Estado arrecada muito, gasta mal e acentua desigualdade de renda, diz economista

Cleveland Prates defende revisão de gastos e equilíbrio entre taxação de dividendos e carga tributária sobre empresas

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Brasília

A redução da desigualdade de renda no Brasil passa não só pela aprovação de uma reforma dos tributos sobre o consumo e a renda, mas também pela discussão dos gastos públicos, afirma o economista Cleveland Prates, ex-secretário-adjunto de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda e professor da FGVLaw.

"Não dá para falar em desigualdade de renda sem entender que o Estado é um dos principais responsáveis. Ele arrecada muito, gasta mal e não faz com que a sociedade consiga gerar mais renda", critica.

Para ele, é legítimo o governo propor a tributação de lucros e dividendos para a pessoa física, desde que a medida venha acompanhada de uma redução na carga cobrada sobre o lucro das empresas.

O economista Cleveland Prates, ex-secretário-adjunto de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda
O economista Cleveland Prates, ex-secretário-adjunto de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda - Divulgação FGV

"Simplesmente adicionar imposto sobre dividendos sem revisar o imposto que está dentro da empresa vai só gerar mais desincentivo a investimentos", diz.

Qual o papel da estrutura tributária na desigualdade de renda?
Longe de mim dizer que a gente não tem uma péssima distribuição de renda, disso não há dúvida. Mas uma das causas da distribuição de renda ruim é o próprio Estado, porque não devolve qualidade em termos de saúde, educação, saneamento básico. Não dá para falar em desigualdade de renda sem entender que o Estado é um dos principais responsáveis. Ele arrecada muito, gasta mal e não faz com que a sociedade consiga gerar mais renda. Então, há uma discussão incompleta.

O segundo aspecto é que mais carga tributária desincentiva investimento. A gente já passou do limite do que seria aceitável. Mais do que isso vai gerar sonegação, desincentivo ao empresário. Pode ser um tiro no pé. Precisa revisar essa estrutura tributária e revisar o gasto.

O que o sr. considera necessário nessa revisão tributária?
A gente discutiu no ano passado a reforma tributária, que nada mais foi do que uma transferência de imposto da indústria para a área de serviços. Por todos os benefícios que foram dados e a manutenção de fundos setoriais e regionais, aqueles 26% [da alíquota] não vão ser 26%. Pode chegar até 31% por estudos que a gente andou fazendo.

A reforma tributária que já criou cidadãos diferenciados, alguns setores e regiões foram beneficiados. Esses fundos regionais existem há muitos anos e não corrigiram desigualdades. Ao contrário, acabam sendo benefícios ou vantagens para determinados grupos da sociedade que são os mais ricos de fato.

Mas a reforma agrava o problema? Hoje a gente já tem cerca de 200 regimes especiais para setores e benefícios fiscais para as empresas.
Não estou falando que agrava. Acho que melhora, mas não resolve. Não tenho nenhuma dúvida que você precisava ter o IVA [Imposto sobre Valor Agregado]. Minha crítica foi aos benefícios. Permanecem os mesmos erros do passado. E você não revisou todos os demais impostos.

Tem que fazer a reforma sobre o Imposto de Renda? Tem que fazer. Ah, vou taxar dividendos. Só esquecem que dividendos é uma remuneração pelo capital. Mudando os incentivos, pode mudar a quantidade de investimento que os empresários estão dispostos a colocar.

Meu ponto é: revise tudo e mantenha a carga tributária. Simplesmente adicionar imposto sobre dividendos sem revisar o imposto que está dentro da empresa vai só gerar mais desincentivo a investimentos. Vai ter que escolher. Se vai aumentar dividendos, que volte a um imposto sobre a renda [IRPJ das empresas] menor. E revise a ideia da contribuição social sobre lucro líquido.

Um rebalanceamento das alíquotas, então.
Sim, acho que é o ideal. O que a gente está vendo é cada vez mais eu arrecado e cada vez mais eu gasto pior. Inclusive, a discussão começa do ponto errado. Em vez de saber qual o tamanho do Estado que você quer e discutir isso abertamente com a sociedade para saber quanto precisa arrecadar, primeiro está arrecadando cada vez mais. O outro lado da discussão não é feito.

O sr. disse que a alíquota do novo imposto pode chegar a 31%. Pode detalhar?
Não posso, porque foi um cliente que pediu confidencialidade. O que posso falar é: dependendo de algumas hipóteses com relação à reação do consumidor ao aumento de preços, porque uma parte o empresário vai tentar repassar, pode ter uma queda da demanda em alguns setores e um aumento da sonegação —ao contrário do que estão dizendo por aí, que vai ter uma queda na sonegação.

