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Prêmio Nobel

Daniel Kahneman, a ciência do cérebro e uma amizade para toda a vida

Psicólogo vencedor do Nobel de Economia em 2002 morreu nesta quarta (27) aos 90 anos

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Guilherme Lichand

Professor de educação da Universidade de Stanford e doutor em economia política e governo pela Universidade Harvard

Aos 90 anos, morreu Daniel Kahneman, psicólogo israelense-americano vencedor do Prêmio Nobel de Economia em 2002. Antes dele, somente Herbert Simon tinha sido laureado mesmo sem ser economista —ambos por suas contribuições à ciência da tomada de decisão a partir de insights de psicologia cognitiva sobre racionalidade limitada.

Todas as contribuições citadas pelo comitê para justificar a escolha de Kahneman foram feitas em parceria com o também psicólogo Amos Tversky (que morreu em 1996).

Comum a todas elas, o foco nas chamadas heurísticas —os "atalhos" que nossa mente toma para resolver um problema sempre que é confrontada com escolhas que, embora complexas, envolvem elementos cotidianos— e suas consequências para vieses sistemáticos na tomada de decisão.

O psicólogo Daniel Kahneman, vencedor do Nobel de Economia de 2002
O psicólogo Daniel Kahneman, vencedor do Nobel de Economia de 2002 - Keith Meyers - 23.out.2002/The New York Times

Concretamente, pense no desafio de atravessar uma rua movimentada sem semáforo. Se fôssemos calcular a velocidade de cada veículo e projetar o momento ótimo para atravessá-la, consumiríamos uma quantidade inacreditável de energia. Em vez disso, o cérebro típico consome menos energia que a lâmpada da sua geladeira. Como isso é possível?

A resposta é que nossa cognição teria evoluído para codificar informação do mundo exterior e decodificá-la no nosso cérebro de forma extremamente eficiente.

De um lado, nossos olhos e ouvidos (o hardware) jogam fora a maior parte da complexidade dos estímulos visuais e auditivos —a decodificam com algum atraso, com baixa resolução e a partir de contraste.

Pense em quão difícil é se localizar num quarto escuro quando você acabou de vir de um cômodo iluminado, mas como seus olhos gradualmente "se acostumam" ao novo ambiente. De outro lado, nosso cérebro (o software) decodifica esses impulsos imprecisos em informação complexa usando modelos mentais.

Heurísticas fazem parte desses modelos de decodificação eficiente. No exemplo da rua movimentada, uma heurística poderia ser "atravessar a rua sempre que não conseguir enxergar nenhum veículo se aproximando depois daquela árvore grande".

Na maioria das situações, as heurísticas nos ajudam a navegar com sucesso um mundo complexo. Em tantas outras, contudo, elas induzem erros de decisão —mesmo quando esses erros podem ser bastante custosos, sobretudo quando estamos sujeitos a outras demandas cognitivas (como preocupações com as contas no final do mês).

Se hoje essas questões são bem compreendidas, é graças ao trabalho seminal de Kahneman e Tversky.

Até então, os economistas descreviam a tomada de decisão como um processo muito diferente desse dos parágrafos anteriores: um super-humano capaz de processar toda e qualquer informação sobre custos e benefícios, não importa quão complicados —mesmo quando condicionais a distribuições de probabilidade extremamente complexas.

Pense na decisão de comprar ou vender ações no mercado financeiro, sujeita ao que pode acontecer com o preço de diferentes ativos em diferentes cenários... trabalho difícil até para um supercomputador!

Como Milton Friedman dizia, nossos modelos são como mapas —não precisam reproduzir cada árvore na floresta, mas nos ajudar a nos orientar caminhando por ela.

O ponto de Kahneman e Tversky, contudo, não era meramente sobre falta de realismo; era, sim, sobre erros sistemáticos de tomadas de decisão.

Foram eles que documentaram que as pessoas tendem a se importar muito mais com perdas do que com ganhos equivalentes —uma descoberta que pode parecer trivial para os não economistas, mas sem a qual não teria se desenvolvido um campo enorme de economia comportamental, com implicações, inclusive, para como as pessoas reagem a mudanças de preços no mercado de ações!

Richard Thaler colaborou de forma próxima tanto com Kahneman quanto com Tversky em alguns de seus trabalhos mais importantes. O trabalho de Thaler (vencedor do Nobel em 2017) tornou-se extremamente influente no debate público, sobretudo por causa da disseminação dos "nudges" —"empurrõezinhos" que alteram a chamada "arquitetura de escolha".

Pense em lembretes para pagar uma conta antes de seu vencimento. Se isso não traz nenhuma nova informação (a data de vencimento é a mesma todos os meses) nem muda custos ou benefícios esperados de pagar a conta, tende a aumentar a probabilidade de pagar a conta em dia, evitando despesas desnecessárias.

Kahneman foi autor de best-sellers como "Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar" e foi professor nas universidades de Jerusalém, British Columbia, Berkeley e Princeton. Em entrevista publicada há um ano, disse que ainda pensava todos os dias no seu grande amigo, falecido quase 30 anos antes, Amos.

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