Limitar correção de pisos de Saúde e Educação enfrenta resistências no governo e no PT

Proposta de Haddad teria impacto pequeno em 2025 e 2026, o que desmotiva ala política a assumir custo da discussão

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Brasília

A proposta de limitar o crescimento real dos pisos de Saúde e Educação a 2,5%, em estudo pelo Ministério da Fazenda, enfrenta resistências na ala política do governo e na cúpula do PT, sigla do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A ideia é uma das alternativas em análise pela equipe do ministro Fernando Haddad (Fazenda) para garantir a sustentabilidade do arcabouço fiscal e harmonizar o ritmo de alta dessas despesas à correção do limite geral de gastos.

Um técnico do governo afirma que a medida teria impacto pequeno no Orçamento de 2025 e 2026, o que desmotiva a ala política a assumir o elevado custo político da discussão em troca de um "ganho zero" para o restante do mandato.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ministro Fernando Haddad (Fazenda) - ADRIANO MACHADO/Adriano Machado - 13.dez.2023/Reuters

Em março, o Relatório de Projeções Fiscais do Tesouro Nacional simulou o quanto o Executivo ganharia de espaço em três cenários distintos de flexibilização dos pisos de Saúde e Educação, hoje vinculados a um percentual da arrecadação.

No caso da adoção da mesma regra do arcabouço fiscal, que limita a correção do limite a 2,5% acima da inflação, os cálculos do Tesouro apontavam uma perda de R$ 5 bilhões em 2025 —ou seja, a mudança resultaria num carimbo até maior de verbas para Saúde e Educação do que prevê a norma atual.

Em 2026, o ganho seria de apenas R$ 8 bilhões, insuficiente para acomodar pressões vindas de despesas obrigatórias, como benefícios previdenciários.

Desde a publicação do relatório, as projeções de arrecadação se alteraram. Mas, segundo um técnico do governo, a lógica continua valendo: com a mudança, o governo perderia espaço no Orçamento em 2025, e o ganho em 2026 seria da ordem de R$ 4 bilhões.

Para alcançar resultados mais significativos, o governo precisaria implementar as novas regras ainda em 2024, um cenário considerado improvável, uma vez que o Orçamento já está em execução.

A discussão sobre os mínimos de Saúde e Educação ocorre no âmbito de um cardápio de propostas que a equipe econômica prepara para tentar atacar o avanço das despesas obrigatórias. A trajetória desses gastos tem contribuído para a piora da percepção do mercado, que cobra ações do governo para reduzir as incertezas fiscais.

A possibilidade de a Fazenda propor a alteração nos pisos foi alvo de debate em reunião da bancada na Câmara nesta quarta-feira (12). Segundo os relatos, o deputado Rui Falcão (PT-SP) disse que, se a revisão dos pisos for de fato apresentada, ele votará contra.

Já a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), afirmou na reunião que a criação dos mínimos foi uma bandeira do partido. Ela sugeriu, segundo os relatos, que qualquer eventual proposta seja debatida pelo governo com a direção da legenda.

Gleisi se posicionou contra a alteração dos pisos em publicação no X (antigo Twitter) em abril, após a divulgação do relatório do Tesouro Nacional. "Recuar nesses avanços, como vimos na imprensa com base em 'estudo' da área econômica, não seria uma opção válida nem justa para financiar outras áreas de governo, todas elas importantes", escreveu na época.

O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), disse à Folha que a mudança dos pisos não está no horizonte do governo.

"Não está na ótica, o presidente não pensa nisso, o governo não está pensando nisso. Há uma circunstância que não é Saúde e Educação, que é o crescimento do gasto previdenciário. Mas isso é também por uma decisão política do governo de zerar a fila da Previdência", disse.

Segundo ele, a área econômica do governo já tem buscado poupar recursos a partir da revisão de cadastros, inclusive na Previdência.

O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), afirmou à reportagem que "não tem nada tramitando, não tem nada oficial" e que não comentaria o tema em cima de especulações.

Os pisos de Saúde e Educação haviam sido suspensos em 2017 pelo teto de gastos, que fixou a aplicação mínima nos valores praticados em 2016, corrigidos pela inflação.

Eles voltaram a ser vinculados à arrecadação, como previsto na Constituição, a partir deste ano, com a entrada em vigor do arcabouço fiscal desenhado pela equipe de Haddad.

A regra exige a aplicação de 15% da RCL (receita corrente líquida) na Saúde e de 18% da RLI (receita líquida de impostos) na Educação.

Os valores resultantes para 2024 tiveram uma alta significativa porque as medidas de arrecadação implementadas pela Fazenda turbinaram a base de cálculo dos pisos.

No entanto, um técnico do governo ressalta que a RCL deve ter um crescimento mais modesto em 2025, entre 6% e 6,5%, um valor próximo da soma entre inflação e os 2,5% previstos no arcabouço.

Na avaliação deste interlocutor, não faz sentido comprar a briga agora por uma regra que não vai resolver o problema do Executivo no atual mandato.

Outro técnico da área econômica defende discutir as vinculações, mas aponta outro impasse político. Além da sensibilidade do tema, há risco real de o Congresso direcionar a folga obtida com a flexibilização dos pisos para turbinar despesas consideradas menos eficientes, como emendas parlamentares.

Isso aconteceu no passado, quando o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) negociou alterações no teto de gastos para elevar seu limite fiscal em 2022. As negociações para obter apoio no Legislativo envolveram a ampliação das emendas.

As emendas também são obstáculo para outra das propostas cogitadas pela Fazenda: a alteração do conceito de RCL, como revelou a Folha no ano passado.

O Tesouro Nacional chegou a incluir em uma minuta de projeto de lei complementar a proposta de excluir da RCL receitas voláteis como royalties e dividendos de estatais.

Além de reduzir o piso da Saúde, a proposta afetaria diretamente o valor de aplicação obrigatória nas emendas parlamentares.

A Constituição prevê 2% da RCL para indicações individuais de deputados e senadores e 1% da RCL para emendas de bancadas estaduais. Aliados do governo consideram difícil reduzir a base de cálculo dessas verbas.

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