Lula discute com Europa acordo com Mercosul em meio a incertezas com Milei

Ligação é feita um dia após vitória do novo presidente argentino, que é crítico do bloco comercial

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Brasília

O presidente Lula (PT) telefonou nesta segunda-feira (20) para a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, para tratar do acordo entre a União Europeia e o Mercosul. A ligação foi feita um dia após a vitória de Javier Milei na eleição para a presidência da Argentina, que gerou uma série de incertezas para o governo brasileiro na área econômica.

O novo líder do país vizinho é um crítico do Mercosul e um dos principais temores no governo brasileiro é de que a eleição dele prejudique o acordo sendo negociado entre os grupos.

Lula dá entrevista coletiva após reunião do G20, em Nova Déli
Lula dá entrevista coletiva após reunião do G20, em Nova Déli - Anushree Fadnavis/Reuters

Segundo membros do governo ouvidos pela Folha, a expectativa é de que as negociações avancem rapidamente nas próximas semanas na tentativa de viabilizar um desfecho para o acordo UE-Mercosul até 7 de dezembro, quando será realizada no Rio de Janeiro a 63ª cúpula de chefes de Estado do bloco, com a presença de Lula.

Essa é considerada pelos brasileiros a janela ideal para terminar a definição dos termos do tratado. Para um interlocutor a par das discussões, a eventual aprovação dos termos do acordo com os europeus poderia até trazer ganho político para Milei e ser usada pelo ultraliberal para ajustar sua narrativa depois de ter assumido a cadeira de presidente, no dia 10 de dezembro.

Por meio de nota, o Palácio do Planalto afirmou que a ligação para von der Leyen durou cerca de 30 minutos. "O governo brasileiro ocupa a presidência do Mercosul até o dia 7 de dezembro, e tem discutido com a União Europeia os pontos finais do acordo entre os dois blocos", diz o texto.

A nota cita, ainda, que Lula deve encontrar o presidente do governo da Espanha e atual presidente do bloco europeu, Pedro Sánchez, na próxima semana, durante a COP-28, em Dubai.

As tratativas pelo acordo UE-Mercosul seguem no nível técnico. Em outubro, os negociadores se dividiram em grupos temáticos para acelerar os trabalhos e deram sequência às discussões também de forma virtual. Um novo encontro presencial em Brasília está previsto para o fim desta semana.

Há ainda bastante cautela quanto à conclusão dos termos do acordo por causa de dois temas mais sensíveis nas negociações: compras governamentais e exigências ambientais. Alguns pontos pactuados em 2019 pelo então governo Jair Bolsonaro (PL) são alvo de críticas de Lula.

O chefe do Executivo afirmou em mais de uma ocasião que o Brasil "não abre mão das compras governamentais", porque elas serão "a possibilidade de desenvolver o médio e o pequeno empreendedor" do país.

Negociada oficialmente desde 1999, a parceria esbarra em novas condicionantes ambientais pedidas pelos europeus, além de haver divergências do governo brasileiro sobre prejuízos que as regras podem impor à reindustrialização do país.

A preocupação em relação ao acordo ocorre porque Milei, quando ainda era candidato, chegou a afirmar em entrevista que deixaria o Mercosul, em caso de vitória.

Durante a campanha, ele ainda disse que pretendia limitar o comércio com o Brasil. Hoje, a Argentina é o terceiro maior parceiro comercial do país, atrás apenas de China e Estados Unidos.

Milei também fez uma campanha marcada pela promessa de dolarizar a economia, processo que gera receios entre exportadores brasileiros.

Interlocutores da equipe econômica reconhecem que o triunfo de Milei traz mais incerteza para o cenário regional e para o avanço de acordos comerciais.

Apesar disso, alguns membros do governo brasileiro esperam que Milei suavize o discurso radicalizado quando assumir o posto. Na visão deles, o apoio que o vencedor do pleito recebeu no segundo turno de líderes da coalizão de centro-direita pode sinalizar que haverá mais moderação e pragmatismo de sua parte.

Há uma leitura, entre diplomatas e auxiliares palacianos, de que dificilmente vitória do ultraliberal representaria um retrocesso tão expressivo nas relações bilaterais entre os dois países, que já estariam consolidadas. A Argentina é o principal parceiro comercial na América do Sul.

Segundo o governo brasileiro, o Mercosul movimentou US$ 46,1 bilhões no comércio interno em 2022. Já o intercâmbio comercial com o restante do mundo foi de US$ 727 bilhões no ano passado, dos quais US$ 398 bilhões referem-se a exportações. Os principais destinos das vendas do bloco são China, Estados Unidos e Países Baixos.

Neste ano, de janeiro a outubro, o superávit comercial do Brasil com a Argentina chegou a US$ 4,75 bilhões. No período, as vendas para os argentinos cresceram 12,5% e atingiram US$ 14,9 bilhões, enquanto as importações caíram 7,1% e chegaram US$ 10,15 bilhões.

Além do risco para o Mercosul, politicamente a vitória de Milei também não foi boa para Lula. O então candidato chegou a receber apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e manteve uma retórica de ataques ao petista, a quem chamou de "corrupto" e ameaçou com a ruptura de relações com o Brasil.

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