Brasil vai perder arrecadação se não adotar imposto mínimo global, diz subsecretária da Receita

Governo discute mecanismo para assegurar cobrança mínima efetiva de 15% sobre lucro de multinacionais

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Brasília

A Receita Federal discute a implementação de um imposto mínimo efetivo de 15% sobre o lucro das multinacionais que operam no Brasil.

O objetivo é alinhar o país ao acordo firmado por cerca de 140 economias e que tem o apoio da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

Em entrevista à Folha, a subsecretária de Tributação e Contencioso da Receita, Claudia Pimentel, afirma que o órgão já trabalha em uma proposta para instituir a cobrança mínima, mas sua apresentação depende de discussões técnicas e de uma decisão política do ministro Fernando Haddad (Fazenda) e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Claudia Pimentel, subsecretaria de Tributação e Contencioso da Receita Federal, durante entrevista à Folha em seu gabinete, no Ministério da Fazenda - Pedro Ladeira - 04.mai.2023/Folhapress

A OCDE projeta uma arrecadação adicional de US$ 200 bilhões anuais com a cobrança do imposto mínimo em escala global. Os países poderão aplicá-lo sempre que os tributos efetivamente pagos por uma multinacional ou suas subsidiárias sobre o lucro ficarem abaixo da proporção de 15%.

Embora as companhias no Brasil hoje recolham uma alíquota nominal de 34%, somando o IRPJ e CSLL, a existência de benefícios fiscais pode fazer com que a carga efetiva fique abaixo dos 15%.

As próprias subvenções do ICMS, que Haddad propõe taxar para ampliar a arrecadação federal, contribuem para reduzir a alíquota efetiva sobre o lucro das empresas e abrem brechas para que outros países se apropriem da tributação.

"A gente deixa de arrecadar no Brasil, dando a possibilidade de essa diferença ser arrecadada nos países que implementaram", alerta a subsecretária.

"Reconhecendo que essas empresas, ao fim e ao cabo, vão ser tributadas em algum país, então por que abrir mão desse imposto e não fazê-lo [o recolhimento] aqui no Brasil?"

Como está a discussão do imposto mínimo global no Brasil?
Por causa das novas tecnologias e da digitalização da economia, grandes empresas conseguem atuar em outros países sem presença física, dificultando ou prejudicando a tributação da parcela de lucro auferida nessas jurisdições.

As discussões surgem no âmbito da OCDE nesse contexto. Alguns membros defendiam que o problema vinha da possibilidade de [a empresa] usar países com baixa tributação para se localizar e atuar em outras jurisdições.

Outros entendiam que, pelo fato de ela conseguir atuar na economia de um determinado país sem presença física, deveria ser reconhecido que o mercado teria direito a uma parcela desse lucro.

Como se decidiu resolver? Tentar tratar das duas situações. Então, criaram o Pilar 2, essa tributação mínima global de 15% efetiva. E tem o Pilar 1, a possibilidade de reconhecer que o país tem direito a uma parcela do lucro excedente de grandes multinacionais.

No contexto atual, é como se houvesse um deslocamento do lucro.
Pode ter também o "já que eu consigo atuar a distância, por que não atuar em um país que tem uma tributação mais favorecida [paraísos fiscais]?".

O Pilar 2 tenta endereçar trazendo a tributação mínima global de 15%. É uma alíquota efetiva. Como é feito esse cálculo? Pega o lucro contábil dessa entidade, com alguns ajustes, e verifica o imposto efetivamente recolhido. Se for abaixo de 15%, teria a tributação sobre o diferencial.

Vamos pegar um exemplo, uma entidade no Brasil que está tendo uma tributação efetiva de 12%, mas ela tem uma holding, uma controladora ou empresas do próprio grupo situadas em outros países que implementaram o Pilar 2.

Caso o Brasil não tribute essa diferença do 12% até os 15%, esses países poderão capturar isso. E, a partir de 2024, muitos estão implementando. Países da Europa, Coreia do Sul, Japão e muitos outros. E ainda que o país não adote, tem mecanismos para capturar essa diferença por outras entidades do grupo [como subsidiárias].

Isso significa que, se o Brasil não rever sua estrutura de tributação, vai começar a perder dinheiro?
Exato. A gente deixa de arrecadar no Brasil, dando a possibilidade de essa diferença ser arrecadada nos países que implementaram.

Como a Receita Federal vai fechar essa brecha?
Uma das formas seria instituir o imposto mínimo global de 15%. Você verifica entidades de multinacionais que estejam aqui, com matriz aqui ou fora, que tenham uma tributação efetiva abaixo de 15%.

