Descrição de chapéu juros Selic

Acabar com parcelado sem juros pode afetar a economia como um todo, diz relator

Alencar Santana faz mudanças em texto, mas sem mexer nas regras da modalidade de compra

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Brasília

Em meio ao impasse entre bancos e empresas de maquininhas na discussão sobre juros do rotativo, o deputado Alencar Santana (PT-SP) é taxativo: alterações no parcelamento de compras sem juros não estão em discussão. Para ele, acabar com a modalidade poderia afetar a economia como um todo.

Um dos vice-líderes do governo, o petista é relator do PL que trata do Desenrola Brasil, do programa de renegociação de dívidas, e do rotativo do cartão de crédito.

Em entrevista à Folha, o congressista explicou três mudanças feitas no texto, visando eliminar quaisquer dúvidas quanto ao conteúdo da matéria.

O deputado Alencar Santana (PT-SP), relator do PL que trata do Desenrola e que limita rotativo do cartão
O deputado Alencar Santana (PT-SP), relator do PL que trata do Desenrola e que limita rotativo do cartão - Vinicius Loures-30.ago.23/Câmara dos Deputados

O relatório tem como base o prazo de 90 dias para que as próprias instituições do sistema financeiro definam um patamar de juros para o rotativo e para o crédito parcelado.

A proposta precisará ser homologada pelo CMN (Conselho Monetário Nacional). Se o processo por autorregulação não funcionar, será aplicável um teto que limita a dívida ao dobro do montante original.

Conforme texto de Santana, essa decisão de mercado caberá não apenas aos bancos emissores de cartões de crédito, mas também a fintechs e varejistas, que são emissores de cartões pré-pagos.

Ele também deixa explícito que o crédito parcelado é a modalidade que se aplica sobre o financiamento da dívida do rotativo, no qual o saldo em atraso é dividido ao longo das próximas faturas do cartão.

A ideia é dissociar essa linha de crédito do parcelamento de compras sem juros, ponto central no embate entre bancos e empresas de maquininhas.

"De nossa parte, não trataremos e não mexeremos nisso [compras parceladas pelo cartão] de forma alguma", diz.

Outra mudança prevista estabelece que o CMN terá de revisar anualmente o limite da taxa de juros que será cobrada no rotativo do cartão de crédito.

Quanto ao conteúdo do Desenrola, ele defende a criação de um lote específico para contemplar os micro e pequenos empreendedores enquanto credores no leilão de descontos. O texto do projeto foi aprovado nesta terça-feira (5).

A discussão no plenário da Câmara foi dentro do previsto?
Quem estava apostando que ia mexer no parcelado ou que esses juros não iam dar certo acabou tendo uma certa surpresa. Apesar de o nível do debate talvez não ter sido tão aberto, escancarado, as pessoas compreenderam que há um abuso [no rotativo]. Há um sentimento social muito forte de que é algo muito abusivo. Esse foi o recado da Câmara.

Qual é a expectativa agora que o texto segue ao Senado? Pode voltar a ter pressão para mexer no parcelamento de compras sem juros?
Espero que aprove [do jeito que foi aprovado na Câmara], mas não falei com ninguém lá. Acho que meu projeto foi bem razoável, não foi intervencionista, mas garantiu parâmetros e uma consequência muito positiva [se não houver autorregulação]. É uma grande conquista. Pode voltar a ter pressão, nessas horas o poder se mexe e ninguém vê. Mas creio que o Senado não irá fazer isso [incluir o parcelamento de compras sem juros].

Como foi a construção do texto?
Foram apresentadas algumas emendas de plenário. Nós colocamos expressamente, além dos emissores de cartão de crédito, [referência a] instrumentos de pagamentos pós-pagos utilizados em arranjos abertos ou fechados, porque há grupos econômicos, as grandes varejistas, que têm a sua própria bandeira. Para deixar isso claro, estamos colocando que eles também são atingidos no limite dos juros.

Também estamos expressamente colocando [na redação] "parcelamento do saldo devedor das faturas". Estamos mudando uma pequena palavra, mas que tem de dar uma certeza maior para o objetivo da lei.

Também [inserimos] que haja uma análise anual da taxa de juros, uma espécie de revisão para, eventualmente, o CMN estar a cada ano se posicionando sobre o limite dos juros em relação ao cartão de crédito.

Essa revisão anual vai ser proposta pelas instituições e depois homologada de novo pelo CMN? Ou quem faz a revisão é o conselho?
O próprio conselho vai ter essa obrigação. Em tese, ele já pode fazer [revisão], no tempo em que ele quiser, mas estamos dando a obrigação de que pelo menos tenha isso anualmente.

