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Mudanças climáticas ameaçam produção global de café

Clima altera geografia das lavouras, preços e a qualidade da bebida

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Marcelo Lima Loreto
Nova York

O déficit nos estoques globais de café atingiu 4,9 milhões de sacas de 60 kg em 2023, conforme o recente relatório da ICO (Organização Internacional do Café). A produção mundial cresceu apenas 0,1% no ano passado, alcançando 168 milhões de sacas, enquanto o consumo ultrapassou 173 milhões de sacas.

Foi o quarto ano consecutivo de estagnação na produção, impactada por problemas climáticos nas principais regiões cafeeiras do mundo. A ICO indica que as colheitas de 2024 seguirão afetadas pelo clima.

O último relatório do USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos) sinaliza para 2024 uma redução dos estoques de café para o menor nível em 12 anos.

Grãos de café são selecionados em fazendas de Minas Gerais
Grãos de café são selecionados em fazendas de Minas Gerais - Bruno Santos - 25.out.2023 / Folhapress

Os estudos científicos preveem uma redução "drástica" de mais de 50% das áreas propícias ao cultivo de café até 2050, conforme uma pesquisa de 2022 da Universidade de Ciências Aplicadas de Zurique, na Suíça.

Previsões anteriores da Universidade Humboldt de Berlim, na Alemanha, estimaram perdas semelhantes de 49% e uma contração de até 85% nas áreas aptas ao café arábica no Brasil em cenários climáticos extremos.

O café originou-se nas florestas africanas com temperaturas amenas há cerca de 50 milênios, explicando sua sensibilidade a variações climáticas mínimas. A planta de café não tolera altas temperaturas, granizo ou geadas, explicou o agrônomo Guy Carvalho.

Os estudos preveem que as plantações migrem para regiões mais elevadas e frias do planeta, onde as temperaturas médias anuais permanecem abaixo de 23°C.

Embora os cafés de altitudes elevadas possuam qualidade superior, como evidenciou um estudo norte-americano de 2021 publicado na revista Frontiers in Plant Science, essa mudança enfrenta obstáculos, como a escassez de terras, infraestrutura deficiente e adaptações socioculturais pelos cafeicultores.

O desmatamento será outro efeito colateral na nova geografia das lavouras de café, agravando o clima local ainda mais, apontou o relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima).

O Brasil fornece cerca de 33% da produção mundial e 26% das exportações para 152 países, segundo dados da USDA. País exerce grande influência no mercado global.

A safra brasileira abundante de 2019 derrubou os preços, impactando milhares de cafeicultores na Guatemala, formando uma onda migratória em direção aos EUA, conforme reportagem do The Washington Post, que comparou o Brasil à 'Arábia Saudita do café'.

As plantações do Brasil e da Colômbia enfrentam intenso estresse climático nos últimos anos, resultando em um declínio de 7,6% na produção sul-americana em 2022, a maior queda em quase duas décadas, segundo a ICO. Cerca de metade do café do mundo (48%) é produzido na América do Sul.

O declínio das exportações brasileiras impulsionou um aumento vertiginoso nos preços globais do café desde o final de 2020, especialmente evidenciado pela geada de julho de 2021, elevando os preços em 14%.

Apesar do crescimento de 8,2% na produção brasileira de 2023, atingindo 55 milhões de sacas, as exportações entre janeiro e novembro diminuíram 4,1% em comparação com o ano anterior, segundo o recente boletim da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento).

Um estudo de 2020 da Universidade de Boston (EUA) demonstrou que mudanças climáticas já diminuem a produtividade da cafeicultura brasileira.

Temperatura mais alta, menos café

As temperaturas nas regiões cafeeiras aumentam em 0,25°C a cada década desde 1974, provocando perdas de produtividade de até 20% no Sudeste e 29% em Minas Gerais.

Minas Gerais lidera a produção nacional de café com 53% do mercado (29 milhões de sacas), segundo a Conab, representando 17% da produção global.

Eduardo Assad, da FGV-SP (Fundação Getulio Vargas), alerta sobre a extinção das lavouras em São Paulo, cujas plantações reduziram pela metade (51%) desde 1990, conforme um estudo de 2019 da agrônoma Priscila Coltri, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). São Paulo é terceiro maior produtor nacional do grão (9%).

No Espírito Santo, segundo maior produtor com 23% do mercado nacional, a safra de 2023 diminuiu em 22% devido às questões climáticas, segundo a Conab, mas ainda representa 7% da produção global de café.

Pesquisa brasileira de 2020 publicada na prestigiada revista Scientific Reports apontou que aumentos de 1°C nas temperaturas médias das lavouras de café robusta do Espírito Santo estão associados a declínios de até 41% na produção.

As plantações de café robusta expandem-se no Brasil, devido sua resistência ao calor e à alta demanda global puxada pela crise climática no Vietnã, o principal produtor dessa variedade. O país asiático é o segundo maior produtor mundial de café (17%) e sua produção caiu 9,8% em 2023 devido às chuvas prolongadas.

No entanto, a espécie robusta é mais sensível que se pensava, mostrou uma pesquisa australiana de 2020 na revista Global Change Biology. Sua produtividade ideal ocorre abaixo de 20,5°C, contrariando estimativas anteriores entre 22°C e 30°C.

Estratégias como o plantio de árvores frutíferas, para gerar sombras nas lavouras, mostraram-se capazes de reduzir cerca de 0,6°C nas lavouras, segundo uma pesquisa de Priscila Coltri de 2019.

Embora o sombreamento auxilie no controle de pragas e preservação da umidade, a técnica enfrenta resistência entre produtores, devido às dificuldades de mecanização das lavouras e uma possível queda na produtividade, apontou um estudo europeu na revista Frontiers em 2022.

As geadas também reconfiguram as lavouras brasileiras. Em 1994, apenas quatro dias de geada derrubaram 51% da safra nacional e 96% da safra paranaense. O fenômeno elevou em 25% os preços globais do café, segundo um estudo de 1995 do Instituto de Economia Agrícola de São Paulo.

A grande geada de 1975 já havia rebaixado a liderança do Paraná na produção em favor de Minas Gerais. Desolados, os cafeicultores paranaenses migraram suas lavouras para a então nova fronteira do café, o Cerrado mineiro, segundo escreveu o especialista em café Ensei Neto.

Hoje, o Paraná contribui com apenas 1,3% da produção nacional, com suas lavouras tendo encolhido 92% entre 1998 e 2018, segundo um estudo de 2021 de Priscila Coltri.

O melhoramento genético é outra aposta da ciência para salvaguardar o futuro café. Cientistas defendem a proteção das espécies selvagens de café das florestas da Etiópia, que podem fornecer genes que conferem tolerância ao calor e à seca.

Espécies como a Coffea stenophylla toleram temperaturas 6,8°C superiores à arábica, mostrou um estudo de 2021 do Royal Botanic Gardens, do Reino Unido. Entretanto, 80% das espécies selvagens podem ser extintas nas próximas décadas, revelou um estudo inglês de 2019.

A Etiópia é quinto maior produtor mundial de café (5%) e deve perder até 60% de suas áreas cafeicultoras até 2100, segundo pesquisa inglesa de 2017 na revista Nature Plants.

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