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Biografia de Elon Musk o pinta de médico do mundo e monstro como pessoa

Livro de Walter Isaacson o retrata como anarcocapitalista hipercompetitivo, messiânico e desconhecedor da empatia

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Gabriel Rocha Gaspar

Em uma noite de 2022, as Forças Armadas da Ucrânia tentavam explodir com drones submarinos a frota naval russa baseada em Sebastopol, na Crimeia. Para guiá-los ao alvo, usavam a Starlink, subsidiária de internet da SpaceX, companhia de exploração espacial de Elon Musk.

Desde o início da guerra, Musk fornecia infraestrutura de rede para salvaguardar a comunicação ucraniana, burlando a sabotagem do invasor.

Ao saber da ofensiva, ele tomou uma decisão estratégica militar: mandou desativar os satélites, inviabilizando o ataque. Temia que a explosão levasse a uma escalada do conflito. Provavelmente, estava certo. Mas quem é Elon Musk para decidir?

O bilionário Elon Musk, dono da Tesla, num carro da montadora em Pequim, na China - Tingshu Wang - 31.mai.2023/Reuters

"Quem é Elon Musk" é a pergunta sobre a qual se debruça o novo livro do biógrafo Walter Isaacson, cujo lançamento global será nesta terça-feira, dia 12.

Desfila pelas mais de 600 páginas um anarcocapitalista hipercompetitivo, pai fisicamente presente e emocionalmente ausente de dez filhos —entre eles, uma transexual comunista que renega o sobrenome—, um homem workaholic, messiânico e desconhecedor da empatia.

Nas palavras do autor, alguém que "desenvolveu uma aura que o faz parecer um alienígena, como se sua missão de chegar a Marte fosse um desejo de voltar para casa".

Ex-chefe da CNN e da revista Time, Isaacson é um jornalista e historiador com décadas de trânsito nas altas esferas de poder dos Estados Unidos, íntimo dos modos de pensar e agir dos Gates, Jobs, Musks e Kissingers.

Se a fluidez do texto e a apuração factual não deixam dúvidas quanto a seu talento de jornalista, o lado historiográfico é opaco.

A infância de Musk como um menino branco na África do Sul dos anos 1970, por exemplo, passa ao largo do apartheid —o biografado parece nem ver negros. E ao longo de todo o livro, só três interagem com ele: Kanye West e Azealia Banks, retratados como insanos, e Barack Obama, um nome-instituição.

Vozes femininas também são tímidas. A maioria delas não passa de termômetro dos humores voláteis do bilionário. Mas, justiça seja feita ao autor: esse é o mundo de Musk.

Apesar dessa moldura estreita, desde o início da carreira, o empresário diz mirar o avanço da "humanidade". Segundo Lucas Hughes, um funcionário da SpaceX, "Elon se importa com a humanidade num sentido bem mais amplo". "Amplo" é eufemismo; talvez a palavra precisa seja "abstrato".

Engenheiro excepcional, Musk não tem um repertório filosófico à altura de sua ambição. Durante a juventude, leu existencialistas, mas diante do pessimismo de Nietzsche e Heidegger, contentou-se em extrair sua visão utópica do "Guia do Mochileiro das Galáxias", citado 11 vezes ao longo do texto.

Fisicamente, ele parece desterritorializado; flana pelas linhas de produção da Tesla, exigindo cortes de gastos diretamente aos operários. Não há paisagens, a geografia é morta. E a sociedade, thatcheriana, um conjunto de indivíduos reunidos por ambições apresentadas como grandes aspirações humanistas, mas que se encerram em uma competitividade pueril, cravejada de piadas fálicas.

Contradições operam no nível interpessoal, sempre com arroubos de violência verbal por parte do protagonista. Quando não, extrapolam para um embate entre o arrojado Musk ícone pop, de um lado, contra a empoeirada casta empresarial e a burocracia do Estado, do outro.

Como o primeiro sai do confronto com renovado ar de irresponsabilidade cool, constrói-se um anti-herói da vida privada, anverso necessário para o herói da esfera pública.

Traço maior desse "heroísmo" público é o ímpeto colonizador: a ambição de aterrar em Marte e fazer do homem um ser multiplanetário. A contrapartida é o fim da Terra, que ele mitiga com o esforço pela transição energética. Mas, como não há sociedade, ele é incapaz de pensar soluções coletivas e faz do carro de luxo o pivô da revolução.

Rápido e direto, o texto lembra uma narração esportiva, o que permite dar tom de thriller aos parâmetros técnicos de uma câmara de refrigeração de combustível, por exemplo; e facilita a absorção dos métodos de um empresário que, numa era de financeirização e desindustrialização, prospera produzindo. Se isso inspirar outros a valorizar o produto mais do que a evasão fiscal, já valeu a pena.

Agora, não há super-homem. Há um capitalista esperto e megalomaníaco, sem pudor de esmagar qualquer pessoa no caminho de sua ascensão. Isaacson aceita a sociopatia, mas não a banalidade de seu rico biografado. E insiste em pintá-lo como gênio arquetípico de uma cultura self-made.

Assim, sacraliza sua classe, como se ela fosse a única vendedora da cura milagrosa para o apocalipse.

Elon Musk

  • Quando Lançamento nesta terça (12)
  • Preço R$ 99,90 (608 págs.); R$ 69,90 (ebook)
  • Autoria Walter Isaacson
  • Editora Intrínseca
  • Tradução Rogério W. Galindo
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