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Perda de atenção no mundo virtual atrapalha produtividade, diz livro

Best-seller do escocês Johann Hari mapeia como a aceleração da internet encolhe nossa concentração

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Juliana Nogueira
São Paulo

Impossível concluir a leitura de "Foco Roubado", do escritor escocês Johann Hari, sem sentir um profundo desconforto.

Primeiro, por perceber que o mundo acelera de tal modo que encolhe nosso espectro de atenção. Conforme diz o autor, isso põe em risco a própria democracia, já que uma população incapaz de sustentar a atenção perde a capacidade de identificar seus problemas reais, propor soluções e cobrar seus líderes, tornando-se alvo fácil para soluções autoritárias simplistas.

Depois, por perceber como diariamente caímos em todas as armadilhas que nos fazem perder nossa capacidade de concentração.

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O escritor escocês Johann Hari em 2018, quando fez pesquisa no Complexo do Alemão, no Rio - Simon Plestenjak - 26.nov.18/UOL/Folhapress

Hari é um jornalista que viajou 50 mil quilômetros, teve acesso a centenas de estudos científicos e entrevistou mais de 250 especialistas ao redor do mundo. Sua meta era descobrir quais fatores nos trouxeram ao estágio em que as pessoas se concentram apenas em vídeos de curta duração, leem textos concisos, comunicam-se por emojis. A qualquer direção que olhemos, todas estão vidradas na tela do celular.

Como parte de seu experimento, ele passou três meses em um quarto de hotel em Provincetown, em Massachusetts, com apenas um celular e um computador para digitar, sem acesso à internet. Queria observar os efeitos do detox digital em sua vida.

Descobriu que voltara a ser capaz de ler, escrever e passar períodos longos fazendo a mesma atividade. Mas Hari sabia que não era uma solução de longo prazo. Hoje, é impossível imaginar uma vida offline.

No campo de pesquisa, o autor passou ainda pelo Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, em 2018. Da mesma maneira que viu práticas inspiradoras de páginas usadas para conectar iniciativas da favela, viu os algoritmos serem usados para disseminar conteúdo raivoso, com muito mais chances de compartilhamento que as mensagens positivas.

Eram as vésperas das eleições presidenciais, as pessoas se informavam majoritariamente por meio de YouTube e Facebook, abrindo as portas para as fake news. O resto da história todo mundo conhece.

Entre uma série de fatores da vida contemporânea, a pesquisa conclui que a internet vem exercendo papel determinante na nossa capacidade de concentração. Para traçar a escalada da rede na vida das pessoas, Hari conversou com executivos que ajudaram a criá-la da maneira como é hoje.

O livro faz uma linha do tempo sobre a chegada da internet, passando pelos aplicativos, a atualização automática de emails, a rolagem infinita das páginas, as mudanças nas interfaces e as notificações. Sem que percebêssemos, fomos transferindo mais e mais tempo e atividades cotidianas para o ambiente digital, aumentando nossa dependência na tecnologia.

E qual o interesse dessas empresas no maior tempo de tela dos usuários? Além do modelo de negócios que fatura com anúncios, elas são capazes de registrar mais e mais informações sobre comportamento, interesses e hábitos.

Com esses dados em mãos, conseguem identificar vulnerabilidades, direcionar comportamentos e comercializar essas informações para que empresas sejam capazes de moldar sua mensagem às características desses usuários, configurando o chamado "capitalismo de vigilância".

Foi o que aconteceu na campanha eleitoral americana, quando a Cambridge Analytica comprou dados de quase 90 milhões de usuários do Facebook recolhidos desde 2014 para utilizar a serviço de Donald Trump.

O autor, porém, acredita que a falta de atenção vai muito além das escolhas individuais. Vivemos o que ele chama de cultura patogênica de atenção. E as grandes empresas do Vale do Silício têm responsabilidade direta nesse problema que considera sistêmico. Principalmente quando se observa o efeito devastador das redes sociais na capacidade de direcionar o foco.

Nosso cérebro vive uma constante avalanche de informações e a alternância constante entre uma tarefa e outra degrada nossa capacidade de focar apenas uma coisa. Se estamos concentrados em um relatório, mas paramos para ler rapidamente uma mensagem que entra, não perdemos apenas os cinco segundos de leitura. O cérebro leva um tempo maior para voltar ao ponto de atenção onde estava. Com isso, ficamos naturalmente mais lentos e perdemos produtividade.

Outro custo que assumimos ao acreditar que somos multitarefas é o chamado dreno de criatividade. Ou seja, o cérebro precisa de espaços vazios, sem estímulos, para conseguir estabelecer novas conexões a partir de coisas que você ouve e aprende. Precisa de tempo para divagar, juntar uma memória de infância, com um artigo lido no jornal e um fato observado na mesa ao lado. Sem esse tempo e esse espaço, não brotam novas ideias.

Há estudos indicando que a alimentação pobre de nutrientes e rica em açúcar causa picos e baixas de energia, comprometendo a capacidade de concentração. Outros relacionam a presença de poluentes no ar, especialmente o chumbo, usado nas tintas e nos combustíveis, a danos graduais no cérebro. Além de fatores como estresse, falta de sol, aumento na carga de trabalho, redução nas horas de sono.

São fatos prejudiciais à saúde como um todo, então o comprometimento na atenção é apenas um dos males causados. Todos eles estão relacionados à vida moderna.

Hari afirma que o crescimento econômico como princípio organizador da sociedade pressiona os limites da mente. Mas vai além: os limites ecológicos impostos pelo desenvolvimento também colocam em risco a questão climática, que não tem como ser resolvida sem uma sociedade capaz de adotar medidas e pensar profundamente em soluções.

Antes que a gente dê a causa como perdida, o autor propõe responsabilidades individuais que ajudam a reduzir o problema. Nos Estados Unidos, onde o livro é um best-seller, foi lançado um caderno de atividades, com lições que as pessoas podem seguir para fazerem sua parte na busca por concentração.

Algumas delas são bastante simples, como limitar o uso do telefone e da internet. Estabelecer horários no dia para checar mensagens, reduzindo assim a chance de dispersão. Desabilitar notificações, distraindo você de atividades que exigem mais foco.

Ler livros, preferencialmente livro físico, também ajuda, porque treina uma leitura linear por um período mais longo de tempo, enquanto nas telas somos condicionados a fazer um "scan" do texto. Ioga e meditação podem influenciar de maneira positiva, não por nenhum significado místico, mas porque ao fazer qualquer coisa de maneira mais lenta, o cérebro é treinado a manter a atenção.

Também é fundamental alimentar interesses que sejam capazes de tomar horas, sem olhar o relógio, possibilitando assim o chamado "estado de fluxo". Segundo o autor, ajuda a encontrar uma mina de foco dentro de si de maneira fácil e talvez até prazerosa.

E acostume-se a não fazer nada, abrindo espaço para a mente divagar. É no silêncio que conseguirá elaborar seus raciocínios. Quem sabe sua voz interior traga notícias melhores.

Foco Roubado

  • Preço R$ 74,90 (352 págs.); R$ 52,90 (ebook)
  • Autoria Johann Hari
  • Editora Vestígio
  • Tradução Luis Reyes Gil
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