Ex-ministro que viajou com joias mantém rede de influência no setor de energia

Bento Albuquerque fez indicações que aliados da Marinha tentam preservar

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Brasília e Rio de Janeiro

O almirante de esquadra Bento Albuquerque, cuja comitiva trouxe as joias da Arábia Saudita para o então presidente Jair Bolsonaro (PL), montou na área de energia uma ampla rede de influência, que se mantém até hoje.

Levantamento da Folha identificou que ao menos 25 indicados pelo ex-ministro e seus aliados, entre miliares da Marinha e técnicos, estão em postos importantes de 11 organismos, entre estatais, autarquias e até empresas privadas.

Ex-ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque; almirante de esquadra estabeleceu rede de contatos em estatais, autarquias e empresas privadas - Adriano Machado / Reuters

Bento Albuquerque comandou o MME (Ministério de Minas e Energia) de janeiro de 2019 a maio de 2022. O avanço de sua influência em tão pouco tempo é atribuído a mudanças na forma de o governo anterior gerir a área de energia.

Diferentemente do que ocorreu em outros mandatos desde a redemocratização, Bolsonaro não entregou a pasta a um partido e deu autonomia ao almirante. Ele nomeava quem quisesse e, depois, pedia ao nomeado que nomeasse outro colaborador, estendendo as conexões, contam pessoas da gestão bolsonarista.

A experiência pessoal também contribuiu, avaliam pessoas próximas. Bento Albuquerque foi assessor legislativo da Marinha, o que lhe ajudou a desenvolver relações e traquejo político.

O almirante caiu após o seu indicado a presidente da Petrobras, José Mauro Ferreira Coelho, contrariar Bolsonaro e anunciar reajuste nos preços dos combustíveis, seguido da divulgação de lucro recorde. Dado o ambiente, a percepção é que ele se recolheria. Mas ocorreu o contrário. Passou a ser visto com mais frequência nos encontros do setor.

Segundo relatos à reportagem de quem acompanha a sua trajetória, Bolsonaro mandou o almirante para o sacrifício para dar uma resposta política. No entanto, sempre gostou de Bento Albuquerque, que retribuía com constantes deferências.

Tanto é assim que ele foi mantido como conselheiro de Itaipu, apesar de a cadeira ser disputada. A remuneração é de R$ 37 mil mensais. Suas indicações, sejam políticas ou técnicas, também foram preservadas.

O ex-deputado federal José Carlos Aleluia, que ele colocou no conselho de Itaipu, permanece no posto. O advogado Mauro Henrique Moreira Sousa, que era da consultoria jurídica do MME, assumiu como diretor-geral da ANM (Agência Nacional de Mineração) em dezembro do ano passado, sete meses após a saída do almirante, agradecendo o seu apoio.

Ele sugeriu Marisete Dadald, sua secretária-executiva no MME, para o conselho de administração da Eletrobras, e assim foi mantido após a sua saída. Ficou intacta a indicação de Agnes da Costa, chefe da Assessoria Especial de Assuntos Regulatórios do MME e presidente do Conselho Fiscal da Petrobras, para ser diretora da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). Ambas são técnicas reconhecidas que conquistaram a confiança do ex-ministro.

Na campanha eleitoral, Bento Albuquerque era cotado para voltar ao governo. Em caso de reeleição, assumiria a ENBPar (Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional).

Essa nova estatal, que ele mesmo ajudou a criar para substituir a privatizada Eletrobras, é a controladora da Itaipu Binacional, do setor elétrico, e de estatais na área nuclear, monopólio da União, Eletronuclear e da INB (Indústrias Nucleares do Brasil).

A ENBPar é vista como uma extensão da Marinha e concentra pessoas de confiança de Bento Albuquerque. Entre eles estava o contra-almirante José Roberto Bueno Junior, protagonista dos primeiros esforços para reverter a apreensão das joias na Receita Federal do aeroporto de Guarulhos, em São Paulo.

