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Crise política em Portugal afeta planos de privatização da TAP

Decisão sobre venda da aérea ficará agora nas mãos dos vencedores das eleições antecipadas, marcadas para 10 de março

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Lisboa

A inesperada queda do governo de Portugal —motivada por investigações de corrupção no núcleo duro do Executivo— afetou os planos de privatização da companhia aérea TAP, que tem o Estado luso como principal acionista.

A decisão sobre a venda da empresa, antes dada como certa, ficará agora nas mãos dos vencedores das eleições antecipadas, marcadas para 10 de março.

O decreto que autorizava a venda de pelo menos 51% do capital da aérea foi publicado pouco mais de uma semana antes da revelação do escândalo, que levou ao pedido de demissão do primeiro-ministro, António Costa, em 7 de novembro.

Avião da TAP no aeroporto de Lisboa - Rafael Marchante - 17.jul.2020/Reuters

Em meio à turbulência política e alegando falta de transparência no processo, o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, decidiu vetar o texto, devolvendo a proposta aos deputados.

A dissolução do Parlamento e a eleição de um novo governo fazem com que a decisão sobre o destino da companhia fique para os próximos inquilinos do Palácio de São Bento.

Apesar do desgaste com as investigações sobre o governo demissionário, o Partido Socialista, no poder desde novembro de 2015, aparece na liderança das pesquisas de intenção de voto. Novo líder da sigla e candidato a premiê, o deputado Pedro Nuno Santos já se declarou contrário à perda de controle do Estado sobre a aérea.

Ex-ministro das Infraestruturas, pasta responsável justamente pelas questões relativas à TAP, o candidato afirmou que o Estado salvou a empresa.

Duramente afetada pelas restrições de circulação na pandemia da Covid-19, a companhia aérea recebeu do governo luso 1,2 bilhão de euros (R$ 6,4 bilhões), em meio a um plano de reestruturação.

"O governo salvou a empresa. A TAP era uma empresa com muitos problemas. Quando se dá a pandemia, os aviões estavam em terra, não operavam. Nos dois anos anteriores à pandemia, tinha havido prejuízo com uma gestão privada. Todos perderiam o emprego na TAP se o governo não tivesse intervencionado a empresa", afirmou, em entrevista à emissora SIC em 27 de dezembro.

Para o secretário-geral socialista, o governo português deve abrir o capital a grupos privados, "mas não deve abdicar da maioria [acionária]."

Segundo colocado nas pesquisas, o principal partido da oposição, o PSD, de centro-direita, é favorável à venda da aérea, mas não no modelo proposto pelo atual governo. Líder do partido e candidato a premiê, Luís Montenegro classificou a proposta dos socialistas como um "crime político e financeiro".

Abertamente favorável à privatização, o CEO da TAP, Luís Rodrigues, reconhece que a queda do governo atrasa uma definição sobre empresa.

"Eu sou favorável à privatização pelo fato de que é difícil que uma empresa que atua em um mercado brutalmente competitivo e global esteja condicionada por um acionista [governo português] que tem regras próprias em que seu não critico, mas respeito", afirmou, durante entrevista à imprensa estrangeira em Portugal.

"Os novos representantes do acionista terão obviamente o dever e o direito de se pronunciarem logo que forem eleitos. Como neste momento não sabemos quem são nem vamos fazer exercício de adivinhação, não vamos nos pronunciar sobre isso [privatização]."

O CEO da TAP afirmou que a mentalidade na condução da empresa tem sido para atuar "como se não fosse haver privatização".

"Se ficarmos paralisados com medo, vão dizer que não servimos para nada. Se tentarmos ser, como estamos a tentar, uma das empresas mais atrativas da indústria, quem chegar vai ver o nosso bom trabalho", disse.

O controle da TAP sempre foi um tema sensível em Portugal. Após mais de duas décadas de idas e vindas, o governo português, então liderado pelo PSD (Partido Social-Democrata), privatizou oficialmente a empresa no fim de 2015, vendendo a maior parte do capital ao consórcio Atlantic Gateway, com participação do português Humberto Pedrosa e do americano David Neeleman, fundado da Azul.

Pouco depois, com a chegada ao poder do Partido Socialista, o governo decide então começar a desfazer o negócio, recuperando sua participação na companhia já em 2016. A reestatização ocorre definitivamente em 2020, sob a batuta do então ministro das Infraestruturas —agora candidato a premiê— Pedro Nuno Santos.

A nacionalização foi realizada para viabilizar justamente a injeção de capital público para salvar a empresa da crise provocada pela pandemia.

Aprovado pela Comissão Europeia em 2021, o plano de reestruturação da TAP prevê várias medidas de redução de custos, como redução da frota, corte de mais de 2.000 postos de trabalho e redução dos salários.

As medidas ficam em vigor até 2025 e, por enquanto, ainda impactam diretamente a companhia.

Principal mercado para a empresa, onde tem mais de 80 voos semanais decolando de 11 capitais, o Brasil é o maior candidato à ampliação de rotas e frequências após o fim do arroxo imposto pelas autoridades europeias.

Apenas nas saídas entre Guarulhos e Portugal, a TAP transportou, em 2023, mais de 564 mil passageiros, o que representa um crescimento de quase de 23% em relação ao ano anterior.

Após amargar cinco anos de prejuízos, a TAP voltou a dar lucros em 2022. Nos primeiros nove meses de 2023, dados mais atualizados já divulgados, a companhia teve um resultado positivo recorde, chegando a 203,5 milhões de euros (R$ 1,1 bilhão).

Os lucros da empresa, apenas no terceiro trimestre do ano passado, foram de 180,5 milhões (R$ 962, 7 bilhões).

Embora tenha obtido bons resultados nos negócios, a TAP viveu dias de turbulência política e administrativa no último ano, que fizeram a companhia ser alvo até de uma CPI (comissão parlamentar de inquérito) no Parlamento.

O principal ponto de tensão foi a revelação, em reportagem do jornal Correio da Manhã, do pagamento de uma indenização de meio milhão de euros (R$ 2,7 milhões) à ex-gestora Alexandra Reis. Dez meses após se desligar da empresa, a executiva passou a ocupar o cargo de secretária de Estado do Tesouro no governo socialista.

Um relatório da IGF (Inspeção-Geral de Finanças) concluiu que os valores pagos à Alexandra Reis foram indevidos e pediu a devolução de 450 mil euros aos cofres públicos.

O caso gerou enorme desgaste político e levou a uma série de desligamentos, incluindo a então CEO, Christine Ourmières-Widener, que foi demitida por justa causa. A executiva francesa está processando o governo português.

As pesadas limitações salariais do plano de reestruturação também provocaram greves e perturbações nos serviços, incluindo uma paralisação de dois dias, em dezembro de 2022, que provocou o cancelamento de 360 voos e afetando milhares de brasileiros com bilhetes da empresa.

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