Descrição de chapéu Folhajus AGU

Diretores da Aneel protestam contra escolha de procurador, e setor vê fritura política

Para o mercado, disputa por vagas ocorre em vários organismos do setor de energia; pressão do MME na câmara de comercialização é um exemplo

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Brasília

Três diretores protestaram publicamente contra o processo de escolha do novo procurador da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). As manifestações ocorreram na abertura da reunião do colegiado nesta terça-feira (8). O grupo afirma que houve falta de transparência do diretor-geral, Sandoval Feitosa, por excluí-los do processo de discussões que definiu a indicação para o cargo.

Linhas de transmissão de energia elétrica; Aneel regula setor - 15.10.21- Marcello Casal jr/Agência

Apesar dos argumentos, a leitura entre os especialistas do setor é que a atípica polêmica envolvendo essa vaga técnica faz parte de um movimento político bem mais amplo, que parte do MME (Ministério de Minas e Energia), capitaneado pelo secretário-executivo da pasta, Efrain da Cruz.

Haveria interesse em indicar para o cargo Edson Holanda, que em maio chegou a ser nomeado diretor de Programa da Secretaria-Executiva do MME, mas já deixou a pasta. Também estaria no radar Thiago Zucchetti Carrion, que na gestão bolsonarista foi procurador-chefe da Procuradoria Federal Especializada junto ao Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).

Procurado pela reportagem, a assessoria do MME afirmou que a pasta não tem indicados para vaga na Aneel e que o secretário-executivo nega qualquer envolvimento na polêmica.

Quem puxou a crítica nesta terça foi o diretor Fernando Mosna, poucos minutos após o início da reunião. Ele qualificou o procedimento para a escolha do novo procurador como "punhalada nas costas". Destacou que não tem restrição contra o nome escolhido, mas contou que questionou o encaminhamento e pediu que a indicação fosse suspensa. Ao final da fala, avisou que estava se retirando da reunião.

Procurado pela reportagem, Mosna reforçou seu ponto de vista. "Não há busca por outro nome [para a procuradoria]. Questiona-se o processo. Há insatisfação com o diretor-geral por ter feito tratativas sem o envolvimento e a aprovação da diretoria."

Outro diretor, Ricardo Tili, pediu a palavra e reclamou que o diretor-geral o havia desrespeitado na véspera, por não recebê-lo para o encaminhamento de outra questão. Afirmou "não ter clima para qualquer deliberação" e também deixou o local.

O diretor Hélvio Guerra nem entrou na reunião. Segundo a Folha apurou, Guerra também se declara insatisfeito com o processo de escolha do procurador.

Como ficaram apenas Sandoval e a diretora Agnes da Costa, a reunião foi suspensa por falta de quórum.

O cargo de procurador-geral federal é estratégico nas agências reguladoras. Quem senta na cadeira deve coordenar um assessoramento jurídico imparcial nas divergências que envolvem milhões de reais, não raro bilhões, entre consumidores, empresas e o Estado. Por ser cargo técnico, as trocas de seus titulares ocorrem sem alarde.

A escolha cabe à AGU (Advocacia-Geral da União), que tem autonomia legal para escolher quem quiser, sem consultar a cúpula das agências.

Ex-diretores da Aneel consultados pela reportagem contam que o diretor-geral da agência até pode comentar a mudança na procuradoria em sinal de cortesia aos colegas, mas que não é obrigado a abrir uma discussão sobre esse tema.

Na divergência em curso, o atual chefe da Procuradoria Federal Especializada junto à Aneel, Luiz Eduardo Diniz Araújo, decidiu sair. Pretende atuar na iniciativa privada. Araújo comunicou a intenção para Sandoval e para a AGU.

Segundo a Folha apurou, o próprio advogado-geral da União, Jorge Messias, fez a escolha do novo procurador. Escalou Paulo Firmeza, que atuou como procurador na Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações). Sandoval foi chamado à AGU para tratar da questão na volta de suas férias, e os trâmites para a troca foram iniciados.