O próprio Brasil já tributaria. Reconhecendo que essas empresas, ao fim e ao cabo, vão ser tributadas em algum país, então por que abrir mão desse imposto e não fazê-lo [o recolhimento] aqui no Brasil?

O governo vai instituir esse imposto?
A Receita Federal tem um grupo estudando e desenvolvendo a legislação, para quando tiver a decisão política do ministro, do presidente.

Alguns mencionam que a alíquota do Brasil [de impostos sobre o lucro] já é 34%, então teria pouca diferença, mas a gente sabe que não é verdade. Temos vários benefícios fiscais ou possibilidades de dedução da base de cálculo.

A própria discussão da subvenção para investimento [do ICMS] acaba por reduzir a base de cálculo de empresas, pode ter uma alíquota efetiva abaixo de 15%. Isso vai acabar sendo capturado em outros países.

Já se sabe quantas multinacionais se enquadram na situação e quanto será arrecadado?
Não, a gente ainda está fazendo o estudo.

Multinacionais com muitos benefícios fiscais de Imposto de Renda seriam as potencialmente afetadas?
Sim, principalmente quando esses incentivos são de redução da base de cálculo. Tem alguns benefícios que não afetam tanto, como quando é temporário. Ou quando é concedido um crédito fiscal do Imposto de Renda, que pode ser compensado com outros tributos ou restituível em até quatro anos. Nesse caso, o Pilar 2 reconhece isso como uma tributação. Não vai ter impacto.

Em relação aos incentivos fiscais que são efetivamente uma dedução da base, eles afetam porque você vai recolher menos imposto, e quando compara com o lucro contábil, acaba chegando a uma tributação efetiva mais baixa.

Por isso, se você quer manter um benefício, mas a alíquota efetiva pode ficar abaixo, o ideal seria migrar para o formato de crédito fiscal. Ele foi preservado [do imposto mínimo global] por ter a qualidade de maior controle e transparência. É muito fácil rastrear e controlar quando está sendo destinado para aquela empresa do que quando você simplesmente permite uma dedução.

O Brasil vai ter de rever a sua estrutura de incentivos fiscais?
Exato. Vai ter de rever. Se não, você pode estar dando um incentivo que está sendo, na verdade, tributado em outro país. Não é só o Brasil. É recomendação que todos os países façam isso. O Brasil tem de fazer o dever de casa.

O imposto pode ser proposto por medida provisória ou projeto de lei?
Sim, é preciso de um instrumento com força de lei. Então poderia ser um projeto de lei ou uma medida provisória.

Para não perder dinheiro já em 2024, teria de ter uma decisão política ainda neste ano?
Sim. E, claro, depende da tramitação do Congresso. Mas ainda está em estudo. Estamos também no contexto de outras reformas, está tudo junto.

O Brasil só deve conseguir implementar a partir de 2025?
Daria mais conforto. Porque teria a questão da anterioridade [antecedência anual para aprovação de mudanças no IR].

Já vemos um debate acalorado na tributação das subvenções. Esperam resistência ao imposto mínimo global?
É difícil fazer essa avaliação. Num cenário em que há muitos países caminhando nessa direção, isso pode ser um facilitador. Porque, ao fim e ao cabo, ou vai pagar aqui, ou vai pagar lá fora. Não vai deixar de se arrecadar esse imposto. Ele só vai deixar de ser arrecadado aqui. E a gente tem de reconhecer que o Brasil precisa desses recursos.

Se o Congresso aprovar a tributação das subvenções, reduz a diferença para a alíquota efetiva de 15%?
Sim. Se não tiver o benefício, a tendência é que a alíquota efetiva vai estar acima [do que é hoje]. Mas a gente reconhece que os benefícios fiscais são necessários em algumas áreas. Se quer incentivar um investimento, uma ampliação, o emprego, é válido.

O que tem de ser avaliado é a melhor forma, para não ter esse impacto de a empresa não ter o benefício, porque ela está deixando de pagar aqui, mas está pagando [o imposto mínimo] lá fora. Se der o incentivo com redução da base de cálculo do IRPJ, pode haver essa diferença.

Se o imposto mínimo for implementado, haverá muito litígio?
Acho que não. A gente está construindo a legislação da forma mais segura possível. E, se gera o litígio e não recolhe aqui, vai recolher provavelmente lá [em outro país]. [O custo judicial] Só vai se somar.


RAIO-X

Claudia Pimentel, 59
É graduada em engenharia mecânica e direito, possui mestrado em direito tributário. Auditora fiscal da Receita Federal do Brasil desde 1997. Ocupou diferentes cargos de coordenação técnica no órgão. É subsecretária de Tributação e Contencioso na Receita Federal e representa o Brasil em fóruns ligados ao projeto Beps, contra a erosão da base tributária e transferência de lucros, no âmbito da OCDE

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