Bueno, ex-chefe de gabinete de Bento Albuquerque no MME e também ex-secretário-executivo adjunto da pasta, foi empossado como diretor de Gestão Corporativa e Sustentabilidade da ENBPar em novembro do ano passado, quando Bolsonaro já tinha perdido as eleições. Foi exonerado pelo novo ministro do MME, Alexandre Silveira, em 7 de março, depois que se tornou pública a sua participação no caso das joias.

A assistente de Bueno era Valeria de Souza, ex-assessora de Bento Albuquerque no MME e, contam servidores, presença constante nas viagens que ele fez ao exterior.

O presidente da ENBPar, vice-almirante Ney Zanella dos Santos, também é pessoa próxima a Bento Albuquerque. Foi chefe da Assessoria Especial de Gestão Estratégica no MME. Com apoio do ex-ministro, Zanella também se tornou membro do conselho da ENBPar e dos conselhos de administração da INB e da Nuclep (Nuclebrás Equipamentos Pesados).

O assistente de Zanella na ENBPar é o comandante Alexandre Calmon, que foi assessor especial de Bento Albuquerque no MME.

A percepção de que a ENBPar é um porto seguro para os apoiadores de Bento Albuquerque na Marinha foi reforçada recentemente.

No início de março, Alex Lôbo Carlos foi integrado à assessoria da presidência da ENBPar saindo de Itaipu, onde era assessor do diretor-geral brasileiro, o vice-almirante da Marinha Anatalicio Risden Junior. A troca de posto foi interpretada no setor de energia como uma tentativa do grupo de Bento Albuquerque de preservar quadros.

A convite do ex-ministro, Risden se tornou diretor financeiro de Itaipu quado o governo começou. Em janeiro de 2022, com apoio de Bolsonaro, assumiu o comando brasileiro na Binacional. Entre os servidores de Itaipu, Risden e o contra-almirante Paulo Roberto da Silva Xavier, diretor Administrativo, formam a linha de frente de apoiadores de Bento.

Pessoas ligadas a Itaipu contabilizam 11 militares da Marinha ligados ao ex-ministro e seus indicados em Itaipu.

O relato que fazem é que, após a vitória de Lula, Risden buscou aproximação com petistas. Passagem pitoresca dessa empreitada foi a foto de seu caloroso abraço em Jorge Samek, ex-diretor-geral de Itaipu em gestões de Lula e Dilma. Eles se encontraram no Show Rural de Cascavel. Risden fez questão que registrar a imagem, que foi publicada na imprensa local e compartilhada nas redes sociais.

Executivos do setor de energia são categóricos em afirmar que Bento Albuquerque trabalhou para ampliar o espaço da Marinha no setor de energia.

De um lado, preservou representantes que já estavam no governo. O contra-almirante Carlos Henrique Silva Seixas, que Dilma colocou na Nuclep em 2016, por exemplo, permanece no posto. A área nuclear historicamente conta com apoio da Marinha e sempre foi prioridade para o ex-ministro.

Mas Bento foi ativo em abrir caminhos em outras frentes.

No setor de energia elétrica, indicou o engenheiro Luiz Carlos Ciocchi, colega de turma no Colégio Naval, para ser o diretor-geral do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico). Esse organismo privado monitora o fluxo de energia no sistema interligado nacional.

Na área de óleo e gás, escalou o contra-almirante Rodolfo Henrique de Saboia para ser diretor-geral da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis).

Atuou também pelas indicações do almirante de esquadra Eduardo Bacellar Leal Ferreira, que foi comandante da Marinha. Por influência de Bento Albuquerque, foi presidente do conselho de administração da Petrobras e hoje é vice-presidente do conselho da Braskem, petroquímica controlada pela estatal em parceria com Novonor, nova denominação do grupo Odebrecht.

O próprio Bento Albuquerque é conselheiro independente de outra empresa controlada pela Novonor, a construtora OEC.