Como fica o parcelamento de compras sem juros?
Nós não estamos tratando [disso]. Tiveram alguns setores que se movimentaram por isso, se manifestaram publicamente, mas a gente entende que é uma conquista da sociedade, nada vai afetar. Aliás, garante até a sensação econômica de estabilidade. Acabar com isso pode afetar a economia como um todo de uma certa maneira.

Os líderes da Câmara estão de acordo com isso?
Todos que se manifestaram para nós apoiam ter um limite nos juros e não mexer no parcelado. Não teve nenhum líder que disse o oposto.

Se isso fosse tratado inviabilizaria a própria aprovação do texto?
Se fosse tratado, não seria por mim. Eu não colocaria isso no projeto. Se fosse, alguém teria de apresentar alguma emenda de plenário, antipopular, e tenho muita dúvida se teria apoio da Casa.

Houve uma pressão para que o sr. desse o tempo de autorregulação?
São vários grupos [que integram o sistema financeiro]. Talvez o maior deles não queria que houvesse nem a intervenção nem o prazo. Quando se convenceu que o prazo seria uma medida posta, não queria a consequência. Mas aí se tem um prazo e não tem consequência, fica aberto. Então, eles toparam.

Eles quem?
A Febraban, por exemplo, se manifestou dizendo que seria uma medida muito ruim, uma medida dura, intervencionista. Entendo que não é intervencionista nesse caso. Intervenção seria se a gente taxasse de imediato. Por isso que vai ter uma consequência ali colocada.

Como foi essa definição do limite ao dobro da dívida no rotativo?
A gente ficou pensando em algumas alternativas, porque estava posto 8% no projeto original. Qual a saída seria mais simpática, não tão intervencionista? Esse foi o primeiro ponto.

Segundo ponto era que houvesse um limite razoável, bem menor do que está sendo praticado hoje e que tivesse algum tipo de parâmetro que não fosse afetado de maneira tão imediata com eventual alteração, por exemplo, da taxa Selic.

A gente não quis engessar. Lógico que a regra de aplicação para se chegar a esse valor do principal vai ter de ser discutida na regulamentação, que vai ser aplicada ao longo do tempo. E isso daqui é bom frisar, não é por um ano, é pelo teto da dívida.

Teve uma tentativa de delimitar a questão da dívida por um ano?
Houve tentativa de limitar, para que cada ano renovasse. No mês seguinte, 13º, por exemplo, iniciaria um novo ano podendo chegar a um novo 100%. Aí não teria sentido, continuaria quase na mesma para quem tem dívida a longo prazo.

Como foi a negociação acerca do relatório?
Alguns grupos procuraram para entender se seria esse o relatório final e se tinha risco de mudança, se podia entrar o parcelado. Continua essa interrogação para muita gente.

De nossa parte não trataremos e não mexeremos nisso de forma alguma. Se vier no plenário, é outra história. Mas acho também que não.

No Desenrola, como o governo vai definir os lotes e esse recurso [do FGO] vem do Pronampe, que estava ali para atender micro e pequenas empresas. Estamos deixando expresso que haverá um lote para micro e pequenas empresas.

O tamanho desse lote, a Fazenda vai delimitar. Qual o objetivo? Que ele também possa ser atendido na qualidade de credor.

Lote na hora do leilão?
É. Que ele tenha uma raia própria de competição. Ele competir com grande credor é muito desproporcional.

Como fica o Desenrola?
O resto é só ajuste de redação, porque o Desenrola já está em curso e não dá para mexer. Houve algumas sugestões de que se eventualmente discutisse a taxa de juros.

Conversamos com a Fazenda, mas o problema é que toda a estrutura do sistema já está pronta e não daria tempo de fazer uma revisão para ser executada até o final do ano.

A taxa estabelecida é de, no máximo, 1,99% ao mês. Se fosse alterá-la, seria para quanto?
Tiveram algumas propostas, como ter Selic mais uma variável. Mas não seria muito distante, até porque essa é maior. Portanto, a tendência da competição é ela [taxa] vir um pouco menor para gerar uma competição entre os bancos. Qual é o grande sentido do Desenrola?

A certeza do recebimento porque tem um fundo garantidor do outro lado. Se a operação não for quitada, alguém vai quitar. Então, o credor tem incentivo a um bom desconto. E o financiador dessa nova dívida também tem um incentivo a dar juro menor porque tem a certeza do recebimento.


RAIO-X

Alencar Santana, 47
Nascido em Guarulhos (SP), é formado em Direito pela Unip (Universidade Paulista) e deputado federal desde 2019. Atualmente vice-líder do governo na Câmara, já foi eleito vereador e deputado estadual. É relator do PL que trata do Desenrola Brasil e que limita o rotativo do cartão de crédito.

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