Leilão recorde de R$ 22 bi reforça debate sobre alta de custos na conta de luz

Falta de conexão já trava projetos de eólicas e solares, mas especialistas recomendam debate sobre futuro da energia para calibrar expansão

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Brasília

O maior leilão de transmissão da história em termos de valores, que ocorre nesta sexta-feira (15), prevê a mobilização de R$ 21,7 bilhões em investimentos para reforçar o transporte de energia no país.

O certame, no entanto, ocorre em paralelo ao debate sobre o crescente custo da transmissão na conta de luz, e a necessidade de rever o seu planejamento.

"O objetivo deste leilão é aumentar a capacidade de interligação entre as regiões Norte e Nordeste com as demais regiões do país, para ampliar a capacidade de escoamento de excedentes de geração daquelas regiões", afirma Sandoval Feitosa, diretor-geral da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).

"Em outras palavras, a capacidade de geração eólica e solar no Nordeste excede a carga [consumo] e, assim, linhas de transmissão são implantadas para permitir 'exportar' esta geração renovável para as demais regiões do país."

Torre de transmissao em Minas Gerais; leilão reforça rede de transporte de energia do Norte-Nordeste para o Sudeste - 22.10.22 - Rodney Costa/Zimel Press/Agencia O Globo

Serão oferecidos três lotes em cinco estados —Goiás, Maranhão, Minas Gerais, São Paulo e Tocantins— para a expansão de 4.471 km (quilômetros) de novas linhas, acompanhadas de reforço de subestações e conexões com o SIN (Sistema Interligado Nacional).

Há uma razão técnica para explicar por que o investimento será recorde em um número pequeno de lotes, segundo Feitosa.

"Este leilão vai contratar um sistema especial de transmissão, em corrente contínua, denominado HVDC, diferente daqueles contratados nos leilões recentes. Dada a especificidade da tecnologia, é um sistema mais caro do que o convencional em corrente alternada, e só faz sentido quando envolve grandes distâncias e grande potência, para que o ganho de escala permita alcançar o mínimo custo", explica Feitosa.

"Este sistema permite maior controle do fluxo de energia elétrica entre as regiões, aumentando a confiabilidade da transmissão em todo o país, e também permite transmitir energia elétrica com perdas menores."

A tecnologia já é conhecida e aplicada no Brasil. É utilizada para escoar a geração de Itaipu (PR), Belo Monte (PA), Jirau (RO) e Santo Antônio (RO).

Especialistas em energia lembram que o certame desta sexta não é isolado. Ele integra um pacote de novos projetos que busca criar verdadeiros corredores de transporte entre as regiões.

Com a mesma meta, em junho foram oferecidos nove lotes em sete estados, com previsão de R$ 15,7 bilhões em investimentos para construção de 6.184 quilômetros de linhas de transmissão e subestações.

Já está prevista a realização de mais um, em março do ano que vem, quando serão ofertados 15 lotes para a construção de 6.460 quilômetros de linhas e novas subestações, a um investimento estimado em R$ 18,2 bilhões.

A rodada vai atrair cerca de R$ 60 bilhões. "Sob o aspecto de conexão regional, o leilão do dia 15 é extremamente relevante dentro desse conjunto maior", afirma Donato da Silva Filho, diretor-geral da Volt Robotics, empresa da área de gestão de energia.

Donato lembra que os leilões, no entanto, não resolvem dois problemas em debate no setor de energia como um todo e particularmente no segmento de transmissão.

O primeiro deles é o descasamento na expansão da geração de renováveis, que ocorre em um ritmo muito mais acelerado do que a construção das redes para interligá-las.

"As novas linhas começam a entrar em operação em 2028, em parte para resolver isso, mas até lá vamos conviver com a inviabilidade de vários projetos de geração por falta de conexão. Tem vento, sol e equipamentos, mas não tem como injetar energia na rede. Hoje, várias usinas estão proibidas de gerar energia por falta de transmissão", afirma.

"O momento é oportuno para o Brasil pensar numa grande reforma na transmissão e na distribuição, para que a gente avalie se realmente está fazendo o bom uso da rede. Precisamos discutir que outros tipos de solução poderíamos adotar —muita gente já fala no uso de baterias, por exemplo— e também devemos tratar da questão de quem paga a conta, como paga e quanto paga."

O custo da rede de transmissão é o que mais cresce na composição da tarifa do Brasil, segundo análise da TR Soluções, empresa de tecnologia para a área de energia.

Apesar de não ter um peso tão grande quanto o dos encargos, os vilões em aumento na conta de luz, o avanço da despesa com transmissão é maior.

De 2013 para cá, o custo da rede de transmissão aumentou em 721%. Os encargos setoriais, 599%. A conta pela compra de energia em si cresceu bem menos, 106% no período.

"Essa rodada de leilões, no fim, leva a mais aumentos na conta luz, e o pagamento pela expansão da transmissão já está provocando debates no setor e até no Congresso", afirma José Wanderley Marangon Lima, diretor-presidente da MC&E (Marangon Consultoria & Engenharia).

"Empresas eólicas e solares do Nordeste, por exemplo, não querem pagar pelo aumento do custo de transmitir para o Sudeste, e tentam transferir a despesa."

O ano foi marcado por debates em que os congressistas tentaram manter subsídios para alguns setores, inclusive atropelando normas institucionais da Aneel. Tramitam propostas que tentam prorrogar o desconto de 50% no uso do fio para renováveis e até estender o subsídio da GD (Geração Distribuída), em sua maioria solar, pelo uso da rede.

Maragon diz ainda que o cenário é comprometido por muito lobby setorial e que há diversas questões sem resposta.

Com a ampliação da geração distribuída e o crescimento mais módico da demanda no Sudeste, vai ter aumento de consumo para toda essa expansão de rede? Vai ter reindustrialização, exportação de hidrogênio verde e de amônia no Nordeste, que elevaria o consumo por lá? Qual tende a ser a configuração da oferta e da demanda no Brasil com a transição energética?

"A gente teria de ter uma noção muito maior dos cenários nas diferentes regiões para não correr o risco de essas novas redes ficarem ociosas em 10 e 15 anos. Para mim, esse risco existe."

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