Há sinais de que desmontar essa rede, a depender da patente e do cargo, vai exigir diplomacia do governo Lula.

Como as trocas na área de influência da Petrobras foram aceleradas, chegou à sua subsidiária Transpetro a determinação para desligar o almirante de esquadra Ilques Barbosa Junior, assessor da presidência. Barbosa é uma referência. Foi comandante da Marinha. Recebe cerca de R$ 50 mil na estatal e conta com alguns benefícios adicionais, como carro blindado.

Segundo a Folha apurou, o procedimento deu entrada pela manhã, mas à tarde veio a contraordem do Ministério da Defesa para interromper o processo.

Antes do escândalo das joias, a percepção entre executivos do setor de energia é que Bento Albuquerque já formava alianças no governo Lula. Em menos de um mês de gestão petista, Bento Albuquerque passou a ser reconhecido no setor de energia como conselheiro informal de Silveira, o atual titular do MME.

É consenso na área que o almirante referendou o engenheiro Bruno Eustáquio de Carvalho, seu secretário-executivo adjunto quando ministro, para ser o secretário-executivo de Silveira.

O nome foi vetado pelos petistas pelo fato de Eustáquio ter tido cargo de confiança na gestão bolsonarista, mas Silveira insiste em manter a indicação. Eustáquio foi visto várias vezes no prédio do ministério prestando apoio informal. Porém, passados quase três meses do novo governo, o MME segue sem secretário-executivo e, é consenso no setor, sofrendo de paralisia pela falta desse gestor vital.

Dado o embaraço com o caso das joias, o futuro de Bento Albuquerque e de seus aliados agora é considerado incerto.

Mudanças de cargos são graduais e alinhadas ao governo Lula, diz MME

Por meio de nota à Folha, o MME destacou que mudanças de cargos em estatais do setor, como a ENBPar, estão em curso, gradualmente, e são realizadas sem interferências de integrantes de outros mandatos.

"O MME rechaça a possibilidade de haver qualquer tipo de influência de administrações anteriores na formulação das equipes que compõem a pasta", afirma o texto. "Todos os nomes questionados pela reportagem estão em processo de substituição ou já foram exonerados, inclusive nas funções da ENBPar, assegurando a governança das empresas."

A nota diz que as alterações nos cargos do segundo escalão do MME e de empresas vinculadas buscam a valorização, sempre que possível, de funcionários de carreira. Afirma ainda que o processo de substituição é semelhante ao observado em toda a Esplanada, de maneira coordenada com o Palácio do Planalto, garantindo a troca de quadros anteriores por nomes alinhados com Lula.

"O ministro reafirma que não aceita qualquer tipo de influência ou pressões externas e que atua com total lealdade, seriedade e empenho para alcançar os resultados esperados pelo Brasil nos segmentos de Minas e Energia", afirma o texto.

A assessoria de imprensa do ONS destacou que a entidade representa mais de 500 agentes do setor e que o MME, por lei, pode indicar três integrantes da diretoria, incluindo o diretor-geral. O atual presidente foi indicado pela pasta em 2020 e aprovado em assembleia para um mantado que se encerra em maio de 2024. O mesmo procedimento validou Elisa Bastos Silva para o cargo de diretora de Assuntos Corporativos e Christiano Vieira da Silva para o cargo de diretor de Operação.

O Ministério da Defesa nega que tenha interferido nos trâmites da demissão do ex-comandante da Marinha na Transpetro.

ANP destacou que as indicações para a diretoria são realizadas pelo presidente da República e aprovadas pelo Senado após sabatina.

Em nota, a Nuclep destacou que o atual presidente foi mantido pelo bom desempenho e ascensão de resultados em sua gestão.

As assessorias de Bento Albuquerque, Itaipu, Aneel, Eletrobras, Novonor e Braskem informaram que não comentariam a questão dos cargos.

ANM, INB e Transpetro não retornaram até a publicação deste texto.

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