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Haddad diverge de Gleisi após PT citar 'austericídio fiscal' e vê vida difícil com Congresso e BC

Em debate, presidente do PT defendeu rombo de 1%; ministro fala em luta para aprovar medidas e vê semana decisiva

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Brasília

O ministro Fernando Haddad (Fazenda) divergiu neste sábado (9) da presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, na condução da política fiscal. Ele afirmou ainda que a vida não está fácil para o governo no Congresso por não haver base favorável à agenda defendida por ele.

As declarações foram dadas durante debate com a deputada, na conferência eleitoral do PT, em Brasília. Haddad convenceu recentemente o restante do governo a manter a meta de zerar o rombo das contas públicas em 2024, enquanto a petista pede um déficit de 1% do PIB (Produto Interno Bruto).

A presidente do PT, Gleisi Hoffman, durante conferência do partido neste sábado (9)
A presidente do PT, Gleisi Hoffman, durante conferência do partido neste sábado (9) - Divulgaçao/PT

Para ela, as contas públicas no vermelho em 2024 garantiriam ao país maior crescimento econômico. Haddad, porém, afirmou que um rombo maior não é sinônimo de maior atividade.

No dia anterior, um documento da maior corrente do PT, da qual fazem parte Gleisi e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, criticou o que chamam de "austericídio fiscal".

"O Brasil precisa se libertar, urgentemente, da ditadura do BC [Banco Central] 'independente' e do austericídio fiscal, ou não teremos como responder às necessidades do país", diz a resolução.

"A gente não tem a política monetária, que está com [Jair] Bolsonaro, que foi nomeado pelo [ex-ministro] Paulo Guedes. É um neoliberal e que atenta contra os interesses do Brasil. Nós só temos uma política para mexer na economia, que é a política fiscal. Eu sei que tem discussão da meta fiscal zero", disse Gleisi, neste sábado. "Para mim, faria um déficit de 1%, 2% [do PIB]", afirmou.

No debate, Haddad apresentou outra visão: "Não é verdade que déficit faz crescer", disse. "Não existe essa correspondência. Não é assim que funciona. Depende".

O ministro disse mais de uma vez que não há bala de prata para resolver os problemas econômicos do país e que é preciso fazer um trabalho constante de "apertar parafusos".

"A gente cria condições para exigir da autoridade monetária, do BC, a redução dos juros. Os juros precisam cair no Brasil", disse o ministro.

Enquanto alas do PT e do governo defendem mais espaço no Orçamento para evitar cortes e estimular a economia por meio de gastos públicos (com obras, por exemplo), o BC tem reiterado a necessidade de reequilíbrio fiscal para controlar a inflação e criar mais espaço para a queda dos juros.

"A vida está fácil? Não está pelo seguinte: nós não temos uma base no Congresso progressista, nós não temos uma diretoria mais arejada no Banco Central. É uma diretoria muito ‘hawkish’, muito durona. Começaram a baixar a taxa de juros só em agosto. Por isso que estamos sofrendo um período de menor crescimento. Poderíamos estar crescendo mais", disse o ministro.

O debate é feito em um momento de pressão sobre a equipe econômica. Índices apontam para uma desaceleração na economia —com o PIB crescendo apenas 0,1% no terceiro trimestre—, enquanto o governo corre para aprovar um pacote de medidas para elevar a arrecadação federal em 2024.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante pronunciamento à imprensa em novembro
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante pronunciamento à imprensa em novembro - Jardiel Carvalho -24.nov.23/Folhapress

"Talvez poucos possam imaginar a luta que é aprovar essas medidas. Semana que vem será decisiva para 2024. O governo vai ter que aprovar meia dúzia de leis, maduras para serem aprovadas, que precisam passar para garantir um Orçamento mais consistente e possam dar fundo de financiamento para aquilo que precisa ser pago –diretos dos trabalhadores, saúde, educação", disse.

Ele ainda ligou a pauta defendida pelo atual Congresso à do presidente eleito da Argentina, Javier Milei.

"A agenda do Milei é basicamente ir arrochando direitos sociais. Vende patrimônio público e arrocha trabalhadores, aposentados. É assim. É a receita de bolo deles. A nossa é desenvolvimento, crescimento econômico. É outra pegada. Eliminação dos privilégios tributários, fazer rico pagar imposto", disse.

Haddad afirmou que queria ter feito mais durante o ano, mas considera que as expectativas em relação ao governo foram superadas. Em sua visão, o Executivo surpreendeu os críticos.

"Estou um pouco insatisfeito, sempre queria fazer mais. Mas quando você pega o que eles diziam que ia acontecer e o que aconteceu, acho que nós surpreendemos eles", disse.

Questionada por jornalistas sobre as divergências de visões sobre a meta fiscal, a presidente do PT minimizou a questão.

