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Governo Lula

Ajuda a estados corre risco de virar 'educationwashing' sem regras claras

Governo quer vincular socorro a mais vagas em ensino técnico, mas programa não garante carimbo dos recursos

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Brasília

O investimento em educação é um elemento chave para impulsionar a economia e a produtividade. A relação é consagrada no chamado efeito-diploma, que reflete a influência positiva da conclusão de cada uma das fases da educação básica ou do ensino superior sobre os rendimentos dos trabalhadores.

Trata-se de uma discussão séria e necessária, sobretudo depois da pandemia de Covid-19, quando a necessidade de isolamento social retardou ainda mais um Brasil já atrasado em seus indicadores educacionais.

O problema é quando o debate surge como cortina de fumaça para o verdadeiro foco do momento: dar uma saída justificável ao impasse político em torno do superendividamento de uns poucos estados —alguns deles com longo histórico de gastança e descumprimento de regras fiscais.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fala com jornalistas após palestra na sede da Fundação Getulio Vargas, em São Paulo - Zanone Fraissat - 25.set.2023/Folhapress

Sob pressão de governadores e do Congresso Nacional, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) propôs reduzir os juros cobrados dos estados em troca da promessa de investimentos para ampliar as matrículas no ensino médio técnico. Batizou a iniciativa de "Juros por Educação".

Trata-se de uma proposta bem mais contida do que o perdão de parte da dívida defendido por estados encalacrados. No entanto, não se pode desprezar seu potencial de causar distorções.

O próprio governo reconhece que, do total de R$ 749 bilhões que os estados devem à União, 90% estão nas mãos de apenas quatro: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Eles são os candidatos naturais a serem os maiores beneficiários da negociação.

É verdade que esses estados concentram 45% da população brasileira. Mas eles também ostentam indicadores de desempenho educacional e renda superiores aos observados nas regiões Norte e Nordeste —que, salvo raras exceções, enfrentam grandes carências sociais.

Segundo o Tesouro Nacional, o programa daria um alívio de até R$ 8 bilhões para os estados endividados, que pagariam juros reais de 1% a 3% ao ano à União. Já aqueles com finanças saudáveis teriam que disputar o acesso a uma linha de crédito estimada em R$ 3 bilhões. O governo promete subsídios para atenuar as taxas reais de mercado, que podem beirar os 5,5% ao ano.

Em outras palavras, áreas com maiores desafios educacionais tendem a receber menor fatia de recursos (e a um custo maior) do que as localidades com melhor desempenho, uma distorção do que se entende como eficiência da política pública.

A apresentação do programa também ficou centralizada em metas numéricas agregadas de aumento de matrículas, sem discutir a qualidade do ensino ou sua sintonia com as demandas do mercado de trabalho em cada região.

O cumprimento do objetivo será monitorado pelo MEC (Ministério da Educação), comandado por Camilo Santana —que nem sequer participou da reunião com os governadores.

Sob a ótica fiscal, o programa do governo encoraja o aumento de gastos de estados com situação financeira frágil. Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais estão sob a proteção do Regime de Recuperação Fiscal e já não pagam, ou pagam muito pouco, sua dívida com a União. As regras do programa de socorro, aliás, também devem ser alteradas justamente para flexibilizar suas condições.

O aumento de gastos para custear a ampliação de vagas tende a piorar o resultado primário dos estados, pois não há qualquer garantia de que será sustentado por um aumento da arrecadação na mesma proporção.

O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, disse que o governo não pretende flexibilizar as metas fiscais dos estados por causa do programa, numa tentativa de sinalizar que as finanças não sairão do controle.

O problema é que a punição indicada pelo secretário em caso de explosão do déficit é reduzir o limite para novas contratações de crédito, o que atua como um incentivo perverso: os endividados continuarão blindados, enquanto os que dependem dos novos empréstimos para obter fôlego sofrerão as consequências.

Todas as considerações acima partem do pressuposto de que o programa conseguirá cumprir seu objetivo de induzir os estados a investir mais no ensino médio técnico.

Uma das primeiras lições da vivência em Brasília, no entanto, é que dinheiro não tem carimbo.

Em meio ao boom de operações de crédito patrocinado pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT) entre 2012 e 2014, os estados usaram as verbas dos novos empréstimos para bancar investimentos já contratados, liberando o caixa próprio para conceder aumentos salariais em período eleitoral.

Nada impede que a "troca de fontes", como chamada no jargão técnico, aconteça novamente.

Os estados já são obrigados a aplicar 25% da receita líquida de impostos em manutenção e desenvolvimento do ensino, o que inclui ações de ensino profissionalizante, segundo manual do Tesouro Nacional. Ou seja, os governadores podem cumprir as metas com gastos que já seriam realizados de qualquer maneira.

O desenho do programa oferece outras alternativas que facilitam a manobra, como aportar recursos no programa Pé-de-Meia de combate à evasão escolar ou financiar a expansão do ensino médio integral, inclusive com compra de equipamentos e materiais permanentes.

Com metas tão flexíveis, o governo terá de convencer que a contrapartida educacional não é mero selo para encobrir a opção política de dar um alívio bilionário para estados que driblam regras, concedem generosos aumentos salariais e recorrem à Justiça para não honrar suas obrigações com a União.

No mundo corporativo, a expressão greenwashing sintetiza a propaganda enganosa que empresas nem tão comprometidas com o meio ambiente fazem para se vender como sustentáveis. No programa "Juros por Educação", o governo terá de estabelecer regras claras para não correr o risco de inaugurar o "educationwashing".

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