Pauta verde no Congresso enfrenta jabutis e disputa entre Lira e Pacheco

Após tramitação já turbulenta pela Câmara, projetos estão no Senado, mas ano eleitoral é desafio e pode atrasar ainda mais aprovação

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Brasília e São Paulo

Projetos da pauta verde enfrentam dificuldades para avançar no Senado Federal, após passarem —também com percalços— pela Câmara dos Deputados.

Tidos como prioritários pelo governo Lula (PT), eles tramitam ameaçados por uma disputa entre os presidentes do Senado e da Câmara, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e Arthur Lira (PP-AL), além de jabutis, nome dado à estratégia de incluir em um projeto de lei temas paralelos à raiz da proposta.

A delonga na aprovação dos projetos, como a regulamentação do mercado de carbono e das eólicas offshore, agora esbarra também na falta de tempo do trabalho legislativo neste ano, já que as eleições municipais reduzem o tempo dedicado pelos parlamentares à análise das propostas no segundo semestre. Ou seja, se as propostas não forem aprovadas ainda na primeira metade do ano, pode ser que falte tempo hábil para o debate dos temas durante o restante.

Sessão do Congresso Nacional - Pedro Ladeira - 5.fev.2024/Folhapress

Dos quatro principais projetos já apreciados pelos deputados —crédito de carbono, eólicas offshore, Paten (Programa de Aceleração da Transição Energética) e biocombustíveis—, os três primeiros ainda não tiveram relator definido.

Já o hidrogênio verde, tema tido por muitos como potencial revolução na matriz energética brasileira, tramita concomitantemente com dois projetos, nas duas casas e atravancado pela falta consenso sobre suas redações.

O projeto de crédito de carbono está envolto em uma disputa regimental entre o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Nesta segunda (8), Pacheco disse que o tema será prioridade do Senado em abril.

Já o das eólicas é alvo de disputa em razão dos diversos jabutis que foram inseridos no seu texto pelos deputados —e que podem gerar R$ 39 bilhões em incentivos para poluentes e elevar em 11% a conta de luz dos brasileiros.

Ambos começaram a tramitar no Senado e foram aprovados pela Câmara no final do ano passado. Ao retornarem para a Casa inicial, por tradição, para cuidar deles seriam designados os relatores originais, em um ato que deveria ser meramente burocrático. Mesmo assim, meses após terem chegado ao Senado, as duas propostas seguem paradas sobre a mesa de Pacheco, sem qualquer movimentação.

No caso do mercado de carbono, avaliado por muitos como o mais importante em termos ambientais e de transição energética, a principal disputa é sobre seu rito de tramitação. Ele foi aprovado no Senado no primeiro semestre do ano passado, sob relatoria de Leila Barros (PDT-DF), com uma exceção que desobrigou o agronegócio dos compromissos de redução de emissões de gases de efeito estufa.

Os deputados mantiveram a exceção, mas alteraram o texto. Por isso, ele voltou aos senadores que, em tese, teriam o poder de ratificar ou desfazer tais mudanças.

No entanto, Lira manobrou para dar à Câmara a palavra final sobre a redação. Ele arquivou a proposta que havia sido aprovado pelos senadores e incorporou o seu texto em uma proposta mais antiga e de autoria de um deputado, transformando a sua Casa na iniciadora da tramitação.

Assim, ele defende que o texto aprovado pelos deputados no final de 2023 e agora no Senado, caso seja alterado, tenha que voltar para a Câmara. Pacheco discorda.

Essa disputa se insere em um desentendimento maior entre os dois, que envolve o rito de tramitação de Medidas Provisórias e também uma alteração regimental feita por Lira em 2022 e contestada pelo senador.

Pacheco deve se reunir com consultores nesta semana para analisar as mudanças que foram feitas pela Câmara ao projeto. Segundo aliados, se ele entender que as alterações foram pertinentes ou pouco relevantes, o fato da palavra final ser da Câmara se torna menos problemático e o desentendimento sobre a tramitação seria amenizado, no caso deste projeto especificamente.

