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Desafio da América Latina é elevar produtividade para aumentar investimentos, diz presidente do BID

Para Ilan Goldfajn, setor privado será crucial para multiplicar recursos disponíveis

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Rio de Janeiro

A América Latina tem o desafio de elevar a produtividade para conseguir aumentar os investimentos, e o setor privado será crucial para multiplicar os recursos disponíveis, avalia Ilan Goldfajn, presidente do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).

"A gente fala de mobilização, da necessidade de trazer o setor privado. Esse é o desafio: há uma demanda muito grande por recursos e os recursos não são suficientes. O crescimento dos recursos depende do crescimento da produtividade, que é um desafio da América Latina", diz ele em entrevista à Folha, durante as reuniões do G20 no final de julho, no Rio.

Ilan Goldfajn, presidente do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), conversa com jornalistas durante encontro de líderes financeiros do G20, no Rio de Janeiro - Tita Barros - 26.jul.2024/Reuters

A mobilização passa por novos instrumentos financeiros, como a canalização dos direitos especiais de saque (SDR, na sigla em inglês) por meio de bancos multilaterais de desenvolvimento.

O BID promete usar o mecanismo para financiar iniciativas de combate à fome e à pobreza. Para Goldfajn, a utilização do instrumento pode ser um "ganha-ganha" para os países, pois tem o potencial de alavancar sete vezes cada dólar aplicado.

O ex-presidente do Banco Central também coloca o BID em um papel-chave na transição para a economia verde, com o plano de triplicar na próxima década os investimentos em projetos de financiamento de combate às mudanças climáticas, para US$ 150 bilhões (cerca de R$ 840 bilhões).

Com o apetite crescente dos investidores em projetos na Amazônia, ele vê oportunidade de usar a região como modelo para impulsionar aportes direcionados a outros biomas. "A Amazônia vai abrir portas para todo mundo se conscientizar", afirma.

Vê um apetite crescente dos investidores em apoiar o desenvolvimento da Amazônia?
Estou vendo um interesse grande. Em Manaus, na Semana de Sustentabilidade, nosso braço privado, chamado BID Invest, atraiu 900 pessoas. Tivemos vários negócios feitos e doadores vindo. A Espanha anunciou uma doação através do BID. Temos a Janet Yellen [secretária do Tesouro dos EUA] participando [de evento em Belém]. Isso mostra o símbolo de ter todo mundo apoiando um programa que veio dos próprios países. Está todo mundo entrando junto em uma verdadeira plataforma, com os países, os doadores, a sociedade civil, os governantes, o setor privado. Uma rede toda envolvida.

O sr. comentou que o BID emprestava R$ 1 bilhão para projetos na Amazônia e que, só neste ano, já emprestou R$ 4 bilhões. O investimento hoje é nessa ordem?
O BID quadruplicou em um ano [os recursos para projetos na Amazônia]. A gente vai acabar fazendo muito mais. O número exato vai depender de quantos projetos a gente vai receber. Isso é prioridade.

Como está a estruturação dos bonds amazônicos?
O guia vai ser anunciado na COP16 [da biodiversidade], em Cali [Colômbia]. Esse tipo de bond vai ter que ser crível e concreto o suficiente para passar credibilidade para o investidor. A gente tem que ser capaz de evitar o chamado greenwashing [falsa aparência de sustentabilidade]. A gente vai ajudar os países a ter algo muito concreto e muito transparente.

Como foi o primeiro teste de demanda?
A gente está sentindo que a demanda é grande e está começando a estruturar emissões para o pequeno investidor. Estamos democratizando a Amazônia. Como vamos fazer isso? Vai ter um fundo chamado ETF Amazônia Para Todos, de valores pequenos. Com R$ 100, será possível investir na Amazônia. A consciência ambiental hoje, nas novas gerações, é muito maior. Vamos permitir a compra desses ETFs que anunciamos com o Banco do Brasil, o BNDES e a Caixa.

Não vemos o mesmo apetite para investimento em outros biomas, como o cerrado, que também está no centro de discussões climáticas. Qual é a sua avaliação?
A Amazônia tem um tamanho maior e, portanto, uma repercussão maior. Nós temos que usar a Amazônia como exemplo para os outros biomas. A Amazônia vai abrir portas para todo mundo se conscientizar em relação ao resto. A gente está disposto a fazer isso, tanto que os nossos programas de biomas incluem outros lugares, não só no Brasil, mas também na América Central, no sul do México.

Em fevereiro foi anunciado o programa de proteção cambial. Como está esse processo?
Os processos estão caminhando. A gente continua trabalhando na parte técnica. Não há dificuldade. A dificuldade vai ser na hora de implementar, de ver se vai ter participação, se nós vamos ter mais investimentos climáticos. É onde vai ser o teste.

