Brasil tem de acelerar regulação para competir com Argentina no lítio, diz CEO de mineradora

Ana Cabral diz que decisão de Bolívia e Chile de nacionalizar mineral afugentou investidores

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São Paulo

Ana Cabral é presidente da Sigma Lithium, mineradora que mais extrai lítio hoje no Brasil, matéria-prima para a produção de baterias de veículos elétricos. Ela diz trabalhar 16 horas por dia desde 2018, quando assumiu o controle da empresa.

Cabral se diz ativista ambiental e aos 16 anos se filiou ao Partido Verde. "Sou economista de desenvolvimento e sei que para desenvolver o Brasil é necessário ter recursos naturais porque é por meio deles que é possível trazer investimentos para o país. Mas, se não fizermos isso em harmonia com a natureza, o modelo está falido", diz.

Ana Cabral, presidente da Sigma Lithium, mineradora que extrai lítio no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais
Ana Cabral, CEO da Sigma Lithium, mineradora que extrai lítio no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais - Carl de Souza/AFP

Nos últimos meses, a executiva vem se reunindo frequentemente com políticos. Na quarta-feira (2), por exemplo, encontrou-se pela primeira vez com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.

Dias antes, havia conseguido juntar o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), na cerimônia da primeira leva de exportação de lítio para a China.

Grande parte dessa agenda, segundo ela, é para convencer as autoridades de que o Brasil precisa acelerar suas políticas regulatórias para competir com países vizinhos, sobretudo a Argentina. O Brasil é hoje o quinto maior produtor de lítio do mundo; a Argentina é a quarta.

O país vizinho tinha até o ano passado 36 projetos em andamento. E isso, segundo analistas, é graças a incentivos que incluem uma garantia de 30 anos de estabilidade tributária, uma taxa fixa de royalties de 3% e concessões outorgadas por prazo indeterminado. As políticas liberais persistem até mesmo no governo do esquerdista Alberto Fernández.

"A Argentina está neste negócio desde 2015 com políticas incríveis de mercado. Eles vieram conscientes de que não têm dinheiro e que o que têm é para saúde, educação e saneamento. E, por isso, precisavam trazer políticas amigáveis de mercado e assim atrair investimentos", diz Cabral.

Conseguimos atravessar porque mostramos que é possível desenvolver recursos naturais, beneficiar, criar valor e gerar desenvolvimento social.

A janela é relativa à adoção do carro elétrico no hemisfério Norte. Sabemos que o aumento da demanda por lítio vai até 2030, mas ao mesmo tempo o preço do mineral já caiu 50% neste ano porque o lítio não é raro. Mesmo assim, o Brasil consegue passar na frente de toda a oferta porque o nosso lítio é verde e o preço é o mesmo.

O que faz do lítio extraído pela Sigma ser verde?
O nosso processo é zero carbono, zero barragem, zero químicos nocivos e praticamente toda a água é reutilizada. Em outros países, há barragem de rejeitos, químicos e problemas com a água.

O que faz o nosso lítio ser verde é o processo industrial. Não há químicos nocivos; não usamos ácidos para fazer a separação, purificação e granulação do lítio.

Além disso, temos de tratar a água que usamos, já que a do Rio Jequitinhonha, de onde captamos, é praticamente esgoto. Por fim, todo o nosso rejeito é empilhado a seco e, portanto, não há barragem [como havia em Brumadinho e Mariana, na extração de minério de ferro].

Sou economista de desenvolvimento e sei que para desenvolver o Brasil é necessário ter recursos naturais porque é por meio deles que é possível trazer investimentos para o país. Mas, se não fizermos isso em harmonia com a natureza, o modelo está falido

O zero carbono é em razão da compra de créditos?
Nós compramos só a sobra. O mercado, que critica a compra de crédito, está apaixonado por nós porque fizemos a lição de casa.

O setor gera 13 toneladas de carbono para cada tonelada de lítio; na salmoura [onde está o lítio do Chile, Bolívia e Argentina] são 3 a 5 toneladas. Nós conseguimos gastar 0,25 tonelada de carbono por tonelada de lítio, até por isso gastamos só US$ 700 mil [R$ 3,4 milhões] com crédito de carbono por ano, o que representa 1% do nosso custo operacional.

