Lula veta desoneração da folha; Congresso e empresários reagem

Decisão foi publicada em edição extra do Diário Oficial; medida aliviaria tributos para 17 setores até 2027

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Brasília

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou na íntegra a prorrogação da desoneração da folha de pagamentos para 17 setores da economia. A decisão representa uma vitória do ministro Fernando Haddad (Fazenda).

A medida antecipada pela coluna Painel S.A levou a reações entre congressistas. Em resposta, deputados e senadores tendem a derrubar o veto de Lula.

Empresários dizem temer pelo aumento do desemprego. Economistas elogiam a decisão do presidente em razão do impacto do benefício fiscal para as contas públicas.

Lula durante reunião de coordenação para a presidência brasileira do G20, no Palácio do Planalto - Pedro Ladeira/Folhapress

A proposta, de iniciativa do Congresso, foi aprovada pelo plenário do Senado no fim de outubro após passar pela Câmara. O governo tinha até esta quinta-feira (23) para tomar uma decisão e foi totalmente contrário ao texto.

O veto foi publicado em edição extra do DOU (Diário Oficial da União) desta quinta, às 23h53.

O chefe do Executivo seguiu a orientação dos Ministérios da Fazenda e do Planejamento, para quem a proposta seria inconstitucional por criar renúncia de receita sem apresentar impacto e por ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal.

"Em que pese a boa intenção do legislador, a proposição legislativa padece de vício de inconstitucionalidade e contraria o interesse público tendo em vista que cria renúncia de receita sem apresentar demonstrativo de impacto orçamentário financeiro para o ano corrente e os dois seguintes, com memória de cálculo, e sem indicar as medidas de compensação", diz trecho do DOU.

Segundo pessoas que participaram da última reunião sobre o tema no Palácio do Planalto, Lula aderiu aos argumentos de Haddad em defesa do caixa da União para o cumprimento da meta fiscal de 2024.

A desoneração custa R$ 9,4 bilhões ao ano. Além disso, deputados e senadores estenderam o benefício para prefeituras, reduzindo a contribuição previdenciária de municípios.

O ministro já havia conseguido neste mês convencer o governo a perseguir o déficit zero, mas tem encontrado dificuldades em aprovar medidas para elevar a arrecadação. Mais dinheiro é fundamental para atingir o objetivo.

Na visão do Ministério da Fazenda, a desoneração iria na contramão da tarefa, ao reduzir receitas federais. Até o ano passado, as desonerações retiraram cerca de R$ 140 bilhões aos cofres públicos.

"Você vai criar uma nova renúncia fiscal, sem lastro, sem repor. Como é que vai ficar o déficit da Previdência? Então, é uma questão de razoabilidade. Não estou pedindo nada que não seja razoável. E estou me colocando à disposição, também", disse Haddad sobre a proposta em agosto.

O Ministério da Fazenda vinha argumentando ainda que a medida seria inconstitucional porque, desde a reforma da Previdência, seria vedado adotar iniciativas para reduzir a arrecadação para aposentadorias.

Por outro lado, congressistas afirmam que a medida gerou alívio para as empresas e rendeu R$ 10 bilhões em arrecadação, considerando o acréscimo de mais de 620 mil empregos nos setores contemplados.

O Palácio do Planalto, no entanto, resistia à ideia do veto por causa do desgaste político e do possível impacto para as empresas.

Na quarta-feira (22), o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse que a decisão seria tomada com base "na constitucionalidade". "Durante toda a tramitação, os líderes [do governo] foram claros em dizer que governo analisaria questões constitucionais", disse.

A proposta aprovada pelo Congresso permite que os setores desonerados paguem alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta, em vez de 20% de contribuição sobre a folha de salários para a Previdência.

Para buscar compensação à prorrogação da desoneração, o projeto também estende, pelo mesmo período, o aumento de 1% na alíquota da Cofins-Importação. Pela lei atual, a regra valeria até dezembro.

No caso dos municípios, o texto reduz de 20% para 8% a contribuição ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) das prefeituras que não têm regimes próprios de Previdência. A regra vale para cidades com até 142,6 mil habitantes.

A desoneração da folha começou por meio de MP (medida provisória) do governo Dilma Rousseff (PT), em 2011, e teve sucessivas prorrogações e ampliações.

Os 17 segmentos contemplados pelo projeto da desoneração da folha são calçados, call center, comunicação, confecção e vestuário, construção civil, empresas de construção e obras de infraestrutura, couro, fabricação de veículos e carrocerias, máquinas e equipamentos, proteína animal, têxtil, tecnologia da informação, tecnologia de comunicação, projeto de circuitos integrados, transporte metroferroviário de passageiros, transporte rodoviário coletivo e transporte rodoviário de cargas.

Dilma, após o impeachment, já chamou a medida de equívoco. Além disso, diferentes ministros da área econômica se posicionaram de forma contrária à desoneração ao longo dos anos.

A proposta chegou a ser classificada como "uma droga" na gestão Michel Temer (MDB). O ex-ministro Paulo Guedes (Economia) também era contrário à medida para os setores, preferindo uma desoneração geral sobre a folha atrelada a uma reforma tributária.

De acordo com integrantes do Planalto, o governo já foi avisado por parlamentares que a decisão de Lula será derrubada —se possível, já na próxima sessão do Congresso.

O relator da proposta no Senado, Angelo Coronel (PSD-BA), afirmou que vai atuar contra a iniciativa do governo.

"Da mesma maneira que o presidente da República tem o direito de vetar qualquer projeto aprovado no Congresso, o Congresso também tem o direito de derrubar esse veto. É o que nós vamos trabalhar para acontecer", disse.

"Porque são 17 segmentos da economia, que geram 9 milhões de empregos, que ficarão prejudicados. Bem como 5.000 prefeituras que estão à beira da falência", afirmou Coronel.

O senador Efraim Filho (União Brasil-PB), autor da proposta e líder da sigla na Casa, lamentou a decisão e a chamou de incompreensível. "Vamos, a partir de amanhã, já começar a trabalhar a derrubada do veto para que possamos não deixar o Natal com muita preocupação para quem trabalha e empreende no Brasil", disse.

As 17 associações empresarias beneficiadas defendem a manutenção da desoneração. Segundo elas, além de aumentar o emprego formal, houve incremento da competitividade desses setores na economia.

ECONOMISTAS DEFENDEM VETO, SETORES FALAM EM PERDA DE EMPREGOS

A reação ao veto uniu empresários e centrais sindicais. Segundo o Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo), o veto é prejudicial às empresas, à economia e aos trabalhadores, pois representa um risco para numerosos postos de trabalho e investimentos.

"A sanção da medida seria crucial para os 17 setores abrangidos, os maiores empregadores do país, e seus recursos humanos", frisou, em nota.

"As empresas esperavam a decisão de Lula para completar seu planejamento referente ao novo ano, inclusive quanto às contratações, que agora ficarão mais difíceis com o aumento dos custos trabalhistas", afirmou Rafael Cervone, presidente da entidade.

Já a Fiemg (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais) avaliou o veto como ameaça à estabilidade econômica.

Para o presidente da federação, Flávio Roscoe, a desoneração contribui com a competitividade da indústria nacional, a formalização do mercado de trabalho e para a redução das disparidades tributárias.

"O veto poderá resultar na redução de mais de 1 milhão de postos de trabalho no Brasil, acarretando uma perda anual superior a R$ 33 bilhões em massa salarial. Isso vai desencadear demissões em larga escala, com repercussões diretas e indiretas na renda de milhares de famílias, ao mesmo tempo em que colabora para o aumento dos preços de diversos produtos na economia brasileira", disse Roscoe.

Segundo Haroldo Ferreira, presidente da Abicalçados (Associação Brasileira das Indústrias de Calçados), a reoneração vai trazer um impacto de R$ 720 milhões por ano, aumentando o custo para a indústria, a gente perde a competitividade tanto no mercado interno quanto nas exportações.

"Podemos ter uma perda de 20 mil postos de trabalho no primeiro ano, somente na indústria calçadista. Já estamos a partir deste momento trabalhando com a nossa frente parlamentar para derrubar o veto no Congresso, só nos resta isso. Onerar os setores que mais empregam no país", diz.

A CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção) disse, em nota, lamentar o veto presidencial e que a decisão implica diretamente na redução de postos de trabalho e vai na contramão da necessidade do país de geração de emprego.

"O setor produtivo precisa de segurança jurídica e previsibilidade para contribuir com a geração de emprego e renda e com a competitividade do país", disse o presidente da entidade, Renato Correia.

"Foi uma surpresa, até porque sabemos que as consequências virão para o lado mais fraco. Eles ainda devem dar mais detalhes, a Fazenda parece ter saído vitoriosa dessa briga ou a Faria Lima", diz Miguel Torres, da Força Sindical.

No entanto, para Samuel Pessôa, pesquisador do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) e colunista da Folha, o veto parece correto. "A desoneração da folha é uma política que não atingiu os resultados almejamos. Precisa ser desfeita."

Em coluna recente, ele escreveu que "a desoneração da folha de salários se mantém como uma política pública somente devido à ação dos grupos de pressão que defendem o interesse localizado à revelia do interesse coletivo".

O também colunista da Folha e pesquisador associado do Insper Marcos Mendes concorda que o veto é correto e que a política é cara e ineficaz.

Segundo ele, o argumento de preservação de empregos não se sustenta. "Trata-se de puro lobby dos beneficiários. Vários estudos demonstram a ineficácia dessa política."

Colaboraram Marianna Holanda, Thaísa Oliveira e Victoria Azevedo, de Brasília, e Douglas Gavras, de São Paulo

Erramos: o texto foi alterado

Os ministérios da Fazenda e do Planejamento consideraram a desoneração inconstitucional por criar renúncia de receita (e não de despesa, como dizia versão anterior deste texto) sem apresentar impacto e por ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal.

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