Os relatos na AGU são de que há muita tensão na Aneel, com uma disputa entre dois grupos, e que o melhor para a agência é um nome sem relação com nenhuma das partes. Ela comunicou oficialmente a escolha ao MME. Cabe à pasta enviar o nome para Casa Civil, que dá o aval definitivo para o nome.

Quem acompanha o inédito confronto na Aneel tem a leitura de que as divergências por vagas no setor de energia não vão parar por aí, e lembram outra disputa recente, que também surpreendeu.

Em abril, ocorreu pressão na mudança de cargos na CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), organismo privado que fecha as transações financeiras no setor. Integrantes do MME entraram em contato com dirigentes das empresas associadas pedindo mudanças de última hora. Uma candidata considerada favorita teve de renunciar para acomodar a indicação de Efrain da Cruz.

Disputas por cargos ainda travaram escolhas na EPE (Empresa de Pesquisa Energética), responsável pelos estudos que embasam o planejamento energético, balizando a necessidade de investimentos em diferentes fontes.

Já se espera emoção na seleção de indicados para outro organismo técnico, o ONS (Operador Nacional do Sistema), responsável pela coordenação do fluxo de energia e do abastecimento no sistema elétrico em nível nacional.

Para entender por que integrantes do setor interpretam a discussão como um movimento político maior também é preciso ter em mente o processo de indicação para as diretorias nas agências.

Apesar de os escolhidos terem experiência técnica, serem sabatinados no Senado e nomeados pelo presidente da República, cada um tem um padrinho, que pode ser um partido ou mesmo um político.

A cúpula da Aneel tem cinco integrantes —o diretor-geral e quatro diretores.

A única mulher, Agnes da Costa, foi sugerida pelo ex-ministro Bento Albuquerque. Hélvio Guerra é um nome do MDB, mas também teve apoio de Bento. Em outros momentos, já apoiou decisões de Mosna e Tili.

O diretor-geral Sandoval Feitosa é de longa data um outro nome do MDB, mas chegou ao posto máximo da Aneel indicado por um conterrâneo, o senador Ciro Nogueira (PP-PI), então ministro da Casa Civil do governo Jair Bolsonaro.

O posto de diretor-geral foi disputado por Efrain da Cruz. Ele foi diretor na Aneel de agosto de 2018 a agosto de 2022. Quando perdeu a disputa pelo cargo máximo na cúpula, não pode prolongar a permanência na agência.

Efrain era o indicado do senador Marcos Rogério (PL-RO). Como o senador perdeu a queda de braço para o então ministro, pode escolher dois diretores de uma vez só para a Aneel: Mosna, que era assessor do senador, e Tili, que é próximo de Efrain.

Com a mudança de governo, Efrain foi alçado a secretário-executivo do MME. Nome associado a defesa do gás, ele também ganhou assento como conselheiro na Petrobras.

Ao final do dia, a Aneel publicou nota destacando que a indicação do procurador-geral e sua nomeação são competências exclusivas do advogado-geral da União e do ministro da Casa Civil.

A exposição pública da divergência que já vinha nos bastidores foi recebida com preocupação por agentes do setor. O ex-diretor da Aneel Edvaldo Santana publicou em um rede social uma carta endereçada à diretoria, recomendando que preservem a instituição. "A Aneel, infelizmente, há pelo menos dez anos embrenhou-se num redemoinho político do qual não consegue sair", afirma.

O deputado federal Danilo Forte (União-CE), que já travou embates contra decisões da Aneel, publicou nota afirmando que a agência protagonizou "cenas lamentáveis" .

Ele aproveitou para defender a aprovação do Projeto de Decreto Legislativo 365/22, de sua autoria, que propõe uma reforma no modelo das agências, mas vem sendo combatido por especialistas por ser interpretado como uma ofensiva que pode comprometer ainda mais a autonomia desses órgãos.

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