Passando para economia global, qual é sua análise do momento atual?
A gente teve uma inflação que caiu, os bancos centrais da América Latina agiram na frente e permitiram a queda dos juros. Dado o histórico inflacionário, foram muito mais proativos. A gente está vendo as economias crescendo, até mais do que esperado. A surpresa foi do México e do Brasil no ano passado. Isso permite uma queda maior da pobreza. A gente teve investimento direto recorde. Pelo menos até agora, os países da América Latina estão tendo uma boa saída da pandemia.

Em 2019, o BID tinha um estudo que indicava que o Brasil gastava muito e gastava mal. Qual é a avaliação hoje?
A gente vai entrar agora na estratégia para os próximos quatro anos. No documento de avaliação, que vai ser publicado neste ano, a gente vai ver como está a situação e também dizer como vamos atuar dentro do país. O BID trabalha muito a eficiência dos gastos, a eficiência do sistema tributário. O BID sempre trabalhou com o Brasil nisso, na questão tributária, na questão dos gastos. Se isso for uma questão, nós vamos também incluir nessa nova estratégia.

O Brasil discutiu no G20 a taxação dos super-ricos. Como vê esse tema?
O BID não entra em discussões locais. Dentro de uma discussão global, a gente acha importante aumentar a base tributária, reduzir a evasão, reduzir a elisão. A gente quer fechar brechas. Isso vai gerar muito mais recurso e muito mais justiça. Além disso, o BID é favorável à taxação progressiva. À medida que você ganha mais, você paga mais. Nem sempre é o caso e, portanto, a gente tem que trabalhar os sistemas para isso acontecer.

A questão fiscal está no centro da discussão no Brasil e na região. Como isso impacta os investimentos?
A gente está passando pela necessidade de transformar bilhões em trilhões. Tem desastres, como o que ocorreu no Rio Grande do Sul, que vão precisar de muitos recursos. Tem uma transição energética que precisa de muito investimento. Desigualdades, pobreza, isso tudo requer muitos recursos. Os países, em geral, não têm os recursos todos disponíveis. A gente fala de mobilização, da necessidade de trazer o setor privado. Esse é o desafio: há uma demanda muito grande por recursos e os recursos não são suficientes. O crescimento dos recursos depende do crescimento da produtividade, que é um desafio da América Latina.

Quanto à eficiência dos programas do BID, como melhorar?
A gente está hoje muito concentrado em impacto e querendo aumentar a capacidade de gerar mais efetividade e resultado.

Como fazer isso?
Uma reforma ampla. É o que a gente está chamando de Impact+, que é a forma de impactar a região. A gente tem formas de fazer isso. Uma através do BID público, com várias reformas, novos instrumentos, novo arcabouço da efetividade de desenvolvimento, novo arcabouço de conhecimento, seletividade nos nossos projetos. Olhar os países e não se preocupar tanto com a quantidade de recursos que se está dando, mas também [com] o que esses recursos estão gerando em termos de [redução de] pobreza, em termos de [redução de emissões de] CO2.

O sr. falou no G20 em mecanismos inovadores para alavancar recursos. Destacaria algum?
O primeiro ponto é [a troca de] dívida por clima. Transformar uma dívida em projetos de transição energética. Dívida por natureza. Você transforma a dívida e a poupança para proteger a natureza. Tem instrumentos que tentam resolver problemas antigos, como o hedge cambial. O fato de tomar emprestado em dólar, investir em reais e a diferença fica em desequilíbrio, [problema] que a gente está tentando ajudar. Esse é o projeto com o Brasil. A graça toda é ver se a gente consegue, não só que dê certo no Brasil, mas escalar o projeto e ser um exemplo para outros países.

No engajamento contra a fome e a pobreza, o sr. disse planejar o uso dos direitos especiais de saque. Tem outro tipo de contribuição para esse projeto?
São três. Uma é a parte financeira, que é a alocação dos SDRs no mecanismo. Dois, nosso compromisso de ajudar a região a erradicar a pobreza até 2030, e a gente faz isso através das nossas políticas. Terceiro é o compromisso de 50% dos nossos empréstimos serem alocados para os povos mais vulneráveis.

Uma eventual vitória do ex-presidente Donald Trump nos EUA pode comprometer a agenda do BID?
A gente trabalha com todos os governos. A estratégia para os próximos anos tem, de um lado, a pobreza e a desigualdade, no meio, a questão climática, e, do outro, trabalhar com produtividade e crescimento. Nós, dentro do Impact+, estamos valorizando o crescimento através do setor privado. Tem toda a capitalização do BID Invest, que vai dobrar de tamanho e emprestar para o setor privado, isso vai gerar mais aumento de produtividade. Tenho a impressão que a ideia de chamar o setor privado para o desenvolvimento é um consenso em todos os governos e em todos os países.


RAIO-X
Ilan Goldfajn, 58

Presidente do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Em 2022, atuou como diretor do departamento do hemisfério ocidental no FMI (Fundo Monetário Internacional). Foi presidente do Banco Central de 2016 a 2019. É PhD em Economia pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology), mestre em Economia pela PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) e bacharel em Economia pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

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