Brasil quer compensações para produtos atingidos em acordo Mercosul-UE

Negociadores defendem maior equilíbrio nas cotas e concessões feitas pelo país

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Lisandra Paraguassu Anthony Boadle
Brasília | Reuters

O governo brasileiro quer uma compensação, no acordo comercial negociado pelo Mercosul com a União Europeia, nas cotas de exportação de produtos agrícolas que podem ser atingidas pela lei antidesmatamento aprovada pelo Parlamento Europeu, em uma resposta às exigências ambientais feitas pela UE.

Fontes brasileiras ouvidas pela Reuters afirmaram que uma reunião do Mercosul para avaliar a resposta a uma carta enviada pelos europeus deve acontecer em breve para que a retomada das negociações seja feita ainda este mês, mas o pedido brasileiro pode complicar as conversas.

Diplomatas brasileiros explicam que a "side letter" apresentada pelos europeus em março deste ano, somada à nova lei ambiental aprovada em abril deste ano, impactam diretamente o Brasil e distorcem as cotas de produtos agrícolas negociadas em 2019. Daí a intenção de pedir um reequilíbrio nas cotas concedidas.

O presidente Lula durante sessão com membros do Mercosul, na Argentina - Ricardo Stuckert -4.jul.2023/Divulgação

Um dos negociadores brasileiros disse à Reuters que a cobrança é pelo reequilíbrio das concessões. Se alguma concessão for retirada, ela precisaria ser compensada, segundo essa fonte.

A lei ambiental europeia prevê que seis produtos —carne, soja, madeira, café, cacau e óleo de palma— terão que ter comprovada origem de áreas livres de desmatamento de florestas equatoriais até 2020 para poderem entrar na UE. Sem o certificado, a exportação fica proibida.

O governo brasileiro reclama que a lei é direcionada diretamente ao Brasil e vai desequilibrar o sistema de cotas do acordo. Além disso, não existe uma distinção entre o desmatamento legal e o ilegal na legislação europeia, enquanto a lei brasileira prevê que na Amazônia Legal o produtor pode desmatar legalmente até 20% da sua propriedade.

O Brasil busca uma forma de compensar a cota em outro produto, ou permitir que o Mercosul também diminua a cota de exportação dos europeus, de acordo com as fontes.

Do lado europeu, de acordo com um diplomata ouvido pela Reuters, o movimento pedido pelo governo brasileiro poderia ter que levar à reabertura do capítulo de acesso a mercados do acordo fechado em 2019, o que pode levar a novas discussões envolvendo todo o acordo.

Uma segunda fonte diplomática brasileira reconheceu que existe um "risco" na posição do país, mas que tem se tomado muito cuidado para restringir ao máximo os pontos rediscutidos. A intenção não é reabrir o acordo, mas tratar de questões pontuais.

Procurados oficialmente pela Reuters, nem o governo brasileiro nem a União Europeia comentaram o tema, cujas renegociações ainda não começaram oficialmente.

A discussão ambiental não se restringe à questão da nova lei europeia. A carta enviada pelos europeus em março, com novas exigências ambientais e inclusão de sanções, irritou profundamente o governo brasileiro. O texto, negociado por meses entre os europeus, era direcionado ao governo de Jair Bolsonaro, mas foi apresentado apesar da eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em outubro do ano passado.

O texto vai além do determinado pelo Acordo de Paris e passa a incluir sanções pelo suposto não cumprimento de metas.

Na avaliação de um negociador brasileiro, o país não tem se recusado a discutir, mas quer que isso ocorra considerando o novo governo, umas vez que o texto anterior foi construído sob medida à gestão Bolsonaro.

Mas a expectativa é que essa negociação não seja tão difícil.

O diplomata europeu ouvido pela Reuters afirma que a UE reconhece o que está sendo feito pelo Brasil agora, e que os termos podem ser discutidos. Ainda assim, segundo ele, será necessário dar garantias para o futuro do país, e não para o governo no poder.

Existe um temor entre os europeus de um risco de volta do grupo de Bolsonaro ao poder.

Compras governamentais

Além da questão ambiental, outra discussão que deve tomar forma nas próximas reuniões é a decisão brasileira de alterar o anexo do país sobre as compras governamentais para excluir alguns setores, além de mexer no chamado "offset".

No acordo fechado em 2019, ainda no governo Bolsonaro, o Brasil cedeu nas compras governamentais e deixou apenas o setor de Defesa de fora do acesso aos europeus. Além disso, concordou com uma política que prevê o uso do "offset" —em que o governo que compra pode pedir no contrato questões como transferência de tecnologia— apenas nos primeiros oito anos do acordo.

A intenção do Brasil agora é retirar essa limitação para o "offset" e incluir outros setores em que não será possível para os europeus entrarem, como a área de insumos para saúde.

De acordo com os diplomatas ouvidos pela Reuters, a questão do "offset" e da política de compras faz parte de um desenvolvimento de indústria nacional que todo o mundo vem fazendo, especialmente depois da pandemia de Covid-19, em que fica mais evidente a dependência de outros países para produtos farmacêuticos e equipamentos.

A proposta brasileira ainda está sendo analisada pelos demais países do Mercosul e deve ter uma resposta na próxima reunião dos negociadores, mas o Itamaraty não prevê dificuldades entre os parceiros, já que cada país tem a sua proposta separada no anexo de compras governamentais.

Apesar dos vários pontos de atrito, ainda há uma expectativa, mesmo que pequena, de que o acordo possa ser fechado este ano. A primeira conversa com os europeus deve ocorrer no final deste mês ou no início de setembro.

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