Em que posição o Brasil está na corrida do lítio?
A corrida do lítio é muito interessante porque hoje há uma curva de quebra de resistência do consumidor ao carro elétrico. Soma-se a isso o incentivo do governo americano de dar ao consumidor US$ 7.500 [R$ 36,5 mil] por carro comprado. Com isso, cria-se um mercado para além da China e da Europa.

Conseguimos inserir o Brasil numa cadeia onde ele não estava. E essa cadeia existe mundo afora, porque o lítio não é raro.

Na nossa região, existe lítio na Bolívia, no Chile, na Argentina e Canadá, e todos querem exportar para Estados Unidos e Europa. Conseguimos inserir o Brasil na cadeia pela porta da frente, dizendo que o lítio brasileiro é verde e que com ele não dá para concorrer.

Mas o que falta ao país?
O Brasil está concorrendo pesado para estabelecer o território nacional como território produtor. Por isso é importante o conceito de Vale do Lítio [programa do governo Zema pretende atrair mais mineradoras para o Vale do Jequitinhonha]; ninguém vai investir na cadeia se tiver apenas um produtor, ninguém quer lidar com monopólio.

A questão aqui é sobre quem vai chegar na frente para entregar o mineral limpo, seja lítio, cobalto, cobre ou níquel [minerais utilizados na fabricação de veículos elétricos]. Acontece que todos esses últimos são problemáticos no mundo em termos de processamento.

São minerais que têm um monte de carbono em sua cadeia, e aí você troca o diesel de um carro por uma tecnologia que gerou um tanto de carbono. Esse é o problema da indústria hoje.

A pauta que hoje temos com o governo federal é sobre ter um ambiente regulatório mais célere e moderno, porque o nosso concorrente é a Argentina, que já está bombando nesse mercado.

A Argentina está mais desenvolvida do que o Brasil neste setor?
Muito mais. A Argentina está neste negócio desde 2015 com políticas incríveis de mercado. Eles vieram conscientes de que não têm dinheiro e que o que têm é para saúde, educação e saneamento. E, por isso, precisavam trazer políticas amigáveis de mercado e assim atrair investimentos.

Antes de o nosso decreto [que liberou a exportação de lítio] ser publicado, a Argentina tinha recebido R$ 78 bilhões, e o Brasil, R$ 2 bilhões.

A cidade de Salta [onde o lítio é extraído na Argentina] não tinha nada e hoje tem até prédio. A gente fala que Araçuaí é Salta daqui a cinco anos. Vou nesta semana para a Argentina participar de um seminário sobre o assunto.

Se a Bolívia acelerar a extração do lítio, os preços do mineral não cairão drasticamente?
Há ausência de segurança jurídica na Bolívia. Isso porque eles exigem que as empresas façam uma parceria com o governo.

O mercado gravita para lugares onde há segurança jurídica, como Canadá, Argentina e Brasil. O Chile [segundo maior produtor de lítio do mundo] recentemente fez como a Bolívia, e os investimentos saíram de lá. Parte foi para a Austrália [maior produtora] e a outra estamos tentando captar.

Por que a Sigma optou por não transformar o espodumênio concentrado [produto final da Sigma, com 5% de óxido de lítio] em carbonato de lítio ou hidróxido de lítio, compostos químicos utilizados na fabricação de baterias, com maior valor agregado e exportados por Argentina e Chile?
A gente entrou no mercado para fazer algo socialmente e ambientalmente sustentável; o objetivo era agregar valor e desenvolver a região, entregando royalties. Hoje, empregamos mil pessoas, sendo 400 na obra de expansão e 500 na mina.

Se tivéssemos uma planta de produção de hidróxido, seriam apenas mais 25 empregos. Além disso, a poeira que é gerada durante a produção do hidróxido de lítio corrói a sua pele se você estiver suado. Não é trivial.

Circularam informações de que a Sigma poderia ser vendida para o bilionário Elon Musk, para uma mineradora chinesa ou para o fundo soberano da Arábia Saudita. Houve, de fato, essas conversas?
Somos a empresa mais cercada de rumores, e não posso falar sobre eles.


RAIO-X | ANA CABRAL

É sócia e cofundadora da A10 Investimentos, acionista controladora da Sigma Lithium, uma das maiores empresas de lítio do mundo. Tem mais de 25 anos de experiência em bancos de investimento globais em Nova York, Londres e São Paulo e mais de 15 como investidora. Já trabalhou nos bancos Pactual e Credit Suisse e no grupo Goldman Sachs

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