São muitos setores e é um jogo de equilíbrio geral que pode ter resultados muito distintos. Pode chegar a 26%? Até pode, mas também pode chegar a 31%.

Quais são os efeitos dessa insegurança?
Você fica parado, não investe, pois não consegue projetar a sua rentabilidade.

Só para ter uma ideia, eu não tenho nada contra a reoneração da folha de pagamentos que o Haddad está propondo. Só que mudar no final do ano, para o empresário que está fazendo planejamento, o cara não sabe o que faz.

A impressão que tenho é que as pessoas, quando decidem isso, não sabem o que um empresário faz dentro de uma empresa, não sabem que ele tem um fluxo de caixa para resolver, projetos de investimento, ele precisa ter ideia de quanto vai pagar de imposto daqui cinco, dez anos. É muito complicado trabalhar nesse ambiente.

Qual será o maior desafio na regulamentação da reforma tributária e na mudança do IR?
Sobre o ponto de vista do consumo, o diabo mora nos detalhes. A gente deixou muita coisa em aberto para o projeto de lei. Tem possibilidades de ir para o Judiciário questionar uma série de coisas. Isso cria insegurança.

Em relação à reforma do Imposto de Renda e da folha de salários, sempre vai ter lobbies que vão querer que as coisas continuem como estão aí. Imposto sobre dividendos, obviamente, vai ter uma gritaria geral. Se não fizer um rebalanceamento interno, pode ter uma pressão muito forte no Congresso e pode não passar.

A Fazenda destacou em relatório que, por causa das isenções —inclusive de dividendos—, uma pessoa que ganha, em média, R$ 4.000 paga a mesma alíquota efetiva de uma pessoa com renda média de R$ 4 milhões. Como o sr. vê isso?
Uma coisa é, em termos relativos, o quanto percentualmente eu pago. Outra, em termos absolutos. Em quantidade de imposto, ela está pagando muito mais. Não é que ela não está pagando nada, não é que ela está pagando pouco, ela está pagando muito.

Ela pode pagar mais e deveria pagar mais? Sim, eu acho que sim. Eu também sou a favor, por exemplo, de acabar com desconto de educação e saúde. Mas, para fazer isso, tem que ter um Estado entregando um serviço adequado.

Sob o ponto de vista de tributação ótimo, o cara que ganha mais tem que pagar mais, de fato, mas não pode chegar a um ponto de gerar desincentivo. Senão, a sociedade perde.

A gente está discutindo sempre o lado da arrecadação e ninguém está olhando o lado do gasto, que isso é um dos problemas que gera a péssima distribuição de renda do país.

O Ministério do Planejamento tem uma Secretaria de Avaliação de Gastos. Como o sr. vê a possibilidade de resultado efetivo? Avaliações passadas ficaram na prateleira, tem muita resistência no Congresso.
Exatamente, porque isso afeta interesses, lobbies. Essa é a Secretaria do [Sérgio] Firpo. Ele é um cara técnico, excelente, muito consciente do que está acontecendo. Não tenho dúvida da qualidade do trabalho. O problema é o governo, o PT, querer aceitar que discussões precisam ser feitas sobre a qualidade do gasto público.

Será que precisa ter um concurso público que alguém já entre ganhando R$ 20 mil? Precisa ter fundos regionais para dar dinheiro para empresários? Um BNDES financiando com juros subsidiados determinados setores? Será que precisa dar isenção para o setor automobilístico? Esse tipo de coisa precisa ser rediscutida.

O sr. vê espaço ou disposição para essa discussão?
Não vejo. Nem por parte do governo, porque a preocupação é com o lobby de funcionários públicos, nem dentro do Congresso, porque muitos favorecidos vão perder dinheiro. As coisas simplesmente permanecem da forma como estão. O Ministério da Fazenda tem que sair correndo atrás para pegar mais dinheiro para fechar a conta, sendo que essa conta não fecha.


RAIO-X

Cleveland Prates, 57

Graduado em economia pela USP (Universidade de São Paulo), com mestrado pela FGV (Fundação Getulio Vargas). Foi secretário-adjunto de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda de 2001 a 2002 e conselheiro do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) de 2002 a 2004. É sócio-diretor da consultoria econômica Microanalysis, professor da FGVLaw e coordenador de cursos de regulação na Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas).

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