ocasiões. Ele se refere ao capítulo Compras Governamentais do acordo firmado em 2019, que garante "tratamento doméstico" a fornecedores estrangeiros contratados pelos governos dos países.

Como em qualquer acordo de livre comércio, porém, o dispositivo prevê limites e exceções. A abertura não vale, por exemplo, para compras de órgãos estaduais, municipais, empresas estatais e fundações públicas, além de equipamentos de construção, mineração, acessórios para caminhões, pesticidas, insumos estratégicos do SUS e programas de segurança alimentar.

Ela abarca licitações de bens inicialmente a partir de R$ 2,3 milhões e contratos de serviços de construção e concessões de obras públicas a partir de R$ 55 milhões —valores que se reduzem com a vigência do acordo. Alguns defendem que isso não afeta, portanto, pequenas e médias empresas, mas o governo vê prejuízos às indústrias.

Esse é um tema visto como crucial para o Brasil por corresponder a uma parcela significativa do PIB (Produto Interno Bruto) do país e por ser o mecanismo pelo qual o governo pode exercer suas políticas públicas para cumprir objetivos de desenvolvimento e redução de desigualdades.

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