"O ministro Haddad está fazendo o papel dele como ministro da Fazenda. Ele tem uma visão e nós temos uma visão um tanto quanto divergente, que foi exposta de maneira respeitosa", afirmou. Segundo ela, esses debates internos no partido são normais.

"O austericídio não é uma crítica ao governo. Não podemos nos guiar por uma política de austeridade fiscal, em que isso venha contra a gente. Queremos que os investimentos aconteçam, que os programas sociais saiam", disse Gleisi.

O líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), disse que, sem déficit, o partido não sairá bem-sucedido das disputas municipais no ano que vem. "Eu estava agora ali conversando com a presidenta Gleisi. Se tiver que fazer déficit, nós vamos ter que fazer. Porque, se não, a gente não ganha eleição em 2024", afirmou o parlamentar.

Segundo o economista Alexandre Schwartsman, austericídio é um pressuposto equivocado. "Estamos gastando todas as economias feitas nos anos anteriores", disse o ex-diretor do BC.

"A ideia que o crescimento depende de gasto público é equivocada. O gasto no Brasil sempre aumenta e se isso gerasse crescimento, seríamos uma China", afirmou Schwartsman.

O economista faz um paralelo da atual disputa entre Gleisi e Haddad com o desgaste do ex-ministro Joaquim Levy no segundo governo Dilma Rousseff, que ficou apenas 11 meses no cargo, que deixou após a presidente reduzir a meta fiscal.

"Chamaram o Levy para segurar os gastos e o partido não deixou. Agora, Haddad faz o papel de Joaquim e a Gleisi, a voz do partido."

Segundo Braulio Borges, economista-sênior da área de Macroeconomia da LCA e pesquisador do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas), a defesa de Gleisi pelo déficit seria em função das eleições municipais de 2024. "Há uma preocupação política com os gastos públicos nas eleições do próximo ano, o que é uma visão míope, de curto prazo, populista", diz Borges.

"As falas da Gleisi preocupam, mas vimos que a palavra de Haddad acaba sendo preponderante na maioria das vezes. O Lula tem avalizado mais ele do que ela, mas, mesmo assim, esse fogo amigo gera ruído, que, por sua vez, gera desconfiança e incerteza", completou o economista.

O economista André Perfeito concorda. "Gleisi tem ambições políticas para 2024 e quer marcar posição mais à esquerda do governo", afirma. "Em tese, um relaxamento na meta do déficit zero, de 0,5% ou 0,75%, não é o fim do mundo, mas é algo insustentável. Nos últimos 12 meses, o Brasil pagou R$ 700 bilhões em despesas com juros, é com isso que o Haddad se preocupa", diz.

Para Perfeito, é evidente que o ministro da economia tem ganhado posições junto ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na defesa do déficit zero. "Até porque o que o Haddad defende é mais um aumento da base tributária do que um corte de investimentos para se atingir o déficit zero", diz ele.

A resolução do PT ainda diz que o resultado do PIB "só não foi maior por causa da deletéria política de juros" do banco presidido por Roberto Campos Neto.

A resolução ainda diz que é preciso superar a "trava imposta pela política monetária da direção do Banco Central", além de descrever o presidente do BC como um aliado do bolsonarismo.

"Indicado por Jair Bolsonaro e pelo igualmente deletério ex-ministro Paulo Guedes, o ainda presidente do BC, Roberto Campos Neto, mantém com seus diretores a maior taxa de juros do planeta, sem que haja nenhuma justificativa plausível para essa barbaridade", afirma o documento.

"Não faz nenhum sentido, neste cenário, a pressão por arrocho fiscal exercida pelo comando do BC, rentistas e seus porta-vozes na mídia e no mercado", diz ainda o PT. O déficit zero é uma meta de Haddad.

Questionado sobre quando irá apresentar a alternativa para a desoneração da folha de pagamento, o ministro respondeu: "Espero resolver nos próximos dias. Está toda a agenda bastante conturbada. Muita votação para fazer. Mas estou confiante de que vamos votar tudo. Vamos apresentar [a proposta da desoneração] também, conforme eu havia dito seis meses atrás".

A desoneração da folha de pagamento vale para 17 setores da economia. Entre eles está o de comunicação, no qual se insere o Grupo Folha, empresa que edita a Folha. Também são contemplados os segmentos de calçados, call center, confecção e vestuário, construção civil, empresas de construção e obras de infraestrutura, entre outros.

Gleisi, por sua vez, elogiou medidas do governo, como a recriação do Bolsa Família e a taxação das offshores. Mas insistiu na mudança na meta fiscal.

"A economia para nós é fundamental do ponto de vista de disputa política", afirmou. "A nossa meta tinha que ser uma meta de crescimento econômico", continuou.

Com Constança Rezende, de Brasília; e Daniele Madureira e Júlia Moura, de São Paulo.

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