STF deve liberar governo para regularizar precatórios, mas Barroso segura julgamento

Presidente da corte quer costurar acordo com demais ministros; governo teme impacto negativo de mal-estar provocado por PEC no Senado

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Brasília

O STF (Supremo Tribunal Federal) deve liberar o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para regularizar o estoque de sentenças judiciais represadas por um teto para precatórios instituído em 2021, sob a gestão de Jair Bolsonaro (PL).

A tendência hoje, segundo ministros ouvidos pela Folha, é que a maioria dos membros da corte concorde com a possibilidade de abrir um crédito extraordinário para pagar o passivo de precatórios, estimado pela equipe econômica em R$ 95 bilhões.

No entanto, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, segurou o julgamento na expectativa de tentar chegar a algum acordo em torno do tratamento a ser dado aos precatórios emitidos no futuro, evitando o risco de que algum pedido de vista atrase ainda mais um desfecho sobre o tema.

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O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) - Adriano Vizoni - 23.out.2023/Folhapress

A discussão também se dá num momento político delicado da relação entre governo e STF. Na noite de quarta-feira (22), o plenário do Senado aprovou uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que limita o alcance das decisões individuais dos ministros da corte.

Membros do STF classificam a votação como um "ataque" proferido pelo Legislativo e avaliam que o avanço da proposta prejudica a interlocução com o governo Lula, cuja atuação foi vista como crucial para a aprovação da matéria. O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), votou a favor da PEC.

Integrantes do governo temem que a crise com o STF acabe respingando na discussão dos precatórios, considerada essencial pela equipe econômica para resolver o que se considera um esqueleto fiscal. Sem solução para o estoque de precatórios, uma bomba fiscal pode estourar no colo da União entre 2026 e 2027.

Um magistrado ouvido pela Folha nega que isso vá interferir na pauta, mas há na corte quem admita que a crise pode afetar o prazo no qual a matéria será julgada.

O relator da ação, ministro Luiz Fux, já liberou o tema para julgamento e pediu a convocação de uma sessão virtual extraordinária. Ele sugeriu que o julgamento ocorresse entre 0h desta quinta-feira (23) e 23h59 desta sexta-feira (24). Não houve, porém, convocação formal pela presidência da corte.

Nesta quinta, em novo despacho, Fux reiterou o pedido de convocação de sessão virtual extraordinária, mas desta vez "em prazo e data a serem definidos pela Presidência do Tribunal".

O mal-estar é tamanho que, apesar do ceticismo de alguns membros do STF sobre reflexos negativos da crise sobre o julgamento, membros da corte não têm trabalhado ativamente para desarmar essa percepção junto a integrantes do Executivo.

Nos bastidores, a avaliação é a de que há maioria para autorizar a regularização do passivo acumulado via crédito extraordinário, instrumento que permite gastos fora do limite de despesas. O déficit para o ano também aumentaria, mas o STF poderia ainda autorizar o desconto desse valor da meta fiscal.

O impasse gira em torno dos precatórios inscritos daqui para frente. Uma ala da corte avalia atender integralmente ao pedido da AGU (Advocacia-Geral da União), permitindo a reclassificação de parte dos precatórios como despesa financeira.

Esse é um ponto-chave do plano do governo, pois os gastos financeiros ficam fora do alcance do limite de gastos do novo arcabouço fiscal e da meta de resultado primário, embora sua existência continue impulsionando o endividamento do país.

A equipe econômica considera essa medida necessária para conseguir acomodar as despesas futuras com precatórios sem precisar recorrer a cortes significativos nas demais áreas.

Outra ala do STF defende atender ao pedido do governo apenas parcialmente, autorizando a regularização do estoque, mas sem entrar no mérito de como classificar a despesa daqui para frente. É isso que os ministros ainda estão negociando.

Nos bastidores, interlocutores dessa ala comentam que o estoque de R$ 95 bilhões a ser pago com crédito extraordinário já contempla as sentenças de 2024 que excedem o teto de precatórios e, portanto, se somariam ao passivo já acumulado. O problema a ser resolvido seria de 2025 em diante.

Uma ala da equipe econômica, por sua vez, tem a expectativa de que o STF autorize o pagamento de todo o estoque via crédito extraordinário, inclusive os valores que ficariam represados em 2025 e 2026, caso o teto dos precatórios continuasse em vigor.

Na prática, uma decisão nesse sentido permitiria ao governo manter as atuais projeções para o Orçamento até o fim do mandato, pagando os valores excedentes de sentenças judiciais sem esbarrar nas regras fiscais.

Segundo interlocutores do governo, a aceitação dessa alternativa vem sendo testada entre membros da equipe econômica, sem grandes objeções.

Além disso, o próprio governo prevê uma moderação no volume de precatórios emitidos no futuro. O Executivo criou o Conselho de Acompanhamento e Monitoramento de Riscos Fiscais Judiciais, que busca fazer um mapeamento detalhado dos possíveis "meteoros" vindos do Judiciário.

Uma das fontes afirma que o STF só declarar a inconstitucionalidade do teto para as sentenças judiciais e autorizar a abertura de crédito extraordinário já será suficiente, sem necessidade de entrar no debate contábil de como classificar a despesa.

Desde a apresentação da proposta pela AGU, técnicos nos bastidores viam com ceticismo a possibilidade de o Supremo deliberar sobre algo tão específico da contabilidade pública, não só pelo tema em si, mas pela ausência de consenso sobre esse ponto dentro do próprio governo.

Como mostrou a Folha, o Ministério do Planejamento foi contra essa saída, defendida por Fazenda e AGU. A pasta comandada por Simone Tebet nem sequer endossou a nota técnica usada pelo governo para encaminhar a proposta de solução ao STF.

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