Ao contrário, se a avaliação for de que os deputados mexeram demais no texto, ou se o presidente discordar das mudanças, ter a o poder de chancela volta a ser fator decisivo e o impasse ganha peso.

Nos bastidores, há quem cogite a possibilidade de o tema ir parar na Justiça —já há processos por disputas de tramitação entre os dois presidentes.

Há receio que, se o texto voltar mais uma vez para a Câmara, não haja tempo para ele ser aprovado no Congresso ainda neste ano.

Além disso, parlamentares lembram que ano que vem, as comissões temáticas do Congresso mudam de presidência, o que pode atrasar ainda mais a tramitação do texto, a depender de quem for o escolhido para chefiar os grupos de Meio Ambiente e Economia.

Também não há consenso entre alguns pontos do projeto, como a criação do mercado jurisdicional —no qual os estados podem desenvolver créditos de carbono em seus territórios.

A inclusão do agronegócio no mercado regulado, uma pauta sobretudo de ambientalistas, já é tido por muitos como uma batalha perdida. Pacheco pode, aliás, escolher a senadora Tereza Cristina (PP-MS), forte aliada do setor, para relatar o tema.

"Hoje a gente entende que é praticamente um ponto de não retorno no sentido que é pouco provável que, após uma exclusão tão explícita, já no começo do projeto, seja possível reverter", diz Viviane Romeiro, diretora de clima, energia e finanças sustentáveis do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável.

Ela lembra que o projeto prevê diversos meses de prazo de adaptação até que o mercado seja efetivado. Portanto, a demora na aprovação do texto pode fazer com que a implementação do setor aconteça apenas no final da década.

Já o projeto das eólicas offshore deveria ser, por tradição, designado para Carlos Portinho (PL-RJ), relator original na primeira passagem do texto no Senado. No entanto, os inúmeros jabutis incluídos à proposta tornaram sua tramitação mais delicada e sujeita a diversos interesses.

Foram incluídos dispositivos que desfiguram a natureza sustentável da proposta, por exemplo os incentivos bilionários aos setores de carvão e gás, ambos poluentes.

Além disso, o acréscimo destes subsídios tem como potencial efeito encarecer a conta de luz do consumidor final. Mais uma vez, o projeto não avançou.

O Paten chegou ao Senado só em março deste ano, mas até agora, também não teve relator definido. Parlamentares, no entanto, ainda não veem isso com preocupação. Citam que, desde a aprovação do projeto, o Congresso passou por duas semanas esvaziadas, o que explica a falta de relatoria.

A única proposta que já conta com um tutor oficial é a dos biocombustíveis, o vice-presidente do Senado, Veneziano Vital do Rego (MDB-PB) —o que não quer dizer que não houve disputa.

Na tramitação na Câmara, houve embate entre os setores do agronegócio e de petróleo sobre o mérito do texto. A disputa se estendeu à relatoria no Senado —com vitória para o segundo grupo, que defendia Veneziano, sobre o primeiro, que queria Vanderlan Cardoso (PSD-GO) à frente da discussão.

É a única das propostas que já teve andamento concreto, e as primeiras audiências públicas para debater o tema devem começar a acontecer na próxima semana.

Secretário de Economia Verde e Descarbonização do Ministério da Indústria e Comércio, Rodrigo Rollemberg, vem atuando na articulação em prol das propostas. "Nossa expectativa é que toda a agenda verde seja aprovada até junho", afirmou.

Vice-líder do governo no Senado, Jorge Kajuru (PSB-TO), afirma que rodrigo Pacheco "ficou de resolver" o embate sobre a tramitação do crédito de carbono. "[As propostas ainda] não foram aprovados devido a um processo complexo de tramitação legislativa", afirma,

"O governo está articulando com os parlamentares para garantir que elas avancem ainda neste semestre", completou.

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