Descrição de chapéu Banco Central

Meta fiscal de 2023 fica mais apertada após BC ver resultado pior que o Tesouro

Aumento de despesas e frustração de receitas consomem folga na reta final deste ano

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Brasília

Enquanto persiste a discussão sobre o destino da meta de déficit zero em 2024, uma conjugação de frustração de receitas e aumento de despesas deixa mais complexo o cenário para o cumprimento do alvo também em 2023.

A LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) autoriza um rombo de até R$ 216,4 bilhões, o que corresponde a 2% do PIB (Produto Interno Bruto).

Em seu discurso de posse, o ministro Fernando Haddad (Fazenda), porém, disse não aceitar um resultado "que não seja melhor do que os absurdos R$ 220 bilhões de déficit previstos no Orçamento".

Haddad traçou a meta informal de um déficit de até 1% do PIB no primeiro ano do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em setembro, a avaliação bimestral do Orçamento já indicava cenário adverso, com déficit de R$ 141,4 bilhões (equivalente a 1,3% do PIB).

Secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, em anúncio do novo arcabouço fiscal - Diogo Zacarias - 30.mar.2023/Divulgação/Ministério da Fazenda

Agora, um repasse bilionário para estados e municípios, a frustração da arrecadação e uma divergência de números com o Banco Central —órgão responsável pelo cálculo oficial das estatísticas de contas públicas— podem deixar o rombo mais próximo daquele traçado oficialmente para este ano.

Na avaliação de setembro, o governo dizia ter uma folga de R$ 75 bilhões em relação à meta fiscal. Cálculos de economistas apontam um valor levemente maior, de R$ 78 bilhões.

Fatores de pressão elencados em recente entrevista coletiva pelo próprio secretário do Tesouro, Rogério Ceron, e a divergência estatística com o BC podem levar a uma piora de R$ 71 bilhões a R$ 76 bilhões.

No limite, a margem pode ser de R$ 2 bilhões ou até mesmo negativa –sem incluir na conta o risco de uma queda da arrecadação ainda mais acentuada até o fim do ano.

O aperto ficou mais claro nesta quarta-feira (8), quando o BC expôs a discrepância com o Tesouro Nacional no cálculo do resultado primário.

Essa diferença chegou a R$ 28,1 bilhões em setembro, a maior de toda a série histórica e classificada como "altamente incomum" pelo chefe do departamento de Estatísticas da autoridade monetária, Fernando Rocha.

Desse total, R$ 26 bilhões são recursos do PIS/Pasep (Programa de Integração Social e do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público) "abandonados" há mais de 20 anos.

O Tesouro segue a redação de uma emenda constitucional para considerar o valor como receita primária. O BC diz que o resgate das contas não representa esforço fiscal e, seguindo metodologia alinhada a padrões internacionais, descontou o valor do primário.

"Essa operação do PIS/Pasep está integralmente considerada nas duas estatísticas [...]. A diferença é que ela foi classificada de forma diferente, com metodologias diferentes. Essa é a origem da discrepância", disse Rocha.

"Esses recursos de titularidade de pessoas físicas parados em conta corrente há mais de 20 anos, que foram incorporados à União por determinação constitucional, são claramente valores que não representam esforço fiscal despendido no período em análise, nos termos do nosso manual de estatística."

A reclassificação do BC muda drasticamente o resultado em relação ao apresentado pelo governo.

O Tesouro informou um superávit de R$ 11,5 bilhões nas contas do governo central (que incluem Tesouro, INSS e Banco Central) em setembro. Para o BC, que não contabiliza os valores, ocorreu um déficit de R$ 16,5 bilhões naquele mês.

Embora os recursos apropriados do PIS/Pasep não entrem na conta do BC como resultado primário do período, eles são considerados integralmente no impacto de redução do endividamento público, tanto líquido quanto bruto.

Especialistas lembram que Tesouro e BC podem travar a discussão técnica que quiserem, mas, para efeito prático no resultado primário, o que vai valer na contagem final é o cálculo do BC.

Rocha também confirmou que a estatística oficial para verificação do cumprimento da meta fiscal é de responsabilidade da autoridade monetária.

A economista Vilma Pinto, diretora da IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado, vem comparando as projeções para o fiscal previstas na LOA (Lei Orçamentária Anual) com os resultados apresentados nos relatórios de avaliação de receitas e despesas primárias a cada bimestre.

Até o quarto relatório, o governo tinha uma folga de R$ 78 bilhões para cumprir a meta prevista. "Não dá para dizer que o cenário mudou a ponto de levar ao descumprimento da meta, mas o espaço fiscal diminui", afirma ela, que ainda não concluiu as estimativas.

Além da divergência envolvendo os recursos do PIS/Pasep, outras alterações relevantes vão pesar no resultado primário nos próximos meses.

Em entrevista coletiva no fim de outubro, para anunciar os dados fiscais de setembro, Ceron elencou fatores que podem piorar o resultado primário de R$ 45 bilhões a R$ 50 bilhões neste ano.

Segundo o secretário, só a antecipação de repasses a estados e municípios pode gerar uma despesa extra na casa dos R$ 20 bilhões.

Os valores são uma compensação pelas perdas dos governos regionais após o Congresso, apoiado pelo governo Jair Bolsonaro (PL), limitar as alíquotas de ICMS sobre combustíveis, energia, transporte e telecomunicações.

Em meio à penúria das prefeituras e a demanda por um socorro federal, o governo Lula aceitou antecipar a parcela que seria paga em 2024 —o que tira pressão da meta fiscal do ano que vem, mas consome a folga que existia em 2023.

Ceron também alertou que pode ocorrer uma frustração de receita de R$ 25 bilhões a R$ 30 bilhões, graças a uma menor pressão do câmbio e da inflação medida pelo IGP (Índice Geral de Preços), bastante influenciado pelos preços de commodities e bens industriais.

Embora os fatores possam ser positivos para a economia, sua redução acaba tendo efeito negativo sobre a arrecadação de royalties e tributos.

Nesta conta ainda não está incluída a queda na arrecadação de outros impostos federais, que se acelerou neste final de ano e pode trazer novas frustrações de receita.

"Pelos dados da Receita Federal, todas as bases tributárias, exceto a tributação sobre faturamento, estão apontando para baixo", diz Gabriel Leal de Barros, sócio e economista-chefe da Ryo Asset.

"Ainda não incorporei o quanto isso vai representar na projeção de receita do governo, pois tem muita premissa heroica, inclusive o PIB de 3,2% e preço de petróleo a US$ 84 o barril", afirma.

Apesar dos riscos de piora no primário, o governo conta um fator que pode contribuir no sentido inverso e diminuir o tamanho do déficit: o chamado empoçamento de recursos.

Embora a gestão petista defenda mais gastos, ministérios têm as verbas liberadas, mas não conseguem executá-las por falhas de projeto ou pendências burocráticas. A ineficiência da máquina pública federal deixa tradicionalmente uma parte do dinheiro represada.

O consultor de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados Ricardo Volpe lembra que, quanto mais distante o resultado ficar da meta deste ano, mais difícil será alcançar a meta de resultado zero em 2024.

"As receitas em 2023 não estão vindo como o governo esperava, e há perdas, e as despesas estão crescendo em termos reais. O governo previa ficar perto de um déficit de R$ 100 bilhões, mas, o déficit já está na cifra de R$ 150 bilhões, tendendo à meta prevista na lei LDO de 2023", afirma Volpe.

"Quanto mais longe o governo ficar da meta deste ano, mais difícil será cumprir a meta de resultado primário zero [em 2024]", diz.

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