Pelo direito de chorar: licença por luto vai a até 20 dias nos EUA

Maioria ainda adota cinco dias; especialistas dizem que é preciso ser flexível para perdas daqueles que não são parentes diretos

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Jeff Green Matthew Boyle

Cinco dias não eram tempo suficiente para alguém se recuperar da morte de um filho, e Tom Barklage sabia bem disso.

Essa foi a mensagem que ele transmitiu em um breve email à alta administração da Johnson & Johnson em novembro de 2021, menos de um mês após a morte repentina do seu filho de 17 anos, Blake, devido a uma infecção não diagnosticada que atacou seu coração.

O apelo acabou sendo decisivo para que a J&J aumentasse para 30 dias a licença por luto, antes restrita a cinco dias, como é a média adotada pelas empresas americanas.

"Quando soube da mudança, acho que foi um dos dias mais felizes desde a morte de Blake", disse Barklage em um vídeo da empresa, comentando sobre a alteração da licença.

mulher de cabelos brancos segura um vaso de flor próximo de um túmulo
Mulher visita túmulo no cemitério do Araça, em São Paulo, no último dia de Finados. - Zanone Fraissat/ Folhapress

A J&J integra uma ampla mudança corporativa nos Estados Unidos que busca mais flexibilidade em relação ao período de luto. Trata-se de uma questão complexa, preocupante para quem precisa lidar com o luto enquanto atende demandas profissionais.

Este ano, a American Express aprimorou sua política para oferecer aos funcionários americanos 20 dias de licença em caso de perda de cônjuge, parceiro ou filho, contra os cinco dias adotados anteriormente. O JP Morgan Chase & Co. também mudou para 20 dias este ano, alinhando-se ao rival Goldman Sachs Group.

As empresas enfrentam uma pressão crescente por parte de funcionários, reguladores estaduais e defensores do direito dos trabalhadores para expandir o tempo que os empregados possam tirar após a morte de um ente querido. O mundo corporativo está repensando quem é considerado "família" e como acomodar diferentes práticas culturais de luto por parte da equipe. A oferta de uma política mais generosa de luto também funciona como um diferencial competitivo para as companhias.

"Os empregadores estão demonstrando um maior nível de flexibilidade", disse Jeff Gorter, vice-presidente da R3 Continuum, empresa que apoia organizações apoia eventos traumáticos, como desastres naturais e tiroteios em massa. "Portanto, em vez de dizer: ‘Você tem três dias de licença e é melhor já ter enfrentado a perda, porque quero você de volta ao trabalho’, os empregadores reconhecem que, para qualquer pessoa, o luto é um processo. A capacidade de retornar ao pleno funcionamento pode demorar mais."

Essas mudanças podem fazer grande diferença para funcionários que lidam repentinamente com perdas. Barklage, um importante gestor de contas de uma subsidiária farmacêutica da J&J, escreveu no seu email à administração que a morte do filho tinha sido a experiência mais difícil que ele e a sua esposa já enfrentaram na vida, e ele teve dificuldades em compreender por que a licença de condolências era limitada a cinco dias.

Peter Fasolo, diretor de recursos humanos da J&J, disse que a empresa convidou Barklage e outros funcionários para discutir o assunto –e percebeu que a licença por luto era um problema incômodo para muitos. Fasolo recebeu mais feedback positivo da mudança do que de qualquer outra alteração na política de RH da companhia durante seus 16 anos de empresa. "Eu sabia que havíamos atingido o ponto certo com nossos funcionários", disse ele.

Barklage recusou um pedido de entrevista para esta reportagem.

Embora a grande maioria das empresas americanas ofereça licença por luto remunerada, a média é de cerca de cinco dias, de acordo com a consultoria Mercer. Segundo a corretora de seguros NFP, apenas 5% das companhias oferecem mais de 6 dias. Mas cerca de 20% dos membros da Disability Management Employer Coalition, um grupo de executivos de RH, planejam expandir o âmbito da sua política de licença por luto no próximo ano.

Donna Wilson, professora que estuda envelhecimento e luto na Universidade de Alberta, no Canadá, disse que sua pesquisa sugere que possam ser necessários 14 dias, e não cinco. "Temos todas essas pessoas que estão voltando ao trabalho, pilotando aviões e dirigindo grandes caminhões", disse ela. "Esperamos que eles sejam perfeitamente capazes de trabalhar e não cometam erros. As pessoas podem simplesmente não conseguir voltar ao trabalho tão rapidamente, do ponto de vista físico e mental."

Uma prática comum é conceder licença após a morte de familiares ou amigos, algo que agora é oferecido por mais de dois terços dos empregadores, segundo Beth Umland, diretora da Mercer. A fabricante de software Adobe Inc., por exemplo, oferece 20 dias de licença remunerada em caso de falecimento de cônjuge, companheiro, pai ou filho, bem como de avós e netos.

Namitha Jacob, consultora de formação organizacional da Social Solutions International, tentou tirar dois dias e meio de licença por luto após a morte do seu tio, mas o seu empregador negou. Namitha, que é indiana, hospedou muitos parentes quando suas tias e tios imigraram para os EUA, e seus primos eram mais como irmãos para ela. Mas a política da sua empresa não permitia licença por luto para tios.

"Isso me fez sentir como se minha família não fosse uma família americana", disse Namitha. Depois que ela levantou a questão, sua empresa foi compreensiva e alterou sua política, que agora cobre mortes de tias, tios, primos e outros entes. "Aprendemos muito durante a Covid", disse ela. "Aprendemos que podemos fazer ajustes para sermos flexíveis, que as pessoas lidam com a morte de maneira diferente."

As melhores políticas de luto são as mais maleáveis, disse a consultora de diversidade Janice Gassam Asare, já que uma política rigorosa pode ser semelhante a questionar a cultura de alguém sobre o assunto.

"Se eu tivesse que explicar porque sou budista, porque faço todas essas práticas, pareceria que estou revelando uma parte da minha identidade sujeita ao julgamento dos meus gestores e dos meus colegas, como se estivesse pedindo permissão para ser assim", disse ela. "O melhor é que a empresa apenas tenha uma política de luto aberta às diferentes práticas às quais as pessoas estão